Este é um tema recorrente em escritórios com “uma certa idade” e que tira o sono de alguns sócios em determinada fase da vida (dele e do escritório). Para se entender melhor essas angustias, precisamos primeiro analisar vários pontos, tais como: ); o modelo de gestão e estrutura decisória (centralizado ou distribuído); o modelo de remuneração de sócios adotado (Lockstep x Eat What You Kill; o modelo de prestação de serviços jurídicos (full-service, Boutique, Massa, etc.); o modelo de crescimento (formação interna ou contratações intensas ou ainda fusões e incorporações); o plano de carreira adotado com seus critérios de avaliação e por fim, obviamente a idade do escritório e de seus sócios.
Cada uma dessas características adotadas, quando analisadas individualmente como nos remédios criam os seus efeitos esperados (na maioria das vezes positivos), mas também tem sempre efeitos colaterais que podem ser positivos ou negativos e o grande segredo de uma boa gestão é sempre procurar maximizar os principais efeitos almejados e minimizar os colaterais. Lembrando que o processo sucessório normalmente só acontece depois de um certo (grande) tempo de vida de um escritório e essas características, quando combinadas, podem criar à longo prazo efeitos colaterais imprevisíveis, dificultando a identificação das suas causas e serem resolvidos.
O que precisa ser entendido é que o assunto sucessão deve ser tratado e previsto precocemente, e de preferência desde a criação do escritório, pois ao longo do tempo podem se formar hábitos e expectativas muito difíceis de serem corrigidas no momento da sucessão.
Na minha experiência, escritórios que não pensaram precocemente e não se prepararam para esse processo costumam “perder” uma geração de sócios (aquela que normalmente estaria na sequência natural de substituição dos atuais gestores) e criando um “gap” entre a geração gestora corrente e a geração disponível que nem sempre está preparada para assumir o desafio e é exatamente isso que iremos discutir a seguir.
1 – Modelo de Gestão / Estrutura Decisória.
Este é o ponto mais importante que interfere a longo prazo no processo sucessório. A maioria dos escritórios aparece e cresce quase que da mesma forma: alguns advogados com espírito empreendedor, qualidade jurídica e bom relacionamento se juntam e formam uma sociedade. Apresentando um atendimento próximo e de qualidade a seus clientes, esse escritório tende a crescer naturalmente e gerando a sensação (correta) de sucesso e aumentando consideravelmente a remuneração de seus sócios. O tempo (vários anos) vai consolidando a reputação da sociedade e projeção do nome de seu(s) sócio(s) no mercado jurídico-empresarial e alimentando de maneira imperceptível, porém indelével sua autoconfiança e seu ego. Esse processo contribui para ir consolidando a sensação se autossuficiência e alimenta a visão do sócio em considerar cada vez mais a equipe de advogados existente (já se passaram alguns anos e o escritório cresceu) como apenas auxiliares no crescimento.
Neste modelo de crescimento há uma tendencia natural à centralização das decisões além de uma personalização da gestão, impondo a esta interesses pessoais a o culto à personalidade. O resultado desse processo ao longo do tempo é o desestimulo aos outros sócios e aos potenciais pretendentes à sociedade que percebem uma barreira de crescimento e participação nas decisões gerenciais. Não pouco comum a situação estimula a saída da sociedade tanto de sócios menores quanto de advogados seniors que vão à procura de outros caminhos de crescimento gerando o “gap” citado anteriormente.
Para que haja no futuro um processo sucessório tranquilo e sem solavancos, é necessária a profissionalização da gestão com a criação de estrutura hierárquica decisória, distribuição das atividades gerenciais e critérios claros de responsabilização, relativização e distribuição de lucros baseados em meritocracia e competências de governança. Ao se adotar essa forma de gestão cria-se uma espécie de ambiente de treinamento a todos os sócios envolvidos formando-os para no futuro estarem preparados para assumir quando houver a necessidade.
2 – Modelo de Remuneração
O modelo Eat-What-You-Kill, como o próprio nome diz, remunera o sócio baseando-se na sua própria criação de renda para o escritório, ou seja, Captação + Faturamento – Custos Diretos – Overhead (sua parte dos custos fixos).
Obviamente a forma de remuneração não tem relação direta com a gestão, mas quanto mais a distribuição de lucros se aproxima do modelo Eat-What-You-Kill maior será a sensação de independência e autonomia do sócio responsável, pois ao pagar o overhead para a sociedade “fez a sua parte” e se sente desobrigado de se envolver com as atividades gerenciais e/ou diretivas.
Neste modelo, a importância relativa do sócio, portanto de seu poder de decisão e influência, está diretamente ligada à sua contribuição financeira na sociedade e isto não o transforma obrigatoriamente no melhor gestor da mesma. Além disso, essa posição pode ser alterada drasticamente durante o decorrer do tempo e novamente dificultando a “formação” gerencial dos sócios.
3 – Modelo de Prestação de Serviços Jurídicos
Novamente não há uma relação direta entre o modelo jurídico e a profissionalização da gestão da sociedade (lembrando que está é a premissa necessária para criar ao longo do tempo um processo de formação gerencial dos sócios e prepará-los para o processo sucessório).
Escritórios voltados para uma atividade ou área do Direito, chamados de butiques, normalmente são menores em termos de número de pessoas e tamanho físico (mas nem sempre em faturamento) e por esse motivo exigem menos sofisticação administrativa e mais simples de serem geridos. Escritórios maiores, por sua vez, tem uma exigência maior na profissionalização de sua gestão.
Nos menores e especializados, costuma haver uma dependência muito grande de sua existência da projeção do nome de seu criador (aquele sócio que representa o conhecimento jurídico ligado à área de especialização) no mercado. Nestes casos há uma dificuldade ainda maior na sucessão, pois exige um tempo muito maior para que algum outro sócio consiga obter o mesmo reconhecimento e novamente essa característica não o torna, obrigatoriamente, o melhor gestor para a sociedade.
4 – Modelo de Crescimento
Parece lógico, mas é sempre bom lembrar que aqueles que adotam o crescimento orgânico, apesar de ser mais lento são muito mais sólidos em suas filosofias empresariais tornando o processo de formação de sua equipe e consequentemente a formação gerencial de seus sócios. Novamente uma coisa não garante a outra, ou seja, todos os problemas citados anteriormente de centralização, culto à personalidade, não profissionalização etc., podem ocorrer.
Naqueles onde há um crescimento agressivo baseado em contratações (advogados e sócios) laterais há uma maior dificuldade na definição da filosofia empresarial e torna o processo de profissionalização mais difícil e consequentemente a preparação para a sucessão mais complicada.
5 – Plano de Carreira
O Plano de carreira num escritório de advocacia nada mais é do que “as etapas de formação dos profissionais da equipe segundo os critérios e valores da filosofia empresarial adotada pela sociedade”. Também dever ser tratado como uma parte de um plano maior que envolve estagiários, advogados e sócios (sim estes último também) na formação e incorporação desta filosofia. O estagiário é treinado para as qualidades que a sociedade espera de um advogado, este deve ser treinado para as competências que se espera de um sócio (conhecimento jurídico, faturamento, captação, capacidade gerencial e empatia com pessoas) e o processo não termina aí.
O sócio também, deve evoluir dentro da categoria e novamente ir sendo treinado e preparado para o processo sucessório e estar maduro e pronto para assumir quando se fizer necessário.
Conclusão
Obviamente para se chegar ao momento da sucessão o escritório precisa ter “uma certa idade” e ter passado por uma série de degraus de crescimento e evolução gerencial e são poucos aqueles que chegam a este ponto. Alguns por quês não são “velhos” o suficiente, ou porque foram incorporados ou ainda porque deixaram de existir antes desse momento, mas ainda existem aqueles que chegam a esse ponto e porque não se prepararam sucumbem quando da retirada ou aposentadora de seu sócio fundador.
O processo sucessório é um dos pontos críticos na existência de qualquer escritório de advocacia e só será implementado de maneira fluida e tranquila se houver uma preparação com a profissionalização precedente e robusta de sua estrutura e sua gestão.