O ano de 2022 iniciou-se movimentado com a publicação, em 5/1/22, da LC 190/22, a qual veio instituir e regulamentar a cobrança do ICMS nas operações e prestações interestaduais destinadas ao consumidor final não contribuinte do imposto.
Trata-se da aguardada regulamentação do diferencial de alíquotas do ICMS, ou Difal, após o julgamento das ADIns 5.464 e 5.469, pelo Supremo Tribunal Federal, bem como da tese de repercussão geral 1.093, fixada no RE 1.287.019, a qual definiu que: "A cobrança do diferencial de alíquota alusiva ao ICMS, conforme introduzido pela emenda EC 87/2015, pressupõe a edição de lei complementar veiculando normas gerais".
A EC 87/15 envolve importantes alterações no artigo 155 da Constitucional Federal, o qual dispõe, em seu parágrafo 2º, sobre a tributação do ICMS.
Antes da EC 87/15, o ICMS sobre operações e prestações de serviços interestaduais era de competência do estado de origem. A referida emenda constitucional partilhou a tributação, de forma que o estado de origem passou a ter direito ao ICMS com base na alíquota interestadual e o estado de destino, o diferencial de alíquotas1.
Após a publicação desta Emenda Constitucional, firmou-se o Convênio ICMS 93, de 17/9/15, editado com a finalidade de regulamentar os procedimentos para a cobrança do Difal.
Este convênio foi objeto de questionamento no Supremo Tribunal Federal, por meio das ADIns 5.464 e 5.469, e da Tese de Repercussão Geral 1.093.
A justificativa para se declarar inconstitucional o Convênio ICMS 93/15 está no fato de se ter trazido uma nova relação jurídico-tributária entre o remetente de bem ou serviço e o estado de destino nas operações destinadas a não-contribuintes do ICMS, o que seria matéria reservada a lei complementar, na forma do artigo 146 da Constituição Federal.
Pois bem. Com o julgamento do Supremo Tribunal Federal e a declaração de inconstitucionalidade do Convênio ICMS 93/2015, os estados foram proibidos de cobrar o diferencial de alíquotas até que a regulamentação formal, por meio de lei complementar, fosse sancionada.
No entanto, de forma a evitar maiores prejuízos ao Fisco estadual com a imediata redução da tributação, a Suprema Corte modulou os efeitos da decisão para que o Difal deixasse de ser exigido, na ausência de lei complementar, somente a partir de janeiro de 2022.
Assim, garantiu-se a regular tributação do Difal ao longo do ano-calendário de 2021, no aguardo de sua regulamentação por meio do correto instrumento normativo, o que se esperava que ocorresse ainda naquele ano.
Sucede que a lei complementar 190/22 foi sancionada somente em 5/1/22.
Em 6/1/22, publicou-se o Convênio Confaz 236/21, o qual dispôs sobre os procedimentos a serem observados com relação ao Difal. Este Convênio, que veio substituir o Convênio 93/15 com o objetivo de regulamentar a cobrança do Difal em complemento à LC 190/22, estabeleceu em sua Cláusula 11 que produziria efeitos a partir de 1º/1/22.
Diante da publicação dos atos normativos em janeiro deste ano, profundas discussões vêm sendo levantadas sobre a data a partir da qual o Difal deve ser cobrado.
Para uma primeira corrente de pensamento, os referidos atos, por criarem relações jurídico-tributárias e regulamentarem a tributação do Difal, não poderiam produzir efeitos no mesmo ano em que foram publicados. De acordo com essa tese, deveriam ser respeitados os princípios da anterioridade anual e anterioridade nonagesimal, previstos no artigo 150, caput e inciso III, da Constituição Federal.
Para uma segunda corrente de pensamento, que é acolhida por alguns estados, a lei complementar 190/22 não traria qualquer inovação à relação tributária ou mesmo majoração de alíquotas, tratando-se unicamente de regras de repartição de carga tributária, pelo que poderia produzir efeitos imediatos.
Existe, ainda, uma terceira linha de pensamento que entende que a cobrança deveria respeitar apenas a anterioridade nonagesimal, conforme previsto expressamente no artigo 3º da lei complementar 190/222.
Verifica-se, portanto, a existência de posicionamentos divergentes sobre a temática, o que tem acarretado um clima de insegurança para os envolvidos, em especial para os contribuintes.
Alguns estados optaram por cobrar o Difal a partir de abril de 2022, em observância ao artigo 3º da LC 190/22, como é o caso do estado de São Paulo, que publicou o recente Comunicado CAT 2, de 27/1/22.
Já outros passaram a exigir o Difal desde o primeiro dia do ano, como por exemplo o estado da Bahia, com fundamento na lei estadual 14.415, de 30/12/21, e o Distrito Federal, com amparo no Convênio Confaz 236/21.
De forma a garantir a observância aos princípios da anterioridade de exercício e nonagesimal, muitas empresas ajuizaram ações judiciais para resguardar o direito à suspensão da exigibilidade dos créditos tributários relativos ao Difal entre 1/1/22 e 31/12/22.
Desde então, tem-se identificado inúmeras decisões liminares favoráveis aos contribuintes nos estados de São Paulo3, Espírito Santo4 e Distrito Federal5, apontando a necessidade de observância ao princípio da anterioridade tributária.
No último dia 14/1/22, a discussão alcançou o Supremo Tribunal Federal, por meio da ADIn 7066, movida pela Associação Brasileira de Indústria e Máquinas (Abimaq), pela qual se requer a suspensão imediata dos efeitos da LC 190/22 para o ano de 2022, e postergação da vigência para somente 1/1/23. A ação foi distribuída para o ministro Alexandre de Moraes.
Ato contínuo, em 21/1/22, o Governo do Estado de Alagoas ajuizou a ADIn 7.070, argumentando que a lei complementar 190/22 estaria limitando de maneira excessiva a competência financeira dos estados, de forma a violar o pacto federativo. Adicionalmente, argui-se que a lei complementar 190/22 não traria qualquer inovação à relação tributária ou mesmo majoração de alíquotas, dispensando, desta forma a observância aos princípios da anterioridade ou mesmo noventena.
Diante do elevado número de medidas judiciais discutindo o tema, e da iminência da cobrança do Difal com base no artigo 3º, da LC 190/22, é possível que se tenha em breve uma decisão liminar abordando o assunto. Em que pese não ser possível antever o desfecho desta discussão, a Suprema Corte tem sinalizado a necessidade da observância ao princípio da anterioridade em hipóteses semelhantes.6
Assim, diante da incerteza que se instala, é prudente que as empresas que realizam operações interestaduais a consumidor final não-contribuinte de ICMS busquem guarida no Judiciário, de forma a pleitear uma medida liminar para resguardar o direito de recolher o Difal somente a partir do ano-calendário 2023.
1 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
III - propriedade de veículos automotores.
(...)
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
VII - nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;
2 Art. 3º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea "c" do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal.
3 Processo 1000415-35.2022.8.26.0053, 8ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo
4 Processo 5000602-63.2022.8.08.0024, 3ª Vara de Fazenda Pública de Vitória
5 Processos 0700137-46.2022.8.07.0018, 7ª Vara de Fazenda Pública do DF, 0700197-19.2022.8.07.0018, 2ª Vara de Fazenda Pública do DF e 0700189-42.2022.8.07.0018, 3ª Vara de Fazenda Pública do DF
6 ADI 5733, Min. Alexandre de Moraes, DJE 03/10/2019; RE564.225 AgR, Min. Marco Aurelio, DJE 18/11/2014; RE 363577AgR, Min. Dias Toffoli, DJE 06/06/2013