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A importância da discussão sobre o Rol taxativo da ANS

Rol taxativo: o que precisamos estudar e saber para entender a verdadeira controvérsia.

29/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Ainda pendente de julgamento no STJ a questão exige entender alguns conceitos para poder opinar corretamente

A Constituição Federal elenca do Direito a saúde dentre os mais importantes, consagrando-o no rol dos Direitos Fundamentais.

E para que tal garantia seja exercida, criou dois caminhos, alternativos e complementares, quais sejam, a rede pública, via SUS e a rede privada, através da saúde suplementar.

A assim chamada Saúde Suplementar é submetida às regras estabelecidas pela Agencia Nacional de Saúde Pública.

Dentre suas atribuições, essa agência estabeleceu um lista de procedimentos que um plano de saúde deve cobrir.

E assim os planos por muito tempo passaram a alegar que somente cobririam exatamente o que está nesta lista, que tudo que a exceda não lhe seria exigível.

Pois bem, diante de negativas as pessoas passaram a procurar socorro junto ao Poder Judiciário.

E a questão chegou até o STJ, onde existe uma divergência: uma Turma defende que o rol é taxativo, ou seja, somente é exigível cobertura do plano de saúde para exatamente e somente o que está listado e outro grupo entende que o rol é exemplificativo, sendo que a definição sobre o tratamento a ser aplicado compete ao médico e não agência e muito menos À operadora do plano de saúde.

No meio da discussão recente junto ao STJ, foi publicada a lei federal 14.307/22 que direciona para que o rol seja taxativo e que eventuais novas técnicas sejam submetidas a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) dentro da ANS que em até 180 dias deverá se manifestar.

Aí surgem três questões muito relevantes:

  1. Quem está em tratamento pode esperar a decisão do CONITEC?
  2. Há como saber previamente qual será a decisão do conselho técnico?
  3. E se for indeferido mas com prova da eficiência e melhor adequação do tratamento, as ações não serão mais proposta?

A toda evidência as três perguntas contemplam respostas negativas e assim ferem visceralmente a garantia fundamental conferida aos brasileiros pela nossa Carta Magna.

Por outro giro, muito se fala sobre a onerosidade excessiva aos planos.

Pois bem, além de terem entrado no negócio/ramo de saúde por opção, afinal são de “livre iniciativa”, mais três pontos devem ser destacados:

  1. Raramente uma operadora de saúde “quebra”.
  2. Quando quebra há disputa entre os outros players pela sua carteira de clientes;
  3. Se não fosse um negócio rentável, por que as operadoras continuariam no ramo?

Ora, para ilustrar nosso posicionamento, conforme nota técnica 97do IPEA, conceituado e respeitado fundação pública federal vinculada ao Ministério da Economia, as operadoras de saúde no período compreendido entre 2014 e 2018 tiveram lucro líquido de mais de 30 bilhões de reais (!). Ou seja, embora o país passasse por uma crise, o setor vem na contramão, apresentando resultados excepcionais e crescentes.

Vejamos, o argumento de onerosidade excessiva sempre tem um exemplo superespecífico de um tratamento caro. Mas o que nunca aparece nestes casos é o cálculo atuarial, onde ficaria claro que existem milhares de usuários que pouco ou nada utilizaram dos serviços contratados mas que contribuem mensalmente.

Também nunca é ventilado que os reajustes de pessoa física e de grupos, seja empresarial, seja por categoria, que contemplam todos os sinistros a fim de corrigir as eventuais perdas excessiva do período.

Ademais, se não é pra custear o que não tem no SUS, pra que existir o plano?

Ou seja, cai por terra o argumento de onerosidade excessiva que em verdade oculta um desejo de economizar às custas das vidas de milhares de pessoas que muitas vezes dão tudo que podem e que não podem para manter ativo o plano que salva a vida de seu familiar e assim maximizar o lucro.

O fato é que se mantida essa ordem, milhares de pessoas ficarão desamparadas a sua própria sorte, mantidos ativos e vivos para pagar apenas aqueles que dão pouca ou nenhuma despesa ao plano.

Por isso não podemos ficar apenas assistindo a uma importante decisão, que só atende aos planos, que desejam nada menos que maximizar os seus já ótimos resultados.

Se tudo isso não fosse bastante, temos que ter em mente que a medicina avança muito rápido, que novas técnicas surgem a cada dia e que cada médico tem a liberdade e autonomia dentro da norma técnica de eleger o melhor tratamento para cada paciente e cada situação, razão pela qual o rol taxativo não tem razão de ser, sob pena de limitarmos o acesso a uma garantia fundamental apenas para atender a um desejo insano e mesquinho de aumento de lucro face a diminuição de custos à custas de vidas.

E não podemos deixar de ter em mente que se o caminho “suplementar” fechar suas portas, milhares de pessoas buscarão a via principal e assim assoberbarão ao já sobrecarregado SUS, que já tem sérias dificuldades em atender a demanda atual, quiçá com o ingresso daqueles indesejados e abandonados pelas operadoras.

Jefferson Henrique de Souza Alves
Advogado, Aluno da Faculdade Nacional de Direito (FND/UFRJ) e pós-graduado pela Fundação Getúlio Vargas.

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