A lei supra, proíbe eutanásia de cães e gatos na Zoonoses, Canis Públicos e Oficiais Congêneres, alguns estão intitulando como “proibição de eutanásia de cães e gatos saudáveis”, vez que a legislação permite a eutanásia na hipótese de casos males, doenças graves ou enfermidades infectocontagiosas incuráveis que coloquem em risco a saúde humana e a de outros animais, de forma justificada por laudo do responsável técnico pelos órgãos e estabelecimentos supra, precedido quando for o caso, de exame laboratorial, determinando o acesso irrestrito a documentação que comprove a legalidade das eutanásias por entidades de proteção animal, o descumprimento da lei sujeita o infrator às sanções previstas na lei 9.605/98, lei dos crimes ambientais que em seu artigo 32 tipifica como crime maus-tratos/crueldade aos animais.
Destarte, para a efetiva aplicação da legislação supra, é necessário compreendermos o Direito Médico-Veterinário, vejamos:
Primeiramente é preciso compreender que, a eutanásia é ato privativo do médico-veterinário nos termos da lei 5.517/68, que dispõe sobre o exercício da profissão de médico-veterinário e cria os Conselhos Federal e Regionais de Medicina Veterinária, logo, por haver nos os canis públicos, zoonoses e congêneres o exercício da medicina veterinária, os mesmos estão sujeito ao Direito Médico-Veterinário.
O Direito médico-veterinário está consubstanciado no compilado das legislações que traçam as diretrizes profissionais para o exercício da medicina veterinária, estabelecendo ao médico-veterinário direitos e deveres, garantindo o exercício da atividade profissional com independência e autonomia, no melhor de sua capacidade profissional e o máximo de zelo, em respeito as legislações de regência, que inclui as resoluções do órgão de classe, seja, Conselho Federal de Medicina Veterinária e Conselho Regional de Medicina Veterinária.
Salienta-se que o Direito Médico-Veterinário destaca como dever do profissional médico-veterinário e/ou zootecnista a promoção do bem-estar dos animais, dos indivíduos e da sua família, não só para aquele que exerce a medicina veterinária e/ou a zootecnia de forma privada, mas também para aquele que exerce a medicina veterinária e/ou a zootecnia nos canis públicos, zoonoses e congêneres.
E talvez aí esteja uma das maiores omissões da Administração Pública, a regulamentação dos canis públicos, zoonoses e congêneres junto ao órgão de classe, vez que a legislação de regência determina como necessário para o exercício da medicina veterinária e da zootecnia no local, estar o mesmo registrado no órgão de classe na localidade (Conselho Regional de Medicina Veterinária), bem como, ter no local pelo menos um médico-veterinário e/ou zootecnista com anotação de responsabilidade técnica, o considerado responsável técnico, nos termos da lei.
A obrigação supra, visa resguardar o bem-estar animal dentro dos canis públicos, zoonoses e congêneres, a fim de evitar sofrimento desnecessário aos animais, dentre eles que as eutanásias sejam realizadas seguindo os protocolos da medicina veterinária e na estrita necessidade, em que os animais estejam realmente acometidos por casos males, doenças graves ou enfermidades infectocontagiosas incuráveis que coloquem em risco a saúde humana e a de outros animais.
Nessa perspectiva importante salientar, que nos termos da lei 14.228/21 § 1º artigo 2º, a necessidade de RT nos canis públicos, zoonoses e congêneres é expressa, afinal, determina que, as eutanásias deverão ser de forma justificada por laudo do responsável técnico pelos órgãos e estabelecimentos supra, precedido quando for o caso, de exame laboratorial.
Pois bem, a lei é clara e expressa sobre a necessidade de laudo por responsável técnico, a fim de realizar eutanásia em casos necessários, e nos termos da resolução 1321/2020 do Conselho Federal de Medicina Veterinária, em seu artigo 2º inciso XII, o Responsável Técnico è:
Segundo o artigo 2º inciso XII da Resolução 1.321/2020 do CFMV responsável técnico é:1
XII - responsável técnico (RT): profissional legalmente habilitado e inscrito no Sistema CFMV/CRMVs que, no exercício da medicina veterinária, conforme o caso, atua de modo a instituir protocolos, orientar prestadores ou tomadores de serviços e empregados e garantir que os serviços prestados e/ou produtos oferecidos sejam produzidos e disponibilizados em aderência e conformidade aos requisitos técnicos e regulamentares;
Logo, o termo utilizado “lei que proíbe a eutanásia de animais sadios nos canis públicos, zoonoses e congêneres”, deve ser ampliada, vez que a lei 14.228/21, proíbe não só a eutanásia de animais saudáveis, como também exige que havendo estrita necessidade de eutanásia, que a mesma siga determinações do Direito Médico-Veterinário, como a justificação por laudo assinado por Responsável Técnico, o que no Direito Médico-Veterinário é o profissional com anotação de responsabilidade técnica, junto ao órgão de classe, que infelizmente é negligenciado no setor público brasileiro.
Ou seja, não basta o canil público, zoonoses e congêneres ter no local médico-veterinário e/ou zootecnista, é preciso que o estabelecimento esteja registrado no Conselho de classe, e, que além do registro tenha pelo menos um médico-veterinário com anotação de responsabilidade técnica, a fim de assegurar que as eutanásias sejam realizadas respeitando os protocolos da medicina veterinária, para cada espécie animal, nos termos das resoluções 1178/2017 c.c 1.321/2020, ambas do Conselho Federal de Medicina Veterinária.
Assim podemos considerar que, se eutanásias forem realizadas no canil público, zoonoses e congêneres, sob o manto de que o animal estava acometido por casos males, doenças graves ou enfermidades infectocontagiosas incuráveis que coloquem em risco a saúde humana e a de outros animais, realizadas por médico-veterinário sem a devida anotação de responsabilidade técnica junto ao órgão de classe como determina o Direito Médico-Veterinário, que o considere Responsável Técnico nos termos da legislação, poderá, em tese, ser considerada eutanásia ilegal, passível das penas previstas na lei 9.605/98.
Inconteste que, o Direito Médico-Veterinário está intrínseco na atribuição dos médicos-veterinários que atuam nos canis públicos, zoonoses e congêneres, a fim de resguardar o Direito Animal e a aplicação e efetividade da lei 14.228/21.
Como se vê, considerando que o artigo 3º da lei 14.228/21 assegura que entidades de proteção animal devem ter acesso irrestrito à documentação que comprove a legalidade da eutanásia, importante informá-los de que quando forem verificar a documentação, que também seja solicitado à Administração Pública o comprovante de registro do estabelecimento junto ao Conselho de Medicina Veterinária, bem como, o comprovante da anotação de responsabilidade técnica do profissional que tenha assinado o laudo da eutanásia, a fim de verificar a legalidade da eutanásia do animal, justificada por laudo do responsável técnico.
__________
1 https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-1.321-de-24-de-abril-de-2020-253999246