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As criptomoedas fruto de crime podem ser bloqueadas?

É certo que os problemas atinentes ao procedimento de bloqueio de criptomoedas precisam ser enfrentados, sendo certo também que a ausência quase absoluta de regulamentação do uso destes ativos financeiros digitais também influencia.

10/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Pode-se afirmar que as criptomoedas são uma consequência natural do avanço das tecnologias utilizadas para aperfeiçoar as operações financeiras e, portanto, são representantes do progresso necessário para que haja o fortalecimento dos meios digitais de negociação monetária, a fim de se esquivar dos obstáculos contidos no mercado financeiro comum, tais como a inflação da e as elevadas taxas bancárias.

Entretanto, neste mesmo contexto otimista que se apresenta, também surgem diversos incômodos para as empresas e pessoas que utilizam criptoativos rotineiramente.

Dentre eles está, exatamente, a impossibilidade de se rastrear eficazmente os ativos negociados pois, apesar das negociações estarem disponíveis em um grande bloco público (block-chain), não é possível verificar os destinatários e remetentes dos montantes.

E isto leva a outro problema que precisa ser enfrentado: caso os valores negociados via block-chain com criptoativos – ou até mesmo NFTs, outra espécie de ativos negociados por meio desta tecnologia – sejam produto de crime, como o Estado poderá alcançar esse capital para garantir eventual ressarcimento, ou até mesmo para resguardar a própria integridade do sistema financeiro nacional haja vista que, em algum momento, estes ativos sujos irão voltar à circulação no mercado formal.

Na sistemática do Código de Processo Penal Brasileiro, o sequestro de valores – ou bloqueio, na linguagem popular – pode ser determinado pelo Juiz competente, após requerimento do Ministério Público ou da autoridade policial, devendo recair sobre os ativos que sejam (alegadamente) fruto de infração penal.

É a situação, por exemplo, dos valores auferidos por um agente que praticou o crime de estelionato e obteve certa quantia a qual é, portanto, maculada, por ser lucro de uma prática criminosa.

Nesta linha, esta quantia poderia sofrer restrições mediante bloqueio judicial, no qual o magistrado envia ofícios à instituições bancárias ordenando que estas indisponibilizem os valores custodiados em seus cofres.

Todavia, este tramite é ineficiente quando os valores que são decorrentes de atividades ilícitas estão convertidos em criptomoedas. Seria o caso, à guisa de exemplo, de esquema de pirâmide financeira com o uso de criptoativos em que as moedas digitais foram adquiridas com dinheiro fruto do esquema fraudulento e, deste modo, são também maculadas.

Neste cenário, a autoridade judiciária encontraria dificuldades para efetivar o bloqueio das criptomoedas, pois uma de suas características é a de que estão afastadas da tutela estatal, visto que não são custodiadas em instituições financeiras como bancos ou corretoras.

A única exceção em que seria possível aplicar o trâmite legal para o efetivo bloqueio dos valores seria a situação em que os ativos digitais estão custodiados nas contas de uma exchange – espécie de instituição que faz a intermediação das operações via block-chain – que se subordine à ordem da autoridade judicial, dando cumprimento ao bloqueio.

Todavia, para isto, é preciso que as moedas estejam em poder da exchange, bem como as chaves privadas para a sua negociação, o que não é uma realidade na maioria das vezes.

Ademais, é importante que se diga que grande parte das movimentações criminosas com criptomoedas não utilizam empresas intermediárias para que se efetivem, sendo realizadas por operações peer-to-peer (par-a-par, do inglês) diretamente de um usuário a outro e, desta maneira, estão absolutamente distantes de qualquer ordem judicial de bloqueio.

Em conclusão, é certo que os problemas atinentes ao procedimento de bloqueio de criptomoedas precisam ser enfrentados, sendo certo também que a ausência quase absoluta de regulamentação do uso destes ativos financeiros digitais também influencia, em muito, para estas e outras dificuldades rotineiras na utilização das moedas digitais.

Apesar disto, há que se admitir que as tecnologias estabelecidas para a operacionalização de criptoativos não admitem a efetivação de medidas judiciais restritivas, de forma que é necessário que se busque outros meios de combate às práticas criminosas perpetradas neste contexto digital.

Leonardo Tajaribe Jr.
Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM). E-mail: leonardotajaribeadv@outlook.com

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