A propriedade, a posse e os direitos fundamentais
Juventino Gomes de Miranda Filho*
O “direito a ter direitos” humanos constitui meio indispensável para conter o onipresente risco de abuso e expandir o nexo entre paz e direitos fundamentais. É vasto e inesgotável esse campo. Mas os direitos fundamentais guardam em si aquele vetusto traço axiológico do consensus omnium gentium sobre a relevância dos direitos humanos para a convivência coletiva.
A propriedade na contemporaneidade não só está condicionada à função social como decorrência de preceitos constitucionais expressos e repetitivos (arts. 5º, XXIII, 156, §1º, 170,III, 182,§2º, 184, 185, parágrafo único, e 186) como já degradou-se à categoria de dever- direito, sob a ótica do art. 1.228 do Código Civil, sobre constituir objeto de titularidade até de “gerações futuras” (art. 2º, I – Estatuto da Cidade – Lei 10.257/2001).
A vinculação ou nexo dessa realidade com os direitos fundamentais é até intuitivo. Cidadania e dignidade humana serão meras utopias sem o acesso à propriedade mínima, assim entendida aquela propiciadora de condições de moradia e de subsistência. É meio de eliminar a pobreza em nível de hipossuficiência ou de impotência condenadora de grandes massas humanas à fome. Da teorização para a ação as dificuldades têm-se mostrado incontornáveis e até paradoxais. A função social da propriedade é princípio fundamental do ordenamento, deixando de ter somente aquela conotação econômica das anteriores constituições.
A própria constituição de 1988 reserva seu art. 185, II, à aparência de dificultar a desapropriação, ressabidas as dificuldades da tipificação da “propriedade produtiva”, contrapondo-a à querida erradicação da pobreza, alvo do seu art. 3º, III. Mesclados os conceitos e jungidos os princípios dos direitos fundamentais àquele da redução das desigualdades sociais e redistribuição da riqueza, eis a harmonia da propriedade com os direitos fundamentais. E tal proximidade mais se estreita quando se aduz não à função social da propriedade e à da posse mas, sobretudo, à sua função social ambiental (direito de terceira geração), e, assim, ganhando a dimensão de autêntico direito difuso (§ 1º, art. 1228 do Código Civil), categoria que transporta a propriedade e a posse para um outro âmbito, preponderantemente publicista. E sob esta visão de maior amplitude, a propriedade, tradicionalmente vinculada a direito individual (art. 5º, caput, CR), mas por influência de DUGUIT condicionado à sua função social (arts. 5º, XXI e XXIII; art. 170; II e III, CR), transcende essas categorizações para ganhar contornos de função ambiental (arts. 170, V; 182, §2º, I, Estatuto da Cidade). E como parecem estar assim dimensionadas, a propriedade e a posse vinculam-se aos direitos fundamentais (molduram a dignidade da pessoa humana, a solidariedade social, dentre outros princípios) e passam até a integrar o avançado elenco da chamada tutela das gerações futuras.
Afinal, a função social da propriedade e da posse se insere no movimento da funcionalização dos direitos subjetivos, na reconstrução dos institutos centrais do Direito contemporâneo, como busca de um novo equilíbrio entre os interesses dos particulares e as necessidades da coletividade. E o valor da pessoa humana é o “valor-fonte de todos os valores” ou o “valor fonte do ordenamento”.
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*Advogado. Diretor do <_st13a_personname productid="em Direito Processual." w:st="on">IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais
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