Migalhas de Peso

Anotações sobre gestão após 40 anos de serviços

Aos 74 anos, vejo amigos de valor que se dedicaram a ganhar dinheiro e hoje só tem isto, dinheiro. Sua expertise, sabedoria, conhecimento dos negócios, conexões não valem mais nada nas empresas em que empenharam sua vida e de onde tiravam todo seus status.

25/2/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Observando o razoável número de pessoas que pesquisam meu Linkedin considerei que uma das razões possa ser o fato de que minha agência de comunicação tem sobrevivido por mais de quarenta anos! Uma façanha, modéstia à parte, de acordo com as estatísticas e face à nossa estrambótica – ‘so to speak’ – economia. E apesar de que minha formação básica tenha sido o Direito, nunca deixei de comparar os serviços de comunicação com os de uma banca de advocacia, pois me parecem misteres muito similares – arriscaria a dizer, quase iguais na filosofia, na cultura que requerem e na exigência absoluta de compreender as realidades sem os filtros da ideologia, do (aff) ‘politicamente correto’, do ‘que deveria ser’.

Assim, anotei algumas razões, alguns pontos que me guiaram e conduziram até aqui, que, à maneira do ‘Ingenioso Hidalgo’, apresento aos gestores de bancas de advocacia para suas doutas reflexões:

(1) Não ‘precisar’ do cliente, não ter medo de perder o negócio, negociar tudo menos a qualidade que é seu padrão;

(2) Inovar, propor e realizar o que voce percebe que tem a ver com o momento, o tempo, com o ‘zeitgeist’, assumir riscos calculados e se prevenir contra eles eficazmente. Funciona!

(3) Não ter medo de passar a bola para quem está chegando, quem está subindo, quem está amadurecendo. Claro que quem sobe acaba por tomar seu espaço. ‘No problem’, dê o espaço e não faça sombra. Todos ganham com isso. E claro, seguir o que todo mundo já sabe ou deveria saber em relação às equipes: não lhe contratei para lhe dizer o que fazer, e sim para você me dizer o que fazer. O pior chefe, o mais impiedoso, o mais cruel, aquele que vai a fundo é você mesmo, 'ele' está aí dentro! Quem tem chefe assim não precisa de chefe fora, é totalmente dispensável. E, sim, se você errar ajudo a corrigir, e se acertar, puxo os aplausos. Cem por cento só Deus. Fora que do outro lado, do cliente, tem gente como a gente, que acerta, que erra, que fica braba, que cobra, que precisa de relatórios completos - que nunca lerão (...), pois os clientes não entendem exatamente nosso mister, mas entendem muito bem o atendimento, isto sim, é que é o ponto crucial de qualquer serviço, a qualidade, a tranquilidade, a presteza do atendimento. Se você for um bom profissional e ter um ótimo atendimento, aposto que vai durar como nós, o mercado apesar de não parecer é coerente, ninguém rasga dinheiro - ao menos por muito tempo. Esta questão é especialmente efetiva em relação à advocacia, notei ao longo dos vários clientes que tivemos na área que uma das maiores queixas dos clientes dos meus clientes era a fraqueza, a dificuldade, de se ter um atendimento presto, rápido – mesmo que não se tenha a resposta ou a posição ou como responder ao cliente, é imprescindível o rápido retorno, é o que conta e o que vale. Todos entendemos as dificuldades dos processos, mas temos uma grande dificuldade de entender a dificuldade de relacionamento. Recomendo atenção redobrada às bancas neste particular.

(4) Fugir de concorrências - a maioria proposta por gente que mais está preocupada com seu emprego e com preço, do que contratar quem realmente tem a ver com o negócio, de se comprometer com um novo prestador de serviços. Não há como contratar advogados de valor, onde as relações são pessoais e o astral, digamos, entre os profissionais que é parte fundamental do processo, através de uma concorrência! O importante é que os profissionais de ambos os lados tenham empatia, simpatia, confiança instintiva, mútua, isso é o básico, para que os serviços fluam da melhor maneira. Não é uma banca que coleciona prêmios de tudo quando é lugar - quem confia nestes prêmios afinal?-, tem sedes em Dubai e Singapura etc, que vai resolver da melhor forma o que tem que ser feito - embora é claro, nos relatórios internos e nas aparências você contratou a melhor que se candidatou... E - sempre lembrando os detalhes das realidades -, em geral, na concorrência se fala com os chefões; no dia a dia com a estagiária que ficou com sua conta. De novo, uma vez mais, isto tem se mostrado especialmente verdadeiro em relação aos serviços advocatícios.

(5) Poderia ficar aqui discorrendo horas sobre os trabalhos – seja como comunicadores ou como advogados; o labor é a base da sanidade mental, ainda mais se realizado de acordo com sua ética, expertise e valores morais, e mais, acrescento, para quem ama de fato o que faz, não existem conceitos como ‘aposentadoria, retirement’: quem quer se afastar do que nos mantém vivos, felizes, realizados afinal? Mas vou ficar por aqui, acrescentando apenas mais um item, que nada tem a ver com capacidades, inteligência, posições: a sorte! Los Hados, os Fado! Quem poderia dizer que um jovem advogado treinado por gente do quilate de um João Batista de Almeida, um Orlando Giácomo, um Altamiro Boscoli poderia sair-se bem organizando eventos culturais, de Poesia! em plena ditadura? Mas funcionou e da ‘Poesia e Arte’ fomos à ‘Artpresse.com.br’ e nos tempos da comunicação instantânea e viral à ‘140online.com.br’. Só se vive uma vez. Olho para trás e me divirto com as coisas que fizemos, quando não me surpreendo com uma dissertação de mestrado, uma tese de alguem que 'descobriu' o que fizemos há tempos e acha que vale um estudo mais profundo. Ou quando recebo mais uma cartinha, um post, um ‘linkedin’ de uma jovem hoje senior me comunicando que tivemos muito a ver com o sucesso profissional que obteve, demonstrando uma gratidão que vale muito mais que mil premios, galardões, medalhas ou o que seja – e aqui entre nós, me enche de orgulho e me estampa o fato de que de alguma forma podemos fazer nossas vidas valerem a pena para além dos nossos limitados egos...

Aos 74 anos, vejo amigos de valor que se dedicaram a ganhar dinheiro e hoje só tem isto, dinheiro. Sua expertise, sabedoria, conhecimento dos negócios, conexões não valem mais nada nas empresas em que empenharam sua vida e de onde tiravam todo seu status. Hoje, suas vitórias não são suas, suas glórias, das empresas. Sei que somos todos feitos do mesmo pó ao qual voltaremos e que sem a graça de Deus não somos nada, digo porque, por exemplo, quando entramos no Sirio-Libanês se contorcendo de dor temos que anotar que a moça que vai aplicar a dose de morfina salvadora, tomou três ônibus e deixou o filho pequeno na creche. Considerando isso, arrisco a apresentar estas anotações aos colegas advogados, esperando, se possível, comentários e críticas.

Oswaldo Luiz Pepe
Pós-graduado em comunicações na ECA e fundador da agência Art Presse Comunicação Empresarial e da 140online.com.br. ADV Estagiado com João Batista Pereira de Ameida, Orlando Giacomo, Altamiro Boscoli.

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