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A reforma do Código de Processo Civil, a penhora online e a execução fiscal – contrapontos entre a Lei 11.382/06, a Lei 6.830/80 e o art. 185-A do CTN

A execução delineada no CPC foi novamente alterada pela Lei 11.382/06. O novo sistema, que entrou em vigor em 21-01-2007, estabelece regras que permitem a efetiva implementação de créditos, beneficiando consumidores e demais partes hipossuficientes que, no sistema antigo, conforme se convencionou expressar em tom jocoso, “ganhavam mas não levavam”.

13/3/2007


A reforma do Código de Processo Civil, a penhora online e a execução fiscal – contrapontos entre a lei 11.382/06, a lei 6.830/80 e o art. 185-A do CTN

Marco Paulo Denucci Di Spirito*

A execução delineada no CPC (clique aqui) foi novamente alterada pela Lei 11.382/06 (clique aqui).

O novo sistema, que entrou em vigor em 21-01-2007, estabelece regras que permitem a efetiva implementação de créditos, beneficiando consumidores e demais partes hipossuficientes que, no sistema antigo, conforme se convencionou expressar em tom jocoso, “ganhavam, mas não levavam”.

O Código de Processo Civil, neste particular, equipara a nação aos países sérios e comprometidos com a efetividade dos direitos, em concretização ao comando do art. 5º, LXVIII da CF/88 (clique aqui), inserido pela Emenda Constitucional nº 45/2004 (clique aqui), e que consiste num dos pilares do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva1.

A reforma beneficia, igualmente, a Fazenda Pública, que agora conta com instrumentos executivos céleres. Se regularmente aplicado, o CPC terá o condão de resolver, em tempo razoável, inúmeras ações de execução fiscal que superlotam o Poder Judiciário.

Talvez receando essa almejada eficiência, levantam-se vozes contrárias à aplicação dos instrumentos criados pela Lei 11.382/06 à execução fiscal estabelecida pela Lei 6.830/80 (clique aqui).

Sem pretender esgotar o tema, prestamo-nos a apreciar três argumentos apresentados pela corrente que repudia o novo sistema executivo aplicado à execução fiscal, mais especificamente sobre a possibilidade de penhora preferencial em dinheiro via online, quais sejam:

a) a Lei 6.830/80, sendo lei especial, afasta completamente o sistema instituído pela Lei 11.382/06;

b) o art. 185-A do CTN (clique aqui), em razão de sua natureza de lei complementar, seria hierarquicamente superior aos instrumentos criados pela Lei 11.382/06;

c) o art. 185-A do CTN, mesmo que consistisse em lei complementar no sentido unicamente formal, e não material, afastaria o regime da Lei 11.382/06, pois o CTN seria lei especial em face do CPC.

Esse é o objeto do breve estudo.

- A Lei 11.382/06 e o art. 1º, in fine, da Lei 6.830/80 – relação de complementaridade

Cumpre, inicialmente, explicar que a Lei 6.830/80 não afasta a aplicação do novo sistema de execução instaurado pela Lei 11.382/06.

Consta expressamente no art. 1º da Lei de Execução Fiscal que o CPC se lhe aplica subsidiariamente:

“Art. 1º - A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.”

Assim, entre o sistema do CPC e o da Lei de Execução Fiscal há uma relação de complementaridade, e não de especialidade excludente.

Especificamente sobre a prevalência da penhora em dinheiro, a Lei 6.830/80 não estabelece regime diverso do CPC. Muito pelo contrário.

Consta expressamente em seu art. 11, I:

Art. 11 - A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem:

I - dinheiro;

Não há qualquer antinomia deste dispositivo em contraponto com o art. 655 (clique aqui), I do CPC, cuja redação foi alterada pela Lei 11.382/06:

Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;

No mesmo sentido é o art. 10 da Lei 6.830/80, segundo o qual “a penhora poderá recair em qualquer bem do executado”.

Não há nenhum dispositivo na Lei 6.830/80 que afaste o meio de penhora de dinheiro estabelecido no art. 655-A, recentemente incluído pela Lei 11.382/06. Em outra dicção, não existe norma na Lei de Execução Fiscal que afaste a específica complementaridade proporcionada pela penhora online permitida no art. 655-A do CPC.

Ao contrário! Tal possibilidade, ainda que de forma pouco eficiente, já se encontrava esboçada no art. 185-A do CTN, sem que ninguém tivesse argumentado pela incompatibilidade deste dispositivo com o sistema da execução fiscal.

- A Lei 11.382/06 e o art. 185-A do CTN. A distinção entre lei complementar em sentido formal e lei complementar em sentido material. A distinção entre o sistema de hierarquia da lei complementar e o sistema de reserva de lei complementar. A posição pacífica do STF

E não se objete que o novo sistema fixado pelo CPC à execução seria afastado pelo art. 185-A do Código Tributário Nacional, em razão deste consistir em lei complementar de “hierarquia superior”.

Segundo os que pretendem afastar a aplicação, integral ou parcialmente, da Lei 11.382/06 à execução fiscal, o art. 185-A do CTN seria prejudicial à penhora imediata de dinheiro via online, uma vez que este dispositivo ordena a necessária precedência de busca por “bens penhoráveis”.

É verdade que o art. 185-A do CTN trata exclusivamente da indisponibilidade dos bens que serão futuramente expropriados, e não da penhora <_st13a_personname w:st="on" productid="em si. Todavia">em si. Todavia, defendem alguns que se até para a simples determinação de indisponibilidade de numerário em conta-corrente, via online, seria necessária a precedência de busca por outros bens penhoráveis, com maior razão deveria tal busca ser providenciada antes da penhora, posto tratar-se de medida ainda mais restritiva.

Em que pese o arguto apontamento, ele parte da falsa premissa de que o art. 185-A do CTN goza das prerrogativas que tocam às leis complementares.

Como cediço, a Constituição vinculou o tratamento de certas matérias à lei complementar. Esta é a chamada reserva de lei complementar. Daí afirmar Pedro Lenza: “Sempre que o constituinte originário quiser que determinada matéria seja regulamentada por lei complementar, expressamente, assim o requererá.”2

A delegação de matérias a leis complementares significa que somente por este veículo normativo tais questões poderão ser não só estabelecidas, mas também alteradas.

Sobre as matérias que não foram constitucionalmente vinculadas à lei complementar, essas podem ser plenamente tratadas por leis ordinárias.

Existe, portanto, a diferença de lei complementar em sentido formal e lei complementar em sentido material.

Assim, determinada norma pode ter sido aprovada por meio do processo legislativo previsto à lei complementar, e até receber este rótulo. Trata-se, estritamente nesse caso, de lei complementar em sentido formal.

Todavia, se essa mesma norma não tratar de matéria que a Constituição reservou ao processo legislativo mais rígido, não conformará lei complementar em sentido material.

Quando a norma é lei complementar em sentido unicamente formal, ou seja, não guarda nenhuma relação de pertinência com matérias reservadas constitucionalmente à lei complementar, ela definitivamente não recebe uma redoma protetora contra alterações futuras a serem realizadas por leis ordinárias. No ordenamento pátrio não é possível proteger o tratamento de determinada matéria contra alterações por leis ordinárias pela simples aprovação da norma via processo legislativo destinado à lei complementar, a não ser nas hipóteses em que a Constituição criou expressamente essa reserva.

Se assim fosse, muitas matérias típicas de leis ordinárias seriam tratadas por meio de lei complementar, exatamente para assegurar privilégios, proteção diante de alterações que se entendam necessárias futuramente. Todavia, a Constituição assegurou o livre tratamento dessas matérias por meio de lei ordinária.

Imagine-se, por exemplo, se o Código de Defesa do Consumidor (clique aqui) tivesse sido aprovado pelo procedimento formal da lei complementar. Isso significaria, segundo a tese sob foco, engessar a matéria contida no CDC e proteger, inconstitucionalmente, o tratamento do mesmo tema ou temas intercalares por meio de leis ordinárias.

Este é o posicionamento pacífico do STF. Vale citar, à guisa de exemplo, o mais recente precedente consignado no RE 419629/DF (clique aqui) , no qual o Excelso Tribunal explicou que a norma veiculada por lei complementar puramente formal não assegura privilégios em face da lei ordinária posterior e alteradora. Nesse recurso, restou esclarecido que se uma matéria tipicamente da alçada de lei ordinária é equivocadamente inserida em lei complementar, não cabe falar em hierarquia desta sobre leis ordinárias editadas posteriormente e que tratam do mesmo assunto, porquanto a Constituição adotou o sistema de reserva por matérias, e não o de privilégios em razão do processo legislativo observado. Do acórdão referido extraem-se os seguintes trechos:

“EMENTA: I. Recurso extraordinário e recurso especial: interposição simultânea: inocorrência, na espécie, de perda de objeto ou do interesse recursal do recurso extraordinário da entidade sindical: apesar de favorável a decisão do Superior Tribunal de Justiça no recurso especial, não transitou em julgado e é objeto de RE da parte contrária. II. Recurso extraordinário contra acórdão do STJ em recurso especial: hipótese de cabimento, por usurpação da competência do Supremo Tribunal para o deslinde da questão.C. Pr. Civil, art. 543, § 2º. Precedente: AI 145.589-AgR (clique aqui) , Pertence, RTJ 153/684. 1. No caso, a questão constitucional - definir se a matéria era reservada à lei complementar ou poderia ser versada em lei ordinária - é prejudicial da decisão do recurso especial, e, portanto, deveria o STJ ter observado o disposto no art. 543, § 2º, do C. Pr. Civil. 2. Em conseqüência, dá-se provimento ao RE da União para anular o acórdão do STJ (clique aqui) por usurpação da competência do Supremo Tribunal e determinar que outro seja proferido, adstrito às questões infraconstitucionais acaso aventadas, bem como, com base no art. 543, § 2º, do C.Pr.Civil, negar provimento ao RE do SESCON-DF contra o acórdão do TRF/1ª Região, em razão da jurisprudência do Supremo Tribunal sobre a questão constitucional de mérito. III. PIS/COFINS: revogação pela L. 9.430/96 (clique aqui) da isenção concedida às sociedades civis de profissão pela LC 70/91.(clique aqui) <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="1. A">1. A norma revogada - embora inserida formalmente em lei complementar - concedia isenção de tributo federal e, portanto, submetia-se à disposição de lei federal ordinária, que outra lei ordinária da União, validamente, poderia revogar, como efetivamente revogou. 2. Não há violação do princípio da hierarquia das leis - rectius, da reserva constitucional de lei complementar - cujo respeito exige seja observado o âmbito material reservado pela Constituição às leis complementares. 3. Nesse sentido, a jurisprudência sedimentada do Tribunal, na trilha da decisão da ADC 1 (clique aqui), 01.12.93, Moreira Alves, RTJ 156/721, e também pacificada na doutrina.

(...)

RE, a, da entidade sindical contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1a Região que julgou legítima a revogação pela Lei 9.430/96 da isenção concedida às sociedades civis de profissão pela Lei Complementar 70/91(clique aqui), uma vez que esta, formalmente complementar, é, materialmente, lei ordinária, no tocante à criação e disciplina da contribuição social prevista no art. 195, I, da Constituição.

(...)

Ao deferir liminar na AC 346 (clique aqui) afirmei que ‘o conflito entre lei complementar e lei ordinária não há de solver-se pelo princípio da hierarquia, mas sim em função de a matéria estar ou não reservada ao processo de legislação complementar’.

(...)

Este, o caso vertente, relativo a norma que – embora inserida formalmente em lei complementar – concedia isenção de tributo federal e, portanto, submetia-se a regime de leis federais ordinárias, que outra lei ordinária da União, validamente, poderia ter revogado, como efetivamente revogou.

(...)

A lição vem desde a obra pioneira do saudoso Geraldo Ataliba (1). [nota de rodapé] - Geraldo Ataliba: Lei Complementar na Constituição, ed. RT, 1971, p. 36 ‘A lei ordinária pode perfeitamente dispor sobre qualquer matéria não reservada à lei complementar, inclusive derrogando a espécie normativa, neste campo.

É que a lei complementar, fora de seu campo específico — que é aquele expressamente estabelecido pelo constituinte — nada mais é do que lei ordinária. A natureza das normas jurídicas — em sistemas positivos como o nosso, objeto de quase exaustivo tratamento constitucional — é dada conjuntamente pela forma (no caso, de elaboração) e pelo conteúdo. Este sem aquela não configura a entidade, da mesma maneira que aquela sem este. Só há lei complementar válida e eficaz, quando concorrem os dois elementos citados para configurá-la.

Faltando qualquer deles, não se tem a espécie. Na ausência da forma, não há lei complementar, nem nada. É nulo o ato. É nenhum.

Na falta de conteúdo o ato é existente, é válido, é norma mas não tem a eficácia própria da espécie: é mera lei ordinária’.

(...)

Efetivamente, se possível fora impedir à lei ordinária a disciplina de certa matéria, porque esta foi objeto de lei complementar, estar-se-ia modificando a

Constituição, na parte em que, ao cuidar do processo legislativo, trata do quorum para deliberação.

Seria o mesmo que exigir quorum qualificado para aprovação de matéria própria de lei ordinária.

Importaria restringir os poderes normais do Congresso, contrariando a Constituição’.”(STF, RE 419629/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30-06-2006, p. 16)

Portanto, o art. 185-A do CTN não prepondera sobre a nova ordem de preferência de penhora determinada no art. 655, I do CPC, nem sobre o art. 655-A do CPC, estabelecidos pela Lei nº 11.382/06.

Isso porque a matéria posta no art. 185-A do CTN versa sobre detalhes processuais atinentes à execução, e não foi reservada pela Constituição à lei complementar.

Com efeito, o art. 146 da CF/88 reserva à lei complementar somente dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (inciso I); as limitações constitucionais ao poder de tributar (inciso II); normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre (inciso III): a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.

Como visto, nenhuma das reservas constitucionais destacadas versa sobre o procedimento ou instrumentos processuais a serem observados na execução dos débitos que cabem à Fazenda Pública.

O art. 185-A do CTN, pois, não afasta o novo sistema da execução instaurado pela Lei 11.382/06.

Não se argumente, por fim, no sentido de que o CTN é lei especial em face do CPC. Ora, tratam-se ambos de diplomas que se enquadram na classificação lex generalis.

Tratando-se ambos os Códigos de leis gerais, o clássico critério de solução de antinomias “lex posterior generali non derogat speciali” não resolve a questão.

A solução está no critério cronológico “lex posterior derogat legi priori”. Sendo o sistema da Lei 11.382/06 o mais recente, ele revogou o anterior.

Diante do que se demonstrou, a penhora online poderá ser amplamente utilizada, em caráter preferencial, no âmbito da execução fiscal, inclusive com o aproveitamento do já estruturado Bacen Jud.

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1Sobre o tema, vide MARINONI, Luiz Guilherme. A jurisdição no estado contemporâneo. In: MARINONI, Luiz Guilherme (coord.). Estudos de direito processual civil: Homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: RT, 2.005, ps. 13 – 66; MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: RT, 2.006, ps. 89 e ss.; JÚNIOR, Humberto Theodoro. O Processo Civil brasileiro no liminar do novo século. Forense: Rio de Janeiro, 2002, ps. 7 e ss.

2LENZA, Pedro. Direito Constitucional. São Paulo: Método, 2.006, p. 294.

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*Consultor parlamentar contratado e Advogado particular em Belo Horizonte - MG






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