Migalhas de Peso

Ainda sobre o tema 210 de repercussão geral do STF

Outras razões para não aplicar a limitação de responsabilidade.

23/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Uma das melhores formas de se estudar o Direito é pelo caso concreto. Por meio dele, somos constantemente desafiados a colocar em prática as teses, os argumentos e os fundamentos jurídicos e legais dos nossos entendimentos.

Desde que o Tema 210 de Repercussão Geral foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pelo STF temos insistido – felizmente, com mais êxito do que inicialmente esperado – que:

1) Seu conteúdo não se aplica aos litígios envolvendo transportes de cargas e/ou seguradores sub-rogados;

2)  A incidência ou não da limitação de responsabilidade dependerá das particularidades de cada litígio;

O que sabemos é que a Convenção de Montreal é a fonte legal para tratar os casos de transportes aéreos internacionais de pessoas e coisas, mas se a limitação de responsabilidade será ou não aplicada em cada um deles é questão que dependerá de muitas circunstâncias.

As circunstâncias ditam as perspectivas, e isso também é verdade em se tratando do Direito em exercício.

Para além da nossa forte oposição a simples ideias de limitação de responsabilidade (figura que consideremos incompatível com o sistema jurídico atual, que prima pela ampla e integral responsabilização dos causadores de danos e a proteção das vítimas), temos que ela não é cabível, segundo os termos da própria Convenção de Montreal, quando houver conduta temerária por parte do transportador.

Entenda-se por conduta temerária aquela falha operacional especialmente grave que fere o dever geral de cautela e a Lex Artis da atividade, que é essencialmente de risco. Entendemos ainda que a questão da declaração de valor, tão costumeiramente alegada pelos transportadores, é de menor importância, embora polêmica, quando se tem como firme premissa que os documentos que instruem a operação de transporte apontam de forma clara e inequívoca o valor da carga.

O que isso quer dizer?

Quer dizer que o transportador sabe, sim, o valor daquilo que é confiado para transporte, sendo absolutamente injustificável, até do ponto de vista moral, a cobrança de um frete mais elevado para fazer aquilo que tem o dever de sempre fazer: cuidar da integridade do que lhe é confiado.

Como gostamos do Direito em exercício e do estudo de decisões judiciais, compartilhamos parte de contrarrazões recursais de um caso em que defendemos segurador sub-rogado contra transportador aéreo internacional de carga.

Defendemos a excelente Sentença que condenou a transportadora ao ressarcimento em regresso e não aplicou a limitação de responsabilidade por dois motivos muito bem avaliados e mensurados.

O texto abaixo reproduzido é autoexplicativo e permite ao amigo leitor entender o contexto do caso, os fundamentos da Sentença e os argumentos de nossa peça forense. Esclarecemos que substituímos palavras, nomes próprios e valores por XXX a fim de evitar a exposição das partes. Por mais que haja o princípio da publicidade a informar o caso, julgamos necessário o gesto de delicadeza por quem representamos e pelo terceiro.

Paulo Henrique Cremoneze
Advogado com atuação em Direito do Seguro e Direito dos Transportes. Sócio do escritório Machado, Cremoneze, Lima e Gotas - Advogados Associados. Mestre em Direito Internacional Privado. Especialista em Direito do Seguro.

Eduarda Eiko Cremoneze Anzai
Associada do escritório Machado, Cremoneze, Lima e Gotas - Advogados Associados.

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