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O direito societário e o novo Código Civil

As alterações introduzidas no direito societário pelo novo Código Civil propiciaram muito mais que uma regulamentação específica de questões primordiais relativas a responsabilidade dos sócios, a administração e ao controle fiscal das sociedades.

9/2/2004

O Direito Societário e o novo Código Civil

 

As repercussões concretas da primazia da continuidade da sociedade

 

Mariana Matos de Oliveira*

 

As alterações introduzidas no direito societário pelo novo Código Civil propiciaram muito mais que uma regulamentação específica de questões primordiais relativas a responsabilidade dos sócios, a administração e ao controle fiscal das sociedades.

 

Na verdade, as disposições consolidadas no novo Código Civil sedimentaram o princípio da primazia da continuidade da sociedade mesmo diante da saída de um dos sócios e, por conta disso, fortaleceram a necessidade do planejamento sucessório e da especificação de regras para os demais casos de alteração da composição societária.

 

A prioridade atribuída à continuação das atividades da sociedade em prol do desligamento de um dos sócios pode ser exemplificada pelas hipóteses contempladas nos artigos 1.030 e 1.033 do novo Código Civil:

- a falência de qualquer dos sócios não resulta na extinção da sociedade, limitados os seus efeitos a exclusão do falido (artigo 1.030, parágrafo único);

- a morte de um dos sócios também não provoca a extinção da sociedade, ainda que constituída de apenas 2 (dois) sócios, desde que recomposta a pluralidade no prazo de 180 (cento e oitenta) dias previsto no artigo 1.033, inciso IV;

- a intenção de dissolução externada por um único sócio e contrária à deliberação da maioria não resulta na extinção da sociedade, mas tão-somente no direito de retirada daquele, a teor do artigo 1.033, inciso III;

- a conduta do sócio que estiver prejudicando os interesses da sociedade não conduzirá a extinção desta, mas sim a possibilidade de exclusão do sócio por justa causa, na forma prevista no contrato ou estatuto social;

Se o novo Código Civil prioriza a continuidade da sociedade em prol de eventos que ocasionem a saída de alguns dos sócios, evidente que o planejamento sucessório é imprescindível, devendo constar do contrato ou estatuto social.

 

Por força de alteração do contrato ou estatuto social, o planejamento sucessório disporá sobre a preparação dos substitutos dos sócios gestores e sobre as regras específicas relativas a ingerência dos herdeiros dos falecidos na administração da sociedade.

 

O planejamento sucessório como forma de preparação dos sucessores dos sócios gestores pode ser implementado com medidas preparatórias de relativa simplicidade, mas que podem representar a diferença entre a continuidade da gestão e o futuro insucesso da nova administração empresarial.

 

Exemplificando-se, o planejamento sucessório poderá resultar na alteração do contrato ou estatuto social para a criação de um Conselho Consultivo, composto por sócios gestores que atinjam determinada idade. Implementada a condição estabelecida, o sócio gestor é afastado da administração, mas continua investido no Conselho Consultivo, acompanhando de perto as ações dos novos administradores.

 

Evidente que não bastará a criação do Conselho Consultivo para propiciar uma sucessão administrativa tranqüila, pois será necessária a preparação dos novos administradores, preferencialmente através de programas de avaliação implantados por profissionais especializados na formação de gestores.

 

Observe-se que o próprio planejamento sucessório iniciado com a preparação da substituição gradual dos sócios administradores tornará menos árdua a regulamentação da possibilidade ou não dos herdeiros necessários ocuparem funções de confiança e cargos com potencialidade de decisão administrativa dos futuros rumos da empresa.

 

Hodiernamente, nem todos os administradores precisam ser sócios, de forma que a transferência dos sócios gestores para o Conselho Consultivo poderá ensejar a indicação de terceiros estranhos à sociedade para a assunção de cargos de alta gestão por critérios unicamente técnicos e sempre com a averbação da escolha no contrato ou estatuto social.

 

Assim é que, em relação a uma sociedade preponderantemente familiar, a criação de um Conselho Consultivo integrado pelos sócios gestores possibilitará a justificação da eventual exclusão de alguns ou de todos os herdeiros necessários da ocupação de cargos de confiança ou de alta gestão na sucessão por morte, pois os critérios estritamente objetivos utilizados para tal decisão serão compartilhados com os próprios herdeiros de forma transparente durante o processo de gestão supervisionada.

 

Por outro lado, a primazia da continuidade da sociedade também exige a regulamentação da retirada, da exclusão ou do ingresso de novos sócios através de cláusulas acidentais incluídas no contrato ou estatuto social.

 

Tais cláusulas acidentais, assim denominadas por não serem obrigatórias, destinam-se a estabelecer todas as regras necessárias a uma perfeita previsão dos efeitos resultantes da retirada ou exclusão de sócio, evitando-se assim demandas judiciais que podem comprometer a continuidade da sociedade de forma irremediável.

 

Exemplos de tais cláusulas são as que estabelecem a forma de apuração e pagamento dos haveres do sócio retirante ou excluído quando da dissolução parcial da sociedade; a maneira pela qual dar-se-á a restituição aos herdeiros do capital correspondente as quotas ou ações do sócio falecido; os motivos que poderão ensejar a exclusão por justa causa e as conseqüências financeiras na restituição de quotas ou ações ao sócio justificadamente excluído.

 

A redação do artigo 1.031 do Novo Código Civil muito bem elucida a necessidade de adequação dos contratos ou estatutos sociais para passarem a conter regras específicas quanto a forma de apuração e pagamento de haveres:

“Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor de sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

 

§ 1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.

 

§ 2º A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.”

(grifos e destaques aditados)

A regra acima transcrita não deixa margem à dúvida de que a adequação das sociedades as alterações introduzidas pelo Novo Código Civil tem de passar, necessariamente, por uma reformulação do contrato ou estatuto social que contemple, por exemplo, a forma de apuração do valor da quota realizada e o prazo de pagamento ao sócio retirante.

 

Em prol da primazia do princípio da continuidade da sociedade, o contrato ou estatuto social pode ser alterado para estabelecer que a aferição do valor da quota efetivamente realizada pelo sócio retirante seja procedida por critério de avaliação que contemple os ativos corpóreos e incorpóreos da empresa em detrimento dos dados contidos nos balanços patrimoniais e que o pagamento destes haveres seja realizado em prazo superior a 90 (noventa) dias, inclusive com a possibilidade de quitação em prestações mensais e sucessivas diluídas no tempo, observando-se sempre a vedação contida no artigo 1.008 do novo Código Civil.

 

De igual modo, os artigos 1.010, 1.011 e 1.085 do novo Código Civil deixam clara a possibilidade do contrato ou estatuto social dispor das conseqüências financeiras imputadas ao sócio excluído por justa causa, na medida da compensação das quotas porventura realizadas com a indenização pelos danos causados à sociedade.

 

Ainda são exemplos de cláusulas acidentais as que estabelecem a previsão das condições de ingresso de novos sócios, inclusive estabelecendo, nas sociedades limitadas, a possibilidade ou não do sócio existente ceder suas cotas, total ou parcial, a um terceiro estranho à sociedade.

 

Assim sendo, a continuidade da sociedade e a regularidade da sua gestão dependerão diretamente da previsão de regras específicas para as hipóteses de retirada, exclusão ou ingresso de novos sócios, porquanto tais providências evitarão eventuais litígios nas dissoluções societárias parciais.

 

Conclui-se, então, que muito além da consolidação e/ou ampliação das regras já existentes sobre a responsabilidade dos sócios e a administração da sociedade, as alterações introduzidas pelo Novo Código Civil concretizam a aquisição de uma personalidade jurídica própria pela empresa, dissociada da dos seus sócios, ao cogitarem de preservar, sempre que possível, a continuidade daquela, ainda que com modificação da composição societária.

 

Por tais razões, a adequação das sociedades às regras introduzidas ou consolidadas pelo Novo Código Civil passa, necessariamente, pela reformulação dos contratos ou estatutos sociais para a implementação do planejamento sucessório e para a estipulação de regras específicas para as hipóteses de retirada, exclusão ou ingresso de novos sócios.

 

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*Advogada do escritório Oliveira e Leite Advogados Associados S/C.

 

 

 

 

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