Aos que criticaram a decisão do ministro do STF, Alexandre de Moraes, sugiro uma reflexão sobre esta simples pergunta: o que, em tese, aconteceria com um adolescente rebelde que reiterada e deliberadamente ignorasse e desrespeitasse as regras escolares, mesmo diante de orientações e advertências anteriores por parte da direção?
Não é demais imaginar que ele, provavelmente, seria sancionado com a penalidade de suspensão por um período determinado, como forma de compeli-lo e educa-lo ao cumprimento das regras internas da escola.
No caso “STF x Telegram”, guardadas as devidas proporções (por óbvio), a dinâmica é a mesma, tendo em vista que temos, de um lado, um Estado soberano (o Brasil) que tem regras (leis) próprias que devem ser cumpridas por todos aqueles que nele habitam, visitam, exercem atividades, fornecem e prestam serviços, etc., sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras; e, de outro, uma empresa estrangeira que fornece um serviço em território brasileiro - sem sede, filial ou representatividade no Brasil -, que tem, inclusive, sido utilizado para o cometimento de crimes, e que vem descumprindo, de forma deliberada e reiterada, a legislação nacional e as determinações judiciais.
Para melhor compreensão da questão, temos que separar o joio do trigo. Não se trata de “STF x Telegram”, de “Alexandre de Moraes x Telegram”, mas sim do “conflito” entre o Brasil como Estado soberano – representado pelo Poder Judiciário - e uma empresa estrangeira, sem qualquer representação no Brasil, que se nega a cumprir a lei e as determinações judiciais relativas ao serviço por ela prestada em nosso território. Diante disso, para uma análise adequada, é preciso deixar de lado os achismos, as ideologias e preferências políticas, e analisar a situação sob a ótica do direito (interno e externo) e a figura do Brasil, repita-se, como Estado soberano.
Em primeiro lugar, há que compreender o significado de soberania de um Estado nacional. Pra tanto, utilizamo-nos do conceito dado por Francisco Rezek, que estabelece que:
Soberana é a entidade política que não reconhece autoridade superior à sua – embora ciente de não ser a única a ostentar tal natureza e a deter, por isso, a exclusividade do exercício de competências sobre sua própria área de domínio. Isso nos remete à noção do escopo da autoridade do Estado sobre suas bases territoriais, outro elemento do conceito. Ele é soberano porque plenamente capaz de ditar a disciplina regente da sociedade estabelecida sobre seu território, de reger a promulgação e a execução das leis e de impor seu cumprimento àqueles que se encontrem em seu território e sob seu domínio1.
Em segundo, há que compreender, de forma superficial (já que a completude demandaria a redação de um livro), a função das normas jurídicas num sistema preponderantemente positivista, tal como é o brasileiro.
Historicamente, a positivação do direito, em linhas (muito) gerais, decorreu da necessidade de limitação de poderes dos governantes, de modo a estabelecer, especialmente, a previsibilidade e a estabilidade do comportamento humano, por meio do expresso estabelecimento de normas a serem seguidas/obedecidas em sociedade, e que, se não seguidas, podem gerar consequências das mais diversas naturezas (atualmente, civis, penais, administrativas, entre outras).
No Brasil, com relação aos princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet, temos positivada a lei 12.935/14, também conhecida como Marco Civil da Internet.
O caput e o § 1 do art.11 da referida lei estabelecem, dentre outras, que as operações de comunicações por aplicações de internet que ofertem serviço ao público brasileiro, mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, devem, obrigatoriamente, respeitar a legislação brasileira.
O art.12 do Marco Civil da Internet, de seu lado, mais especificamente nos incisos III e IV, prevê hipóteses de suspensão temporária ou proibição do exercício das atividades que envolvam os atos previstos no art.11. Vejamos:
Art.12. Sem prejuízo das demais sanções cíveis, criminais ou administrativas, as infrações às normas previstas nos arts.10 e 11 ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções, aplicadas de forma isolada ou cumulativa:
III - suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos no art.11;
IV - proibição de exercício das atividades que envolvam os atos previstos no art.11.
Pois bem, com relação às principais circunstâncias que devem ser levadas em consideração para a análise da situação sob a ótica do direito (interno e externo) e a figura do Brasil, temos o seguinte: o Brasil é um Estado soberano que exerce autoridade e disciplina a vida em sociedade, podendo impor a obediência e cumprimento das leis no seu território; há legislação expressamente positivada que impõe obrigações a serem observadas por empresas que prestem serviços de comunicação por aplicações, sob pena de suspensão ou proibição do exercício das atividades.
No caso analisado e decidido pelo ministro Alexandre de Moraes (petição 9.935 – DF), ele, dentre outras, enfatizou o seguinte com relação à “reclamação” da Polícia Federal no que diz respeito à postura do aplicativo Telegram:
Segue afirmando a Polícia Federal que “o aplicativo Telegram é notoriamente conhecido por sua postura de não cooperar com autoridades judiciais e policiais de diversos países, inclusive colocando essa atitude não colaborativa como uma vantagem em relação a outros aplicativos de comunicação, o que o torna um terreno livre para proliferação de diversos conteúdos, inclusive com repercussão na área criminal”.
Destaca a informação prestada pela divisão de repressão a crimes cibernéticos da Polícia Federal, que indicou que o Telegram “está em franca ascensão (o que reforça ainda mais a necessidade de aplicação da legislação pátria, em especial do Marco Civil da Internet – lei 12.965/14 e seu art. 11), ao tempo em que sabidamente as autoridades brasileiras seguem sendo solenemente ignoradas pela empresa titular do serviço”.
Por outo lado, a Polícia Federal destacou a gravidade da situação da referida plataforma, usada reiteradamente para o cometimento de outros crimes, conforme a seguinte informação elaborada pelo seu SERCOPI - Serviço de Repressão a Crimes de Ódio e Pornografia Infantil:
“Dentre os aplicativos de mensageria mais usados pelos abusadores sexuais de crianças, por exemplo, está o Telegram. Esses criminosos se utilizam de forma individual e, principalmente, por meio de grupos (cibernéticos) para cometerem crimes gravíssimos contra crianças e adolescentes. A plataforma está sendo utilizada com a finalidade de adquirir imagens de abuso sexual infantil, bem como para realizar a difusão dessas imagens (fotos e vídeos). Muitos desses indivíduos, que têm se unido em grupos com centenas de pessoas de vários locais do Brasil e do mundo, vendem e compartilham imagens de condutas gravíssimas relacionadas a estupro de vulnerável. Ademais, há grupos destinados especificamente para produtores desse tipo de material delitivo, ocasião em que crianças estão em situação atual de extrema violência.
Não bastasse isso, o ministro apontou diversas situações em que o Telegram, não só no Brasil, desrespeitou legislações e ordens judiciais, enfatizando, dentre outros pontos, o seguinte:
A plataforma Telegram, em todas essas oportunidades, deixou de atender ao comando judicial, em total desprezo à justiça brasileira.
O desrespeito à legislação brasileira e o reiterado descumprimentode inúmeras decisões judiciais pelo Telegram – empresa que opera no território brasileiro, sem indicar seu representante – inclusive emanadas do STF – é circunstância completamente incompatível com a ordem constitucional vigente, além de contrariar expressamente dispositivo legal (art. 10, §, da lei 12.965/14).
Dessa maneira, estão presentes os requisitos necessários para a decretação da suspensão temporária das atividades do Telegram, até que haja o efetivo e integral cumprimento das decisões judiciais, nos termos destinados aos demais serviços de aplicações na internet, conforme o art. 12, III, do marco civil da internet.
Em suma, temos as seguintes circunstâncias: O Brasil, como Estado soberano, que pode impor a obediência e cumprimento das leis no seu território; há legislação expressamente positivada que impõe obrigações a serem observadas por empresas (nacionais ou estrangeiras) que prestem serviços de comunicação por aplicações, sob pena de suspensão ou proibição do exercício das atividades; e, por fim, uma empresa, sem representação formal no Brasil, que deliberada e reiteradamente tem descumprido a legislação e as ordens judiciais brasileiras. Diante disso, o que os críticos esperavam? Que uma empresa se sobrepusesse à legislação nacional? Que o Brasil se curvasse aos interesses e vontades dessa empresa? Se você, leitor, tiver condutas parecidas com as do Telegram, certamente sofrerá penalidades em decorrência disso. Logo, o mesmo deve valer para a referida empresa.
Em vista do exposto, pode-se dizer que, gostem ou não, o STF tem base fática, legal e probatória para determinar a suspensão do Telegram no Brasil!
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1 https://home.unicruz.edu.br/mercosul/pagina/anais/2015/1%20-%20ARTIGOS/SOBERANIA%20NO%20DIREITO%20INTERNACIONAL.PDF.