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Pindorama e os nativos originários: a relação do etnocídio, genocídio e às constantes violações a comunidade indígena

Os nativos originários são os verdadeiros herdeiros de Pindorama que após a tomada das navegações exploratórias realizada pelos europeus, este lugar se tornou Brasil. O etnocídio, genocídio e as violações à dignidade da pessoa humana fazem parte desta história sangrenta que possuem responsáveis, mas nunca responsabilizados.

3/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Neste breve estudo, serão abarcados às amplas visões, sejam culturais, histórias, sociais ou normativas. O conteúdo jurídico será expositivo, contendo a denúncia às graves violações à vida dos indígenas cometidas por um Estado que fora construído em base de assassinatos, saques, crueldades.

Ressalta-se que este território possuía uma sociedade de nativos originários, contendo aproximadamente 40 milhões de habitantes, com mais de duas mil etnias diferentes, que viviam em equilíbrio com a natureza e com o nosso planeta. Essa é realidade histórica, não só de Pindorama, mas de todo o continente da América Latina.

Após a chegada dos portugueses a esta terra virgem, os indígenas acolheram os vindos dos mares, cuidando da civilização europeia que acaba de desembocar, lesionados, doentes, que não conheciam as peculiaridades, as perebas e sutilezas daquela natureza viva.

Com isso, após cuidarem e abrigarem os portugueses e demais europeus, os nativos perceberam que a chegada daquela civilização era para exploração não só das terras, mas também a violações de corpos, sejam cometendo estupros às mulheres indígenas, homicídios, saques ou escravizando os que não aceitavam a catequização.

Os portugueses e os espanhóis que mataram os indígenas, assaltaram, exploraram e trouxeram a mão de obra escrava africana, tudo isso a fim do enriquecimento próprio. O que um dia foi de Pindorama, nunca mais voltou, mas enriqueceu toda gama pertencente do Continente Europeu, trazendo consequências gravíssimas para todos estes locais que foram colônias de exploração, não somente o Brasil, mas todos os países da América Latina sofreram e ainda sofrem graves consequências desta barbárie cometida.

As leis publicadas pelo Império do Brasil, como por exemplo, as publicações da Carta Régia, que normatizava a violação de corpos, traduzido pelas leis como “índios bárbaros”, foram uma das fontes para cometerem genocídio, etnocídio e grandes violações à dignidade a vida dos indígenas.

Os nativos foram considerados seres sem alma, sendo reconhecidos como seres humanos a partir de 1537 com a declaração do Papa III. Às Constituições anteriores a 1934 se quer mencionavam direitos à comunidade indígena, sendo que a lei constitucional, do ano mencionado, apenas incluiu aquele povo à comunhão nacional brasileira.

O genocídio viola corpos, o etnocídio viola a essência humana. O que a civilização branca europeia cometeu e ainda comete, nunca foi ao menos responsabilizado. Fato é que os indígenas não possuem nenhum tipo de segurança, seja à vida, às suas terras, como será abordado, o marco temporal, tese que trata sobre a demarcação das terras indígenas, como mais uma violação aos direitos da civilização originária, que está para ser votado no STF.

Os povos indígenas são ancestrais, os verdadeiros donos do Brasil, ofereceram a gentileza e em troca receberam a violência propiciada pela civilização europeia, que permeia até os dias atuais. Os garimpos, às empresas de mineração, o Estado, todos estes institutos são inimigos, não somente da comunidade indígena, mas inimigo da natureza, inimigo da própria sociedade civil. 

A Constituição Federal de 1988 preconiza diversos direitos à comunidade dos nativos, com a atuação do Ailton Krenak, militante indígena que marcou a Assembleia Nacional Constituinte, entrou para a história com o seu discurso acalorado, em memória aos ancestrais, a toda história e cultura do nosso povo originário.

Alguns pontos a serem ressaltados pertencem à esfera de um sistema que não deixa dúvidas, a ganância, a omissão, a negligência e a própria ignorância do que significa ser um povo indígena. Os povos originários possuem o seu jeito de pensar e de viver, condições fundamentais para a sua sobrevivência que jamais colocaram em risco nem ao menos os animais que cercam suas aldeias, muito menos a outros humanos.

No entanto, a balança da justiça não encontrou o equilíbrio para proteção dos direitos dos nativos, mesmo com a Convenção nº 169 da OIT sobre os Povos Indígenas e Tribais e mesmo com a literalidade encontrada na Constituição Federal de 1988 para resguardar os direitos desta comunidade, ainda assim, os indígenas, não possuem nenhum tipo de segurança, seja para a coletividade, para suas aldeias, famílias, culturas, seus próprios lares, a própria natureza.

A Constituição Federal de 1988 preconiza diversos direitos, sejam eles, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, a autodeterminação dos povos, a igualdade de que todos são pariformes perante a lei, os direitos invioláveis são a vida, a igualdade, a segurança, a propriedade, a liberdade, o direito de pleno exercício das diferentes culturas, tendo o Estado o dever de apoiar e incentivar a valorização e a difusão destas manifestações, o patrimônio cultural, sejam os bens de natureza material ou imaterial, as formas de expressão, modos de criar, fazer e viver, etc.

A nossa Carta Magna de 1988 possui ainda um capítulo dedicado aos indígenas, ressaltados nos artigos 231 e 232 da mencionada lei constitucional, pelo qual reconhecem os índios, bem como a sua cultura, costumes, línguas, crenças, tradições, territórios, sendo o usufruto de suas terras, a sua posse permanente, pelo qual perfazem a existência e sobrevivência da comunidade indígena.

No entanto, recentemente, vimos no STF o assunto sobre o marco temporal para demarcações das terras. Essa tese político-jurídica é patética e a suspensão do julgamento a pedido do Min. Alexandre de Moraes demonstra mais uma vez a falta de sensibilidade do Poder Judiciário em assuntos urgentes e delicados.

A tese do projeto de lei (PL) 490/07 sobre o marco temporal preconiza a delimitação, entende-se por expulsão dos povos indígenas às suas terras, para a exploração das riquezas de grandes latifundiários, empresas de mineração e exploração da natureza, com a fundamentação de que aquelas terras não eram dos indígenas, que estes não tinham a posse destes territórios no dia 05 de outubro de 1988, data da promulgação da nossa lei constitucional. 

Esse é o teor do RE-RG 1.017.365 - Recurso Extraordinário com Repercussão Geral pelo que trata o marco temporal – a lide é um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a FUNAI e indígenas do povo Xokleng, envolvendo uma área reivindicada da TI Ibirama-Laklanõ. O território em disputa fora reduzido ao longo do século XX e os indígenas nunca deixaram de reivindicá-lo. A área já foi identificada pelos estudos antropológicos da FUNAI e declarada pelo Ministério da Justiça como parte da sua terra tradicional.

É pérfido e contraditório a ideia de que os indígenas não ocupavam determinadas terras, sendo que os nativos são os verdadeiros donos de todas às terras, antes mesmo da chegada dos europeus e instalação deste sistema. O Estado tomou todas às terras como se fosse detentor da própria natureza, o que colocou toda a sua sociedade em risco.

A comunidade indígena faz o uso das terras com sabedoria, preservando a Mãe Natureza e utilizando a riqueza disposta pela floresta, diferentemente do homem branco, que é ganancioso, viciado em poder, dominação, exploração e que não possui sensibilidade alguma perante a própria natureza.

Um exemplo disso são as barragens de rejeitos que se romperam e que inundaram de lama tóxica as cidades de Mariana e Brumadinho, considerados os maiores desastres ambientais, pelos quais não houve, até a presente data, se quer, algum responsabilizado ou preso.

O Vale do Rio Doce, que dava a subsistência aos povos indígenas, inclusive a comunidade Krenak, foi devastado, morto, pela ganância do homem branco, que apenas pensa em exploração e em ganhar dinheiro, utilizando de maneira inconsciente as riquezas propiciadas pela natureza.

Por mais que este desastre ambiental destruiu tudo, sejam vidas, natureza, ecossistema, como foi dito, não houve nenhum responsabilizado por tal catástrofe. Aliás, as nossas florestas estão sendo aos montantes desmatadas, com financiamento do próprio Governo Federal.

Os nativos originários são a única entidade que denúncia à violação à natureza, no entanto, não possuem qualquer tipo de voz, tendo em vista que são assistidos pela FUNAI, órgão que os representa nas questões comuns.

Importante também salientar que o Estatuto Indígena é de 1973, ou seja, antes mesmo da elaboração da Constituição Federal de 1988 e que até este momento, não temos quaisquer atualizações para as necessidades da comunidade indígena.

Recentemente, a Revolução Periférica, ateou fogo na Estátua de 13 metros do algoz bandeirante “Borba Gato”, em São Paulo, abrindo o debate às próprias referências de homenagem, afinal, se refletirmos, o Palácio dos Bandeirantes é onde encontram-se o núcleo governamental da capital, será que isso não explicaria historicamente a catástrofe social cometida até os dias atuais por aqueles que sempre nos exploravam e nos exploram?

A história para os líderes da Revolução Periférica que atearam fogo na estúpida estatua que homenageia a um homicida, saqueador, estuprador, foi diferente, eles foram responsabilizados e presos, o que demonstra tal sarcasmo de um sistema formado até os dias atuais por quem nos explora, ou seja, os bandeirantes ainda estão entre nós nos escravizando, matando, saqueando e nos encarcerando.

Paulo “Galo”, Danilo Oliveira “Biu” e Géssica D’Paulla, esposa do Galo, que, salienta-se, nem estava no dia do acontecimento e que possui uma filha menor de 12 anos, foram presos preventivamente, o que demonstra a total contradição do Estado, sendo que para os responsáveis da catástrofe ambiental em Mariana e Brumadinho, até hoje ninguém foi preso, mas para aqueles que, atearam fogo numa estátua, pelo qual não ocasionou sequer qualquer lesão à sociedade, estes sim, são jogados em calabouços.

 A reflexão disposta neste artigo demonstra que nós somos um aglomerado dominado pelos bandeirantes, sendo que a violência colonial ainda está presente no nosso dia a dia, atormentando, torturando cruelmente a civilização nativa que somos nós, a sociedade brasileira. 

A nação brasileira foi construída em cima de um cemitério de corpos indígenas e negros, que até os dias atuais, a comunidade nativa não possui qualquer segurança aos seus direitos, o mais importante deles, à própria vida. Por mais expositivo que seja, essa é a realidade que deve ser explícita.

Nossa história foi apagada, destruída, dilacerada e o desconhecimento sobre nós mesmos nos aflige cotidianamente, sem entendermos o que fizemos para recebermos tanta violência de um Estado necrófilo, viciado em riquezas gananciosas, poder, dominação e capital.

O título fajuto concedido ao Estado que vendeu nossas terras e continua nos escravizando, sendo que a natureza sempre nos retribuiu com suas riquezas naturais, aqui, ressalto, riquezas estas que o dinheiro jamais poderá comprar e se não nos conscientizarmos e continuarmos à vender a nossa própria natureza, estaremos mais próximos de nossa própria extinção, pois sem a Mãe Natureza, não somos nada e não teremos nada.

A fabricação da pobreza e a produção da carência são essência de um Estado que comete etnocídio, genocídio e viola não só a vida humana, mas a vida de todo o planeta em si. A falta de sensibilidade do homem branco colocou em risco toda uma gama de ecossistemas, vidas, a mercê do capital.

É o dever das próximas gerações o questionamento à própria história, pois o povo brasileiro precisa conhecer a sua essência antropológica. O reflorestamento, os territórios para preservação e a livre iniciativa de vida dos nativos e da natureza precisam fazer parte das pautas urgentes não somente do Brasil, mas do mundo inteiro.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm

https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/observatorio-parlamentar-da-revisao-periodica-universal-da-onu/noticias/relator-da-onu-pede-que-stf-rejeite-marco-temporal

https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/noticias/onu-expressa-preocupacao-com-projeto-de-lei-que-trata-da-demarcacao-de-terras-indigenas

https://www.migalhas.com.br/depeso/343749/o-marco-temporal-e-a-fixacao-das-terras-indigenas

 

 

Murilo dos Santos Barioni
Advogado. Formado pela Instituição Ibmec/SP. Artigos voltados aos assuntos sociais.

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