Em 9 de novembro de 2021, o Secretariado do Tax Inspectors Without Borders (TIWB) coordenou a realização de um painel de alto nível1, que contou com a presença do Secretário-Geral da OCDE, Mathias Cormann, e do chefe (Administrador) do PNUD, Achim Steiner, enfatizando o papel da iniciativa conjunta da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), mesmo num contexto pandêmico - em consonância com o último relatório anual -, bem como celebrando a renovação de seu mandato. Enaltecidas foram as informações de como os programas do TIWB dão suporte a governos e administrações tributárias frente a fluxos financeiros ilícitos, pelo uso de ferramentas inovadoras, ajustando-se às novas regras internacionais, e fazendo o melhor uso da experiência Sul-Sul.
Operando em 47 países e gerando mais de USD 850 milhões em receitas tributárias adicionais desde julho de 2020, a iniciativa continua a fortalecer a capacidade de países em desenvolvimento de combater práticas abusivas por parte de multinacionais e grandes grupos econômicos. Vale lembrar que, nos seis anos de sua existência, a assistência do Tax Inspectors Without Borders ajudou a arrecadar USD 1,4 bilhão em receitas tributárias adicionais para países em desenvolvimento (dos quais USD 228 milhões em litígio), contando com USD 3,9 bilhões já apurados para fins fiscais até junho de 2021 - como previsto na última edição do relatório anual do TIWB; esse mesmo relatório indicou que para cada USD 1 gasto sob o programa uma média de USD 125 é recuperada pelas administrações tributárias anfitriãs em receitas tributárias adicionais - valor praticamente duplicado na comparação com o ano anterior.
A Iniciativa
O objetivo do Tax Inspectors Without Borders é permitir o compartilhamento de conhecimento, habilidades e experiência em auditoria fiscal com administrações tributárias de países em desenvolvimento por meio de uma abordagem direcionada e em tempo real (“aprender fazendo”). Especialistas (experts) selecionados trabalham diretamente com autoridades fiscais locais em auditorias de caráter atual e no que tocante a tributação internacional e práticas gerais de auditoria relevantes para casos específicos.
Nos programas de assistência, visam-se a avanços de capacitação - na prática - de auditoria fiscal dos órgãos competentes de cada país receptor. A administração anfitriã se beneficia dos programas do TIWB ao incrementar a qualidade e a consistência de suas auditorias, trazendo maiores previsibilidade e segurança jurídica aos seus processos e procedimentos, assim como potencialmente oportunizando acesso a mais receitas. No longo prazo, o clima geral de investimento tende a melhorar, paralelamente à consolidação de uma cultura de conformidade por parte do contribuinte e de fiscalizações mais eficazes. De maneira mais ampla, a relação Estado-sociedade pode vir a ser aprimorada enquanto presente elevado nível de engajamento e de confiança dos contribuintes no processo tributário. E isso pode levar, em última análise, a uma governança mais eficiente e responsável. Outrossim, os programas TIWB podem complementar programas existentes de assistência focados em tributação, acrescentando abordagens práticas à aplicação de novos conhecimentos.
No concernente às áreas e à forma de assistência, o TIWB centra-se na promoção de assistência prática, enviando especialistas a cooperar com auditores fiscais locais, aprofundando noções e experiência em matérias como preços de transferência, capitalização alavancada, acordos antecipados de preços (APA), regras anti-evasão fiscal, tributação sobre o consumo, indivíduos de alto patrimônio líquido (HNWI), avaliação de risco pré-auditoria e seleção de casos, técnicas de investigação e questões setoriais específicas; por outro lado, seus programas não tratam de temáticas alfandegárias, suporte a políticas públicas, consultoria legislativa ou relativa a litígios internacionais, ou, ainda, (re)negociação de tratados de matéria tributária, uma vez que outros organismos e fóruns internacionais já desempenham tais funções.
A iniciativa possui um Governing Board, espécie de conselho de administração, copresidido pelo Secretário-Geral da OCDE e pelo Administrador do PNUD (ou delegado nomeado) e composto por um máximo de 8 membros, incluindo representantes de governos de países anfitriões e parceiros, sociedade civil, academia e/ou iniciativa privada. Sua composição contempla equilíbrios regionais e representatividade de gênero, e seus mandatos são de 3 anos, renováveis. As áreas de interesse desses indivíduos abarcam desenvolvimento, finanças públicas e tributação. Muito embora não sejam remunerados, gastos relativos à participação em reuniões (e.g., viagens e diárias) podem vir a serem cobertas. Note-se que há a previsão de uma reunião ordinária anualmente, ficando aberta a possibilidade de designação de encontros extraordinários. Primordialmente, o Governing Board do TIWB orienta e dá visibilidade internacional para os programas da iniciativa - fazendo também recomendações sobre seu desenho, quando necessário -, identifica e encoraja oportunidades a maior cooperação Sul-Sul, providencia apoio político às interações entre países anfitriões e parceiros, auxilia na obtenção de recursos ao desenvolvimento da iniciativa, monitora seus planos de trabalho, revisa as atividades do Secretariado e do Fundo, e endossa o relatório anual - incorporando lições e oportunidades.
O Governing Board, além de assistência, apoia a expansão das abordagens de nicho em novas áreas técnicas, solidificando a investigação tributária criminal e o uso eficiente de dados compartilhados via mecanismos de troca de informações como prioridades na contenção de fluxos financeiros ilícitos. Em sintonia com as demandas e problemáticas hodiernas, a relação entre recursos naturais, meio ambiente e tributação já vem sendo explorada em seus trabalhos e estudos.
O Secretariado do TIWB, de sua vez, serve a facilitar o envolvimento de todas as partes na realização de programas específicos de assistência, atuando como câmara de compensação e interface para solicitações de participação, propondo peritos às administrações anfitriãs (responsáveis pela seleção destes), fornecendo informações a todos os interessados e orientando sobre as etapas práticas ao estabelecimento de estruturas para os programas da iniciativa.
Importante observar que a forma e a duração dos programas variam, conforme as necessidades da administração anfitriã, os tipos de questões fiscais em pauta, a disponibilidade de especialistas adequados e financiamento. A regra geral é que os programas durem ao menos uma semana, observando o timing de sua execução e da participação dos especialistas selecionados, acomodando as agendas dos envolvidos, sendo desenhados para que tenham caráter periódico. O financiamento se dá levando em conta as capacidades das administrações anfitriãs, parceiras e de terceiros interessados.
Últimas do derradeiro encontro, perspectivas futuras
Como mencionado, em 9 de novembro de 2021, foi realizado um painel de alto nível sobre a iniciativa, em muito embasado no exposto pelo mais recente relatório anual do Tax Inspectors Without Borders, publicado no mesmo dia. O TIWB Annual Report 20212, cobrindo as atividades de julho de 2020 a junho de 2021, é dividido em quatro capítulos: o Capítulo 1 descreve o TIWB e aponta sua relevância no contexto da pandemia do Covid-19; o Capítulo 2 detalha atividades, tendências e sucessos, trazendo informações sobre resultados obtidos e lições aprendidas no último ano; o Capítulo 3, por sua vez, destaca a participação do TIWB em eventos internacionais e seus meios de comunicação; ao fim, o Capítulo 4 apresenta o plano de trabalho para o ano vindouro, disponibilizando uma visão geral dos objetivos pretendidos, além de dados de desempenho do período anterior.
Em anotações introdutórias, feitas no painel virtual de alto nível, observou-se que a crise pandêmica afetou gravemente as economias pelo mundo, elevando a importância do espaço fiscal necessário, marcadamente a países em desenvolvimento - em situação não mais sustentável, tendo também em vista o cenário de recuperação global pós-pandemia e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU; simultaneamente, a intolerância a práticas de sonegação e evasão fiscal tem aumentado, com a atenção recaindo com maior intensidade sobre fluxos financeiros ilícitos. Cabe, assim, a organismos internacionais dar suporte às administrações nacionais nessa empreitada. Os especialistas do TIWB, de seu lado, envidam esforços em conjunto com parceiros multilaterais no apoio a governos de mais de 50 países3.
O Secretário-Geral da OCDE, Mathias Cormann, enfatizou a solução de Dois Pilares para o enfrentamento dos desafios da digitalização da economia4, acordada5 no âmbito do Painel abrangente sobre BEPS (base erosion and profit shifting) do G20 e da OCDE6, evento histórico endossado inicialmente por 136 jurisdições - representando mais de 90% do mercado global -, que deve realocar mais de USD 125 bilhões em lucros das cerca de 100 maiores e mais lucrativas multinacionais e grandes grupos econômicos pelo mundo, assegurando que recolham justa parcela de tributos onde quer que operem e gerem lucros, enquanto o “imposto mínimo global” a uma alíquota mínima de 15% a partir de 2023, ainda que incapaz de eliminar por completo a competição tributária entre as jurisdições, prevê a arrecadação de cerca de USD 150 bilhões em novas receitas anualmente7. E é nesse ponto que o Tax Inspectors Without Borders vem a desempenhar valoroso papel, capacitando administrações tributárias a melhor operarem - técnica e prática - nesse novo paradigma.
Achim Steiner, em nome do PNUD, salientou mais uma vez os impactos do Covid-19 sobre as sociedades e economias, apontando que alguns podem ficar para trás no processo de recuperação sustentável (e inclusivo, e verde). Nesse contexto fluido, países em desenvolvimento demandam apoio e assistência sob medida, de forma a levantarem receitas necessárias a investimentos num futuro de carbono líquido zero (net zero). Para tais fins, o TIWB continua a trabalhar com administrações pelo mundo em seus mais de 90 programas em andamento e completos, além do projeto expandido8 para conectar mais diretamente essas receitas e medidas harmoniosas com os mencionados ODS. Adiante, a atenção sobre fluxos financeiros ilícitos concorrerá com outros esforços, como nos de combate ao tráfico relativo a animais em extinção, à extração ilegal de madeira, pesca e mineração ilegais, dentre muitas outras atividades ilícitas que movimentam bilhões de dólares anualmente.
Quanto aos destaques do último relatório anual do TIWB, o modelo já é provado como uma forma-nicho de assistência à capacitação em tributação internacional, de programas sob medida baseados nas necessidades das administrações tributárias, focados em suporte técnico e prático a auditorias, com interação direta entre especialistas enviados e servidores locais, e com o fim-último de incrementar a mobilização de recursos domésticos por parte de países em desenvolvimento. Isso se dá num contexto, como antes aventado, de restritos espaços fiscais e de crescimento da intolerância frente a fluxos financeiros ilícitos e práticas de evasão fiscal.
Pelo histórico da iniciativa, a maior parte dos programas concentra-se na África (USD 989,6 milhões arrecadados, USD 2,7 bilhões apurados no período examinado), não obstante significativa presença nas regiões da Ásia e do Pacífico (USD 287,8 milhões arrecadados, USD 532,4 milhões apurados), América Latina e Caribe (USD 121,8 milhões arrecadados, USD 537,1 milhões apurados), e Leste Europeu (USD 1,6 milhão arrecadado, USD 69,1 milhões apurados). No caso da América Latina e Caribe, a lista de países anfitriões de programas concluídos, em andamento e previstos - por vezes em mais de uma oportunidade - contém: Colômbia (membro da OCDE), Costa Rica (membro da OCDE), Ecuador, El Salvador, Haiti, Honduras, Jamaica, Peru e República Dominicana.
No concernente às modalidades de assistência, são estas seis: auditoria fiscal, investigações tributárias criminais, uso efetivo de trocas automáticas para fins fiscais (AEOI), tributação sobre indústrias extrativas, tributação e meio ambiente, e digitalização das administrações tributárias.
Sob os efeitos do Covid-19, atestou-se a predileção das administrações anfitriãs e parceiras por abordagens combinadas (remotas e in loco) à capacitação, observando que a confidencialidade das trocas permanece primordial e o suporte anonimizado nem sempre traz resultados mais interessantes.
O Secretariado do TIWB, num aspecto programático, tem acompanhado os especialistas à otimização de seus trabalhos, o que inclui programas de mentoria (convertendo servidores locais em mentores de seus pares), módulos de e-learning aos experts (ainda em desenvolvimento), e aprimorados sistemas de monitoramento e avalição (resultados quantitativos e qualitativos), com o objetivo de tornar mais robustas as estruturas adotadas e de permitir que os programas sejam disponibilizados em larga escala. Ademais, louvou-se a ampliação dos quadros de especialistas do TIWB, contemplando equilíbrios regionais e participação feminina.
Particularmente quanto às contribuições do Programa de Desenvolvimento da ONU (PNUD), alguns exemplos foram enunciados, na oferta de suporte de acesso ao TIWB (Serra Leoa e Líbano), de tecnologia para soluções digitais (Egito e Camboja) e de intérpretes e estudiosos de burocracia (Cabo Verde e Butão), bem como consolidando sinergias à cooperação e parcerias (Uganda e El Salvador) e fomentando culturas de longo prazo (Maldivas e Butão). De nota, igualmente, a estratégia de engajamento do PNUD, para conectar o trabalho do TIWB com resultados de desenvolvimento sob os ODS da ONU, ampliando a relevância da presença dos escritórios in loco do próprio PNUD, complementando os esforços do TIWB.
Para o futuro próximo, e concluindo o núcleo do evidenciado, foram apresentados os próximos passos: i) dar início a novos programas do TIWB, chegando à marca de 100; ii) retomar missões in loco a partir de 2022; iii) lançar programas relativos a investigações tributárias de caráter criminal; iv) disponibilizar ao menos três programas-pilotos de trocas automáticas de informações para fins fiscais até o final de 2022; v) fortalecer a cooperação Sul-Sul; vi) explorar novas áreas técnicas e implementar programas-pilotos em matéria de digitalização das administrações tributárias e de tributação e meio ambiente; vii) inaugurar novos programas de mentoria com foco na participação feminina; viii) providenciar assistência técnica a países em desenvolvimento no tocante ao Pilar Dois, sob seu novo regramento.
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1 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8BAJ37D7LQ4. Acesso em 26 jan. 2022.
2 Disponível em: http://www.tiwb.org/resources/reports-case-studies/tax-inspectors-without-borders-annual-report-2021.pdf. Acesso em 26 jan. 2022.
3 A lista completa de programas concluídos, em andamento e previstos está disponível em: http://www.tiwb.org/programmes/. Acesso em 26 jan. 2022.
4 Cf. https://www.oecd.org/tax/beps/brochure-two-pillar-solution-to-address-the-tax-challenges-arising-from-the-digitalisation-of-the-economy-october-2021.pdf. Acesso em 26 jan. 2022.
5 Lista de países que manifestaram, desde outubro de 2021, seu interesse em aderir à solução disponível em: https://www.oecd.org/tax/beps/oecd-g20-inclusive-framework-members-joining-statement-on-two-pillar-solution-to-address-tax-challenges-arising-from-digitalisation-october-2021.pdf. Acesso em 26 jan. 2022.
6 Lista de membros do OECD/G20 Inclusive Framework on BEPS disponível em: https://www.oecd.org/tax/beps/inclusive-framework-on-beps-composition.pdf. Acesso em 26 jan. 2022.
7 Relembrando que o Pilar Um efetivará uma distribuição mais justa dos lucros pelo mundo, realocando certos direitos de tributar (multinacionais e grandes grupos econômicos) de seus países de origem para os mercados onde de fato possuam atividades comerciais e obtenham lucros, independentemente de presença física nesses mercados. Empresas com vendas globais acima de EUR 20 bilhões e rentabilidade superior a 10% serão abrangidas pelas novas regras, com 25% do lucro acima do limite de 10% a serem realocados para as jurisdições-mercado (os mais de USD 125 bilhões supramencionados, a cada ano) - espera-se que os ganhos em receita dos países em desenvolvimento sejam superiores aos das economias mais avançadas, como proporção das receitas existentes. O Pilar Dois introduz uma alíquota mínima global de imposto sobre empresas com faturamento acima de EUR 750 milhões (os cerca de USD 150 bilhões citados, a cada ano). Outros benefícios também surgirão com a estabilização do sistema tributário internacional e com o aumento da segurança jurídico-tributária para contribuintes e administrações tributárias. Vale notar que os países pretendem assinar uma convenção multilateral em 2022, com implementação efetiva para 2023. Tal convenção já está em elaboração, e será o veículo à implementação do acordado sob o Pilar Um, bem como para as disposições de suspensão e remoção em relação a todos os tributos sobre serviços digitais existentes e outras medidas unilaterais semelhantes relevantes, garantindo maior segurança jurídica e aliviando tensões. À Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico caberá desenvolver regras-modelo para trazer o acertado sob o Pilar Dois para as legislações nacionais durante 2022, para vigorar em 2023. Ademais, a OCDE certificará que as regras possam ser administradas de maneira eficaz e eficiente, oferecendo também apoio abrangente ao desenvolvimento de capacidades das jurisdições que de auxílio necessitem.
8 Que conta com o apoio de Finlândia e Noruega.