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Comentários sobre a ementa e o caput do art. 1º da nova lei de improbidade administrativa

O artigo trata das alterações da ementa e do caput do art. 1º da lei 8.429/92 advindas da publicação da lei 14.230/21. A nova LIA traz um diferente cenário para os operadores do direito.

21/2/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Introdução

A lei 8.429/92 (lei de Improbidade Administrativa – LIA), considerada um dos principais instrumentos legislativos que disciplinam o tema da “corrupção” no Brasil, sofreu profundas modificações com o advento da publicação da lei 14.230/21.

As alterações foram de tal monta, que seria justo dizer que temos uma nova lei de Improbidade Administrativa em vigor.

No geral, a LIA se tornou mais objetiva textualmente, mais punitiva para os atos de improbidade administrativa mais significativos e mais garantista no trato dos procedimentos, sem, no entanto, inviabilizar a ação dos agentes públicos no exercício natural de suas funções. Além disso, delimitou categoricamente qual é o animus que visa a reprimir: o dolo específico.   

  1. Comentário sobre a nova ementa da LIA

EMENTA

“Dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art. 37 da Constituição Federal; e dá outras providências.”

A nova redação da ementa da lei 8.429/92, que foi alterada pela lei 14.230/21, é clara e insere com maior especificidade, em lógica de sistema, a lei de Improbidade Administrativa (LIA) na ordem constitucional brasileira.

Pois se é no caput do art. 37 da Constituição Federal que podemos ler os princípios elementares da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), pressupostos pelos quais a LIA deve se orientar, uma vez que se trata de diploma de direito administrativo, o § 4º desse dispositivo constitucional trata da improbidade administrativa de uma maneira genérica, dependendo da legislação infra-constitucional para poder operar a proteção da probidade no âmbito público.

O § 4º, do art. 37, da Constituição Federal assim dispõe:

“§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

Se a afirmação inicial da ementa da nova LIA diz que ela dispõe “sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do ast. 37 da Constituição Federal”, também se registra que a LIA, “dá outras providências”, o que expande o âmbito de cobertura legal do diploma.

A nova redação da LIA, em suma, encerra a total disciplina da probidade. Nela encontramos definições de improbidade, caracterização dos agentes públicos, exemplos inúmeros de atos ímprobos, procedimentos administrativos, processos judiciais e ações, legitimidade da ação, critérios de prescrição, além, é claro das penas previstas para os atos de improbidade ali tipificados.

A antiga redação da ementa da LIA assim dispunha:

“Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências”.

A ementa tratava somente do enriquecimento ilícito e, conforme podemos perceber da disciplina legal como um todo, os atos de improbidade vão além do enriquecimento. Era um erro da antiga ementa a circunscrição da LIA apenas ao enriquecimento ilícito, pois, a lei da improbidade não se restringe somente a esses casos. Basta lembrar, por exemplo, que o art. 10 da lei trata dos atos de improbidade que causam prejuízo ao erário e o art. 11, dos atos de improbidade que atentam contra os princípios da administração pública.

O legislador, com a alteração do texto da ementa, foi mais sistemático ao conectar o instrumento ao § 4º do art. 37, da Constituição Federal, mais abrangente, por não se limitar aos casos de enriquecimento ilícito e ser mais organizado pela economia textual.

No entanto, a ementa ainda faz referência a improbidade “administrativa”, conforme podemos ler.

Existe aqui uma certa imprecisão terminológica porque a lei 8.429/92, mesmo com a nova redação, disciplina a improbidade no exercício de toda e qualquer função estatal. A improbidade pode atingir funções políticas, jurisdicionais, legislativas, bem como até o âmbito privado se envolver recursos públicos.

Se a nomenclatura fez escola e já está enraizada no cenário jurídico, o certo é que a LIA pode ser aplicada no desempenho de qualquer função pública. Talvez a expressão “improbidade pública” fosse mais condizente com a abrangência da lei 8.429/1992. De qualquer modo, a nova ementa reitera a expressão consagrada e abrange com a expressão “improbidade administrativa” muito mais situações que a fórmula “enriquecimento ilícito”, como era a antiga redação da lei.

  1. A sistemática de responsabilização por atos de improbidade administrativa (Art. 1º, caput)

“Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta lei”.

O primeiro artigo da LIA, segundo a nova redação, não tem correspondência com o texto anterior.

Assim era o teor do antigo dispositivo:

“Art. 1º Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei”.

A distância entre os dois textos não é apenas questão de nova redação de um mesmo preceito. A mudança é completa pois fica claro que o legislador procurou regulamentar de um modo mais direto o objeto, a função e o objetivo da LIA.

De fato, a expressão “sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa” vem a ressaltar que a LIA não pode ser entendida em fatias, com dispositivos interpretados de forma estanque, mas sim, que deve ser entendida como uma lei orgânica, que opera de maneira sistemática, com todas as suas normas interagindo entre si, de modo a tutelar a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções.

Além disso, esse “sistema de responsabilização” que permeia organização e função do Estado tem um objetivo preciso para os termos dessa lei: “assegurar a integridade do patrimônio público e social”.

Temos, assim, objeto, função e objetivo, logo no art. 1º da LIA: o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa (objeto); a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções (função) e a integridade do patrimônio público e social (objetivo).

Conclusão

A ementa e o art. 1º da LIA, segundo a nova redação dada pela lei 14.230/21, abrem o texto normativo com maior clareza, precisão jurídica e sistematicidade constitucional.

Muitos foram os debates em torno da reforma da lei 8.429/92. Se por um lado essa Lei atingira os objetivos de tutelar a probidade no âmbito público, em momento em que a corrupção era pauta diária dos noticiários, a passagem do tempo e os novos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais traziam a necessidade de uma legislação mais objetiva e condizente com o novo momento do país.

Rodrigo Suzuki Cintra
Bacharel em Filosofia pela USP. Bacharel, Mestre e Doutor em Direito pela USP. Pós-Doutor pela Universidade de Coimbra, Portugal. Professor Titular da UNIP. Sócio do escritório Petrelluzzi & Cintra Jr

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