A nova Lei de Licitações é fruto do Projeto de lei 4253/20, que, por sua vez, substituiu os projetos de lei do Senado 163/1995 e 559/2013. A referida Lei foi publicada em 1 de abril de 2021, sem a previsão de uma vacatio legis. Assim, por meio do artigo 191, a nova Lei prevê um período de convivência de dois anos entre as novas regras e o antigo sistema licitatório legalmente previsto.
Nesse sentido, o novo sistema está de imediato vigorando, enquanto ainda vigoram, também, a lei 8.666/93, a lei 10.520/02 (Lei do Pregão), e a lei 12.462/11 (Lei do RDC). Estas últimas só estarão revogadas em 1º de abril de 2023, ou seja, 2 (dois) anos após a publicação da NLLCA (art. 193).
Embora se tratasse de desejo antigo – a reforma das normas de licitação e contratos administrativos - e que gerava constantes discussões entre os juristas, a nova lei nasce após, em 2020, a lei 8.666/90, ter se mostrado demasiadamente ineficaz para atender às demandas da Administração Pública com o advento da pandemia causada pela vírus do novo coronavírus.
Isso porque, em razão, principalmente da burocracia engessada da antiga Lei para a contratação pública, o que se viu nos tempos de pandemia, foi a criação de um verdadeiro regime excepcional de emergência sanitária, com a promulgação da lei 13.979/20 e 14.124/21. (Machado, 2021)
Ademais, a nova Lei de Licitações, tratou de unificar as regras que estavam dispersas quanto às possibilidades para efetivação dos contratos administrativos, e buscou aperfeiçoar os modelos já existentes na Lei anteriormente em vigor, se utilizando, inclusive, de entendimentos do Tribunal de Contas da União e lições da doutrina para conduzir a redação de seus dispositivos.
Ainda, em atenção às dificuldades experimentadas pelo período de pandemia, a nova Lei de Licitação traz como regra o processo eletrônico, fazendo previsão do processo presencial apenas como exceção. Nesse ponto, é seguro ponderar que a informatização do processo licitatório segue uma onda pós pandêmica, que foi acompanhada pela maioria dos órgãos da administração pública, e que acompanham um marco social importante. É possível observar, assim, a verdadeira função social do direito1 na referida Lei.
A informatização do processo licitatório é ainda uma forma de poupar recursos, já que nenhum dos envolvidos vai gastar dinheiro com locomoção, e de preservar a vida, já que em tempos de pandemia, que foram experimentados por todo o mundo, gerando uma enorme e generalizado estado de incerteza pública, dificultando a realização e impondo-se como um desafio jamais visto aos gestores, concluiu-se que, assim como a onda de informatização de diversos serviços da administração pública, as licitações feitas através de modos eletrônicos são mais seguros para todos os envolvidos.
Logo no início da nova Lei, mais precisamente em seu art. 5º, tem-se a previsão dos princípios legalmente previstos para reger os procedimentos licitatórios, sendo possível observar a ampliação daqueles que eram anteriormente explícitos na antiga Lei.
Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-lei 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).
Frente a tantos princípios expressos na Lei, aqui, destaca-se o princípio da Transparência, que está diretamente associado ao processo de informatização dos processos licitatórios. O princípio da transparência impõe que todos os atos da administração pública nos procedimentos licitatórios devem ser acessíveis à sociedade, órgãos de controle e aos licitantes.
Importante destacar que a nova Lei faz mais do que elencar novos princípios, mas busca também dar concretude às diretrizes mais abstratas por meio de enfrentamentos objetivos a problemas históricos trazidos pela até então ausência deles, a exemplo do avanço da transparência que a forma eletrônica preferencial impõe.
É importante frisar que, aqui, não se trata apenas de dar publicidade ao Edital e ao Contrato, o que se positiva pelo próprio princípio da publicidade, mas, sobretudo, garantir a facilidade e os meios necessários de se obter os dados referentes ao procedimento licitatório e ao contrato celebrado pela administração pública a todos os que se interessarem. Assim, a saída legislativa para garantir a fácil obtenção das informações e consequentemente garantir o referido princípio ocorreu por meio da digitalização do processo licitatório e dos contratos da administração pública.
O novo regime de contratação pública nacional preza por uma verdadeira digitalização do processo de contratação pública. Nesse ponto, a nova lei substitui a “imprensa oficial”, do art. 6º, XIII, da lei 8.666/93, pelo “sítio eletrônico oficial” (art. 6º, LII, da lei 14.133/21).
O sítio eletrônico oficial, nos termos de sua definição, preza por: a) publicidade das informações (dos atos) por meio digital na internet; b) certificação digital do sítio por autoridade certificadora; c) centralização das informações do ente federativo em um único sítio. (Oliveira, 2021)
Ainda, diante da nova previsão de transparência, que vem acompanhada de dispositivos que dispõe sobre o processo eletrônico em regra, estando o processo presencial de licitação adstrito a momentos de exceção que devem ser devidamente justificados, e ainda a definição dos meios de divulgação oficiais, está prevista a implementação do Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP, sítio eletrônico oficial criado pelo art. 174 da lei 14.133/21.
O PNCP é, por expressa definição legal, uma espécie de “sítio eletrônico oficial” ampliado (art. 6º, LII, da lei 14.133/21), pois conta com uma concentração de atos relativos a procedimentos de contratação pública em nível nacional. Isto é, sua abrangência alcança as contratações governamentais municipais, estaduais, distritais e federais. (Oliveira, 2021)
Assim, ainda atenta ao princípio da transparência, a nova Lei traz a necessária publicação do edital de licitação, assim como dos seus anexos, “em sítio eletrônico oficial” (art. 25, § 3º da lei 14.133/21), no caso, no Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP, que é o “sítio eletrônico oficial” disposto no art. 174, caput da Nova Lei. Vale lembrar que o PNCP foi eleito pela nova lei como meio de “divulgação centralizada e obrigatória” dos atos cuja publicação é exigida pela lei 14.133/21.
Existem, ainda, situações na nova Lei em que a exigência de publicação em sítio eletrônico oficial exige o mesmo grau de publicidade e transparência dado àquelas para as quais a mesma requer a divulgação no PNCP. É o caso do ato que autoriza a contratação direta ou do extrato do contrato que decorre de uma dispensa ou inexigibilidade licitatória. A previsão é expressa, no Parágrafo único do art. 72, de que tais documentos devem ser divulgados e mantidos à disposição do público em sítio eletrônico oficial. (Oliveira, 2021)
Assim, conforme se observa pela leitura e estudo da nova Lei, a mesma traz em si, de forma expressa, a virtualização dos procedimentos de contratação pública como um meio de ampliação da competição e do controle social, garantindo-se o cumprimento do princípio da transparência, novidade legislativa disposta no art. 5º.
A diretriz da nova Lei é a informação segura, amplamente e facilmente disponível, de forma centralizada, sem desconsiderar para tanto a independência dos entes federativos. Nesse sentido, qualquer instrumento de transparência que preencha tais requisitos dispostos em lei será satisfatório.
Por isso, embora tenha previsão legal acerca do novo PNCP, que é a plataforma ideal de publicidade da lei 14.133/21, esse mesmo diploma prevê expressamente outros meios capazes de suprir a publicidade e a transparência dentro dos padrões do novo regime, de modo que a digitalização dos atos e documentos sejam possíveis, garantindo-se, sem maiores problemas, a transparência exigida pela Nova Lei mesmo durante o período de coexistência entre a nova norma e os antigos diplomas legais.
É de suma importância ressaltar que o princípio positivado como Princípio da Transparência é legalmente previsto como um anseio social, que ficou ainda mais latente no período pandêmico enfrentado, razão pela qual, sua aplicação é urgente principalmente no que se refere a transparência dos atos por meio do sistema da internet, abrangendo assim um maior grau de publicidade, que evolui finalmente a uma verdadeira transparência, conforme positivou a nova Lei.
Nesse sentido, muito embora exista um período de coexistência entre as normas que dispõem sobre o processo de contratação da administração pública, por ter a nova Lei apresentado um rol ampliado de princípios, trazendo novidades como a Transparência em seu bojo, é certa sua imediata aplicação, que, conforme se viu, poderá ser garantida por meio da ampla divulgação dos atos e realização de licitações por meio de sites que preencham os requisitos dispostos na Lei 14.133/21, efetivando-se a função social da nova Lei em tempos pós pandêmicos e garantindo assim o pleno funcionamento da máquina pública com eficácia e eficiência.
________
CARVALHO, Francisco José. A função social do Direito e a efetividade das Normas Jurídicas. Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/ conteúdo /artigos/a-funcao-social-do-direitoea-efetividade-das-normas-juridicas/7940. Acesso em: 07 de outubro de 2021.
MACHADO, Gabriela de Ávila. Considerações sobre a nova Lei de Licitações. Acesso em 07/10/21.
MARQUES, Orizzo. A Nova Lei de Licitações – Princípios. Disponível em https://orizzomarques.com.br/a-nova-lei-de-licitacoes-principios-2/. Acesso em 01/10/21
OLIVEIRA, Rafael Sérgio. A nova Lei de Licitações prescinde do PNCP. Disponível em http://www.novaleilicitacao.com.br/2021/04/29/a-aplicacao-da-nova-lei-de-licitacoes-prescinde-do-pncp/. Acesso em 07/10/21.
1 Segundo Francisco José Carvalho (2016):
A função social do direito é o fim comum que a norma jurídica deve atender dentro de um ambiente que viabilize a paz social. O direito sempre teve uma função social. A norma jurídica e criada para reger relações jurídicas, e nisso, a disciplina da norma deve alcançar o fim para o qual foi criada. Se ela não atinge o seu desiderato não há como disciplinar as relações jurídicas, e, portanto, não cumpre sua função, seu objeto.(...)