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A legalidade “tributária” da contratação de pessoas jurídicas por hospitais

Existia no passado o entendimento, do qual discordamos, de que era ilícita a contratação de pessoas jurídicas para o desempenho de atividades fins e, em regra, lícita para a execução de atividades meio.

16/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Não é nova a discussão quanto à possibilidade da denominada “pejotização”, consistente na terceirização das operações de uma empresa, sejam elas atividades fins ou meio.

Existia no passado o entendimento, do qual discordamos, de que era ilícita a contratação de pessoas jurídicas para o desempenho de atividades fins e, em regra, lícita para a execução de atividades meio. No caso de um hospital, por exemplo, seria permitida a contratação de uma empresa para gerir a segurança e vedada a de pessoas jurídicas para gerenciar uma UTI.

Ocorre que no julgamento da ADPF 324, o STF declarou constitucional a terceirização, tanto das atividades meio, bem como das atividades fins. No mesmo sentido é a decisão proferida pelo pretório excelso no tema 725: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.

No agravo na RCL 47.483, interposto numa demanda envolvendo uma organização social responsável pela gestão de hospitais e unidades de pronto atendimento, o STF assentou que a atuação do Ministério Público do Trabalho somente se justifica se estiver nítido o interesse de se camuflar uma relação de emprego.

Nesse contexto, surgem questionamentos com relação a algumas autuações efetuadas pela Receita Federal do Brasil quanto ao exercício da atividade médica. Em razão da complexidade de um hospital, incluindo a necessidade de atendimento ininterrupto de urgência e emergência nas mais variadas especialidades, diversos estabelecimentos privados têm se utilizado da terceirização das atividades fins para fazer frente às suas demandas.

É comum, por exemplo, hospitais e clínicas particulares contratarem pessoas jurídicas para a gestão de unidades específicas, como o atendimento das urgências e emergências, das Unidades de Terapia Intensiva, da Radiologia, da Urologia, dentre outras.

No entanto, a Receita Federal do Brasil possui o entendimento de que o médico e a pessoa jurídica terceirizados são, em verdade, empregados do hospital terceirizante, atuando tanto no estabelecimento contratante, bem como no contratado.

Essa interpretação, contudo, encontra-se em desconformidade com o atual entendimento do STF que permite a terceirização das atividades fins.

Além disso, no caso de uma autuação é preciso se buscar a verdade material e, assim, faz-se necessária a comprovação de que a relação entre hospital e as empresas contratadas possui a finalidade única de reduzir a carga tributária.

A complexidade de um hospital possibilita a adoção de uma estruturação que melhor atenda aos interesses dos contribuintes, a exemplo da liberdade para optar por diversas modalidades para a contratação e formação da equipe médica, baseadas em critérios como desempenho, efetividade e especialidade, buscando a boa qualidade dos serviços e a segurança dos pacientes, sob pena de se atentar contra a livre iniciativa e todos os princípios da ordem econômica.

O corpo clínico de um hospital poderá ser organizado como fechado, aberto ou misto, permitindo essas últimas duas formas a atuação de profissionais de fora da casa de saúde nas suas instalações, seja por meio de pessoas físicas ou jurídicas.

É por essa razão que médicos, mesmo não como sócios ou empregados, podem atender seus pacientes em diversos hospitais sem que com eles mantenham qualquer relação de subordinação.

A exigência de crédito tributário decorrente da terceirização de serviços médicos entre empresas privadas, por sua vez, depende necessariamente da comprovação da existência de subordinação, nos termos do art. 3º da CLT.

Tal prova deve ser robusta e inquestionável, demonstrando a subordinação hierárquica, horários individuais e a dependência técnica, dentre outros elementos. Uma relação contratual, entre pessoas jurídicas, com estabelecimento de atendimento, horários e a necessidade de disponibilização de profissionais, sejam eles quais forem, desde que qualificados, não enseja relação de trabalho e subordinação, representando uma relação típica de direito privado.

Ademais, em termos técnicos e até mesmo econômicos, não é possível sustentar que os médicos são hipossuficientes, derrubando-se o argumento meramente presuntivo com relação a se considerar a existência de subordinação num contrato firmado entre pessoas jurídicas de direito privado.

Em síntese, num país com sérios problemas de acesso à saúde, criar embaraços para o exercício profissional representa ofensa ao princípio da livre iniciativa, caracterizando-se como lícita a contratação de pessoas jurídicas para gerir hospitais, com fundamento na jurisprudência do STF que permite a terceirização de qualquer tipo de atividade.  

Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira
Procurador do Estado de São Paulo. Doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC/SP. Professor do Programa de Doutorado e Mestrado em Direito da UNAERP. Professor convidado de cursos de pós-graduação (PUC-COGEAE, Faculdade Baiana de Direito, IDP-SP, Escola Paulista da Magistratura, EDAMP-MS, ESPGE-SP e USP-FDRP). Membro de listas de árbitros de diversas Instituições Arbitrais. Membro da Comissão Especial de Arbitragem do Conselho Federal da OAB.

João Henrique Gonçalves Domingos
Mestrando em Direitos Coletivos e Cidadania pela Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP. Presidente da Comissão de Arbitragem da 12ª Subseção da OAB/Ribeirão Preto. Professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Advogado.

Carlos Eduardo Montes Netto
Doutor e mestre em Direitos Coletivos e da Cidadania pela UNAERP, Ribeirão Preto-SP (Brasil). Professor de cursos de graduação e pós-graduação. Juiz de Direito do Estado de São Paulo.

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