Migalhas de Peso

Os reflexos da divergência jurisprudencial na aplicação do CDI aos contratos bancários

O corre um imbróglio processual e material, já que o jurisdicionado, além de precisar contar com a diligência do seu patrono, vai necessitar também de sorte, já que existe grave distorção de decisões em sentido diametralmente oposto para casos exatamente iguais.

23/2/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Pouco menos de 1 ano atrás, mais precisamente em 30 de março de 2021, publiquei no Migalhas um texto que denominei: Os empréstimos bancários e o CDI, breve reflexão

Naquele momento, além de me posicionar favoravelmente a indexação dos contratos bancários pelo índice, também externei, de forma suscinta, preocupação quanto ao entendimento jurisprudencial existente entre os tribunais estaduais, em especial o do Estado de São Paulo, e o entendimento que vinha sendo observado no Superior Tribunal de Justiça. 

Na época entendia que os tribunais estaduais, com brevidade, corrigiriam a rota interpretativa, até em respeito aos precedentes superiores. Ledo engano! 

Analisando os julgados do Tribunal Paulista, no espaço de tempo entre a publicação do meu artigo e fevereiro de 2022, foi possível observar que diversos processos sobre o tema foram julgados e, a “contrario sensu”, a imensa maioria defendeu a inviabilidade do uso do indexador, sempre fundamentando na vedação contida na Súmula 176 do STJ, que traz interpretação de nulidade de cláusulas que sujeitam o devedor à taxa de juros divulgada pela ANBID/CETIP, exatamente o que acontece no caso do CDI.

Neste sentido, apenas a título ilustrativo, menciono alguns dos julgados: 1070159-78.2019.8.26.0100; 1005448.06.2015.8.26.0100; 1002661-86.2019.8.26.0286; 1119320-23.2020.8.26.0100; 1006339-51.2020.8.26.0100; 1016587- 94.2020.8.26.0482; 4007193.71.2013.8.26.0477 e 1045940-64.2020.8.26.0100.

Ao mesmo tempo, de forma completamente diversa, o Superior Tribunal Justiça vem firmando orientação favorável ao CDI como indexador de contratos bancários, chamando atenção a precedentes como o Recurso Especial nº 1.951.741 - SP (2021/0238874-9), de Relatoria do Ministro Moura Ribeiro, julgado em 10/08/2021, quando dispôs que interpretação contrária ao CDI “encontra-se em desconformidade com precedentes (...), que tem entendimento no sentido de que não há potestatividade no indexador, porquanto fixado a partir das oscilações presentes nas operações de mercado de troca (...)”. Neste acórdão, ao final, são mencionados outros 2 outros julgados com bastante repercussão na mídia especializada, ambos de lavra do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (REsp 1.781.959-SC e AgInt no AResp 1.645.706-RS).

Todavia, foi no bojo do Recurso Especial nº 1.956.872 - SP (2021/0273700-6), julgado em 1/2/22, de relatoria do ministro Marco Aurélio Bellize, a maior sinalização de que o entendimento estava “pacificado” no C. STJ, quando explicitado na fundamentação do v. acórdão a necessidade de “ reforma do acórdão recorrido e da sentença, pois deve prevalecer a cognição atual desta Corte Superior, em que a matéria foi efetivamente debatida, não se cuidando de mera replicação de julgados outros do STJ.” (g.n.)

Contudo, o atual entendimento do STJ, mesmo pacífico, não traz natureza vinculante e, por assim ser, imaginamos que pela linha de fundamentação dos julgados estaduais, não teremos grandes mudanças no curto prazo, salvo se a matéria vier a ser pacificada formalmente pelo Superior Tribunal ou cancelada a súmula 176. 

Entretanto, diante deste cenário, causa preocupação o fato de que as Presidências dos Tribunais Estaduais, quando da análise de admissibilidade dos Recursos Especiais, neguem seguimento a eles com espeque na Letra “b”, inciso I, do Art. 1.030 do CPC, já que o recurso interposto estaria em desconformidade com entendimento do Superior Tribunal de Justiça exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos, não obstante o posicionamento do STJ hoje seja diverso do que deu causa à súmula 176.

Logo, por consequência, resta àquele que se sente prejudicado, manejar Agravo Interno contra a decisão monocrática das Presidências dos Tribunais Estaduais. Todavia, o Agravo Interno por ser julgado por colegiado de desembargadores do mesmo Tribunal que vem fundamentando a inaplicação do indexador com base na vedação contida na súmula 176, provavelmente o recurso terá seu provimento negado, o que na prática coloca uma pá de cal à discussão. Assim sendo, pelos filtros introduzidos pela lei 13.256/16, que introduziu a letra “b” do inciso I, do Art. 1.030 do CPC, diversos processos poderão ser barrados já em segundo grau de jurisdição, mesmo defendendo interpretação na linha da jurisprudência mansa do C.STJ. Igualmente, por consequência deste mesmo filtro, há evidente risco de nunca se formar massa crítica no Superior Tribunal de Justiça para que, em conjunto com outros processos, ocorra afetação do tema e, por assim ser, uma pacificação formal do assunto, evitando insegurança jurídica que transforma a discussão da matéria numa espécie de loteria, com solução incerta.

Portanto, ocorre um imbróglio processual e material, já que o jurisdicionado, além de precisar contar com a diligência do seu patrono, vai necessitar também de sorte, já que existe grave distorção de decisões em sentido diametralmente oposto para casos exatamente iguais. Assim, nos resta trabalhar para que no âmbito do STJ ocorra o cancelamento da súmula 176, e no âmbito dos Tribunais Estaduais se faz necessário árduo trabalho no sentido de obter a admissibilidade dos recursos especiais.

Lucas de Mello Ribeiro
Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Especializado em Direito Contratual e Relações de Consumo e em Gestão Administrativa de Contencioso de Massa pela Fundação Getúlio Vargas. Pós-graduado em Processo Civil pela PUC/SP. Sócio do escritório Silva Mello Advogados Associados

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