Inicialmente, faz-se necessário compreender os conceitos de moeda virtual, blockhain, mineração e Peer-to-Peer, para que, posteriormente se desenvolva a árdua missão de buscar a natureza jurídica do universo cripto.
Para delinear o conceito de moeda virtual, utilizaremos como alicerce a definição de Bitcoin, pioneira no universo digital e que tem seu protocolo utilizado como base para as inúmeras moedas desenvolvidas após a sua criação.
O bitcoin, como já mencionado, foi a primeira moeda digital descentralizada do mundo, criada pelo pseudônimo Satoshi Nakamoto, tendo seu White Paper1 publicado em 2008 e seu lançamento em código aberto para o público no ano de 2009.
A tecnologia se propôs a simular a exploração do ouro através de um sistema totalmente digital, sobressaltando a escassez como sua principal característica intrínseca. Desse modo, o bitcoin poderia ser produzido e registrado, em tese, por qualquer computador, mediante um processo intitulado de mineração (NAKAMOTO, 2008).
De acordo com o idealizador do projeto, Satoshi Nakamoto, a intenção da rede bitcoin seria proporcionar um sistema eletrônico de pagamentos baseado em criptografia, onde duas partes possam realizar transações diretamente entre elas, sem a necessidade de uma terceira parte confiável.
A esse tipo de transação, dá-se o nome de Peer-to-peer, sendo uma arquitetura computacional onde cada um dos pontos ou nós da rede opera tanto como cliente, quanto como servidor, possibilitando o compartilhamento de serviços e dados sem a presença de um servidor central (SHIRKY, 2000).
Finalmente, todo o processo de transação ou mineração do bitcoin é registrado em uma espécie de livro caixa, de domínio público, denominado blockhain, o que, nas palavras de (ULRICH, 2014), nada mais é do que um grande banco de dados público, contendo o histórico das transações relacionadas.
Feitas as devidas conceituações, podemos por fim nos debruçar sobre o cerne da questão: qual é a natureza jurídica das moedas virtuais e do bitcoin adotada no Brasil?
A determinação da natureza jurídica das moedas virtuais, no Brasil, ainda é uma tarefa em aberto, especialmente por não haver Lei que regulamente o assunto, em que pese a existência de projetos visando a correção dessa lacuna, como é o caso dos PL 2303/15 e PL 2060/19, que buscam regras libertárias para moedas virtuais no país.
A primeira manifestação de uma entidade oficial brasileira acerca do tema, ocorreu no ano de 2014, com o comunicado 25.306, do Banco Central do Brasil. O documento visava sobretudo, destacar a diferença entre o conceito de moeda virtual e moeda eletrônica, sendo essa uma extensão da moeda física para o mundo digital, e aquela uma moeda completamente virtual, sem qualquer lastro ou comunicação com o mundo material.
Nesse mesmo ano, a Receita Federal se manifestou no sentido de enquadrar criptoativos como ativos financeiros, para fins de tributação.
Posteriormente o PL 2303/15 foi apresentado, visando incluir as moedas digitais na categoria de “arranjos de pagamento”, em observância a um relatório do European Central Bank, de 2012.
É de todo oportuno destacar que, o referido projeto de lei encontra-se aguardando apreciação pelo Senado Federal, tendo sido aprovado previamente pela Câmara dos Deputados, no dia 07 de dezembro de 2021.
Já no ano de 2017, o Banco Central publicou novo comunicado 31.379, reiterando a interpretação de moedas virtuais como ativos financeiros.
Em seguida, no ano de 2019, foi publicada a Instrução Normativa 1.888, discorrendo sobre a obrigatoriedade de prestação de informações, tanto por indivíduos, quanto pelas empresas que executam operações com criptomoedas, e conceituando os referidos criptoativos como uma “representação digital de valor”.
Diversas foram as manifestações oficiais de entidades brasileiras acerca da temática, sendo, inclusive, as criptomoedas incluídas na balança comercial do país, conforme nota à imprensa publicada pelo Banco Central em agosto de 2019.
Frente ao exposto, conclui-se que a natureza jurídica das moedas virtuais no Brasil encontra-se em constante mutação, visto que, muito embora uma corrente classifique-as como ativo financeiro, há quem lhes atribua a natureza de moeda, observadas as seguintes propriedades: divisibilidade, fungibilidade, durabilidade, reserva de valor e meio de troca.
É certo que a aceitação da natureza de moeda propriamente dita requer uma análise muito mais densa, carecendo, entre outros fatores, do exame de uma teoria monetária, bem como da interpretação de dispositivos legais. No entanto, o intuito do presente artigo é meramente expositivo, não visando, portanto, definir a natureza jurídica das moedas virtuais, e sim, elucidar as interpretações já existentes.
Nesse sentido, considerando a atual aprovação do PL 2303/15, pela Câmara dos Deputados, bem como a possível confirmação pelo Senado Federal, torna-se patente a hipótese de que as moedas virtuais sejam incluídas na definição de “arranjos de pagamento”, como retrata a ementa do referido projeto de Lei.
Dessa forma, no cenário atual, faz-se necessário aceitar a existência de diversas classificações para fins de determinação da natureza jurídica do Bitcoin, sob pena de incorrer em injusta restrição na análise proposta, uma vez que somente o tempo e a observação poderão determinar a essência de um conceito sobremaneira inovador, como é o caso das moedas virtuais.
1 Documento oficial que aprofunda determinado assunto, trazendo seus problemas, causas e, principalmente, sua solução (HUBSPOT, 2018).