Os Conselhos de Medicina são regidos pela lei 3.268/1957, alterada pela lei 11.000/04; regulamentada pelo decreto 44.045/1958 e pelo decreto 10.911/21.
Fazendo um corte para o assunto de nosso interesse, registramos que o poder de disciplinar e aplicar penalidades aos médicos compete exclusivamente ao Conselho Regional em que estejam inscritos ao tempo do fato punível, ou em que ocorreu o fato, nos termos do art. 21 da lei 3.268/1957. Diante disso, temos que o médico autor de algum desvio ético-profissional, estará sujeito a uma dentre cinco sanções ético–disciplinares previstas no art. 22 da citada lei. São elas:
"a) advertência confidencial em aviso reservado;
b) censura confidencial em aviso reservado;
c) censura pública em publicação oficial;
d) suspensão do exercício profissional por até 30 (trinta) dias;
e) cassação do exercício profissional ad referendum do Conselho Federal."
A inabilitação profissional, imposta administrativamente ao médico infrator do Código de Ética Médica, desprovida de possibilidade de reabilitação, transforma a sanção imposta em uma pena de caráter perpétuo, a qual é vedada por cláusula constitucional pétrea.
A pena em apreço fere também os princípios da proporcionalidade, da preservação do núcleo essencial e da reserva de lei. Sobre esses princípios, vale ressaltar que as restrições impostas a um direito fundamental – como o da liberdade de escolha e exercício profissional previsto no art. 5º, XIII da CF/88 – devem se mostrar adequadas, necessárias e proporcionais, além de resguardarem, pelo menos, uma porção mínima (núcleo essencial) suficiente para que o direito restringido possa desempenhar sua função.
A inabilitação profissional ad eternum do médico se encaixa justamente nesse caso. Além de não resguardar um espaço mínimo que empreste um sentido útil ao direito fundamental de exercer a profissão escolhida, se mostra desnecessária e desproporcional.
Sustenta-se, aqui, sua desnecessidade, por se entender que os mesmos objetivos poderiam ser alcançados com reprimendas menos gravosas. A inabilitação profissional por um período determinado (oito, dez, vinte ou trinta anos, por exemplo), associada a outros requisitos de formação ética e/ou de aprimoramento técnico, se mostraria mais proveitosa para a sociedade brasileira, e suficiente a desestimular atos antiéticos por parte de profissionais da categoria médica.
De outro norte, há os que defendem que a proibição constitucional às penas de caráter perpétuo só se aplica ao Direito Criminal ou às penas de encarceramento. Destacamos que durante as pesquisas para esse trabalho encontramos alguns argumentos e justificativas para tal posicionamento; mas, por outro lado, encontramos outros tantos argumentos contrários a este entendimento, inclusive do STJ e da corte Suprema.
Portanto, cabe alertar que, por se tratar de restrição de direito fundamental – demasiadamente forte, diga-se –, caberia aos defensores da corrente que advoga a sua aplicação exclusiva para o âmbito penal comprovar que essa era a intenção do constituinte originário. Discorda-se aqui, com a devida vênia, de tal posicionamento. Além de perigosa, por propiciar espaço aos excessos e arbitrariedades, tal leitura constitucional não condiz com os valores e princípios insculpidos na Carta Cidadã.
Assim, quando se trata de direitos fundamentais, deve prevalecer a interpretação que menos os restrinja, lhes dê maior proteção e amplitude, bem como os satisfaça em maior grau.
Isso tudo leva a crer que não há razão ou espaço para se afirmar que a proibição constitucional à pena de caráter perpétuo não se estenda à sanção administrativa de inabilitação profissional em razão de falta ética.
Com estas reflexões, conclui-se que a sanção administrativa de cassação do exercício profissional aplicada pelos Conselhos Regionais de Medicina, ad referendum do Conselho Federal de Medicina; diante do cometimento de infração ao Código de Ética Médica, sem possibilidade de reabilitação por previsão contida em resolução administrativa (RES. CFM 2.217/18) é sinônima de pena perpétua vedada pela CF/88.
Portanto, a cassação do registro profissional do médico, da forma como vem sendo aplicada pelos Conselhos Regionais de Medicina e também pelo Conselho Federal Medicina, não encontra respaldo constitucional por violar o art. 5º, inciso XLVII, letra “b”.