Migalhas de Peso

Antes tarde do que nunca...

A União Federal, através da sua Secretária de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU), editou recentemente normativo que franqueia aos titulares de imóveis em regime de aforamento a remição total desse.

9/2/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Um dos ônus mais anacrônicos do ordenamento jurídico destes trópicos, o “foro anual” devido pelos ocupantes de imóveis “de marinha”, no importe de 0.6% do valor do respectivo terreno, aparenta estar adentrando seu ocaso, ao menos para 413 dos 49.365 imóveis em regime de aforamento localizados em Pernambuco. 

A União Federal, através da sua Secretária de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU), editou recentemente normativo que franqueia aos titulares de imóveis em regime de aforamento a remição total desse. Aderindo ao programa “SPU +” o contribuinte poderá adquirir da União a fração do imóvel pertencente àquela (correspondente a 17% da respectiva área), com desconto - de 25% - para pagamento à vista. Para além de exonerar o titular do dispêndio anual com o “foro”, o exime, outrossim, do encargo do “laudêmio” em caso de alienação futura (esse equivalente a 5% do valor atualizado do terreno), a par de possibilitar que o imóvel doravante possa ser ofertado em garantia sem necessidade de prévia anuência da SPU. Além de imóveis em Pernambuco, a fase inicial do programa engloba outros igualmente no Espírito Santo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo! 

Para se ter uma ideia do descompasso das “taxas de marinha” com as finalidades que a ensejaram, rememore-se que foi instituída no início do século XIX (1818), em prol da Coroa, sob o mote de proteção da costa brasileira. Jungidas à mesma estariam os imóveis numa faixa de até 33 metros em direção ao continente, faixa essa mensurada a partir das marés altas e baixas de 1831, a conhecida linha de “preamar médio de 1831”, critério esse que abarca ainda aterros e as margens de rios e lagoas que sofrem a influência daquelas. A distância métrica de 33, por sua vez, foi eleita a partir da distância que um tiro de canhão alcançaria, de modo a salvaguardar o Imperador e a costa nacional (a Instrução n. 348, de 1832, menciona “quinze braças craveiras”, que equivalem à dita metragem). 

A fragilidade do referido critério não decorre meramente de guerras atuais serem travadas com mísseis intercontinentais (os canhões seguem perfilados em desfiles subsequentes…), mas sim, dentre outras razões, pelo fato de que, desde a sua instituição, são incontáveis os aterros que alteraram significativamente o traçado das áreas costeiras e ribeirinhas. Para além disso a segurança da costa é lastreada pelos impostos federais e não pelo produto dessas “taxas”, que, aliás, sequer são conceituáveis como tais, como já pontuou a jurisprudência (vide, por exemplo, a AC 9504435076/RS, TRF/4º Região, DJ de 28.01.98). Antes tarde do que nunca…

Erik Limongi Sial
Advogado e sócio fundador do Limongi Sial & Reynaldo Alves Advocacia e Consultoria Jurídica.

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