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A vedação constitucional da auto-acusação nos crimes contra a ordem tributária

O fisco federal ao proceder o levantamento de provas visando a autuação fiscal, através da lavratura de auto de infração dos contribuintes, elabora com base na Portaria SRF nº 2.752/01, um relatório fiscal, onde apresenta ao representante do Ministério Público o modus operandi do contribuinte autuado, que segundo o fisco, de maneira ardilosa tentou sonegar tributos, muitas vezes utilizando-se para tal afirmação, da quebra do sigilo bancário e fiscal, que normalmente são comparados com a declaração de renda daquele contribuinte, no intuito de fortalecer o embasamento para oferecimento de denuncia por parte do MP quanto à sonegação fiscal.

26/2/2007


A vedação constitucional da auto-acusação nos crimes contra a ordem tributária

Erik Bezerra*

O fisco federal ao proceder o levantamento de provas visando a autuação fiscal, através da lavratura de auto de infração dos contribuintes, elabora com base na Portaria SRF nº 2.752/01 (clique aqui), um relatório fiscal, onde apresenta ao representante do Ministério Público o modus operandi do contribuinte autuado, que segundo o fisco, de maneira ardilosa tentou sonegar tributos, muitas vezes utilizando-se para tal afirmação, da quebra do sigilo bancário e fiscal, que normalmente são comparados com a declaração de renda daquele contribuinte, no intuito de fortalecer o embasamento para oferecimento de denuncia por parte do MP quanto à sonegação fiscal.

Ao realizar tal relatório e enviar o mesmo para o MP, visando fornecer o embasamento para o oferecimento de denuncia por suposto crime previsto na Lei nº 8.137/90 (clique aqui), que define os crimes contra a ordem tributária, onde o representante do MP normalmente descreve de forma genérica tal conduta e que com base naquele relatório recebido, não chega a individualizar a conduta típica do contribuinte acusado, conforme determina expressamente o Código de Processo Penal  Brasileiro (clique aqui), inclusive, já existindo decisões por parte do Superior Tribunal de Justiça, através da sua 6ª Turma, exemplificado em julgado da Relatoria do Min. Hamilton Carvalhido, HC nº 28.002 - PE, que entende não poder o MP oferecer denuncia contra contribuinte estando à mesma lastreada exclusivamente em tal relatório fiscal, obtendo o fisco, claramente, que o órgão ministerial se subsuma á função de cobrador oficial de débitos tributários, não se ajustando, portanto, ao estatuto de validade (Código de Processo Penal, artigo 41), induvidosamente insuficientes para imputação de fato-crime a quem quer que seja.

Dentre várias formas de auto–acusação, utilizadas pelo MP nas denuncias inseridas no contexto penal tributário, destaca-se, exemplificamente, a Declaração do IR, em confronto com os extratos bancários ou através de sinais exteriores de riqueza, onde o contribuinte deixa de declarar um aumento financeiro ou patrimonial, sequer a origem de tal aumento, onde o mesmo deixa de informar ao fisco tal acréscimo em bens ou <_st13a_personname w:st="on" productid="em dinheiro. Acontece">em dinheiro. Acontece, porém, que ao ter o relatório em mãos e antes da denúncia, o MP deixa de observar que o Contribuinte não tem o dever jurídico de declarar qualquer acréscimo patrimonial ou financeiro ao fisco, pois, caso contrário, dar-se-ia a auto-acusação, o que não é permitido no nosso ordenamento jurídico pátrio.

Nesse sentido, mais uma vez, o Superior Tribunal de Justiça por sua 6ª Turma, tendo como Relator o Ministro Nilson Naves, HC nº 55.217 – RR, que de forma extremamente técnica demonstrou o alcance da aplicação proibitiva da auto-acusação, demonstra em uma decisão, quando do julgamento do referido HC, que restou assim ementado: "Crime contra a ordem tributária (não configuração). Denuncia (imperfeição material). Exposição dos fatos (defeito). Subsunção do fato à norma (não-ocorrência). Ação Penal (não–prosseguimento). (...) 4. Se admitido fosse que a paciente tinha, em seu poder, as quantias alegadas, não era dever jurídico seu declará-las às autoridades fazendárias. Esse proceder implicaria, de um lado, a auto-acusação;(...)”, onde foi concedida a Ordem por unanimidade, a aplicabilidade de norma proibitiva da auto-acusação.

Restando assim caracterizado, que o principio constitucional que veda a auto-acusação deve ser respeitado pelo órgão ministerial quando do oferecimento de denuncia, para não causar ao contribuinte-cidadão o constrangimento de responder uma ação penal. A nossa Constituição Federal (clique aqui) em seu art. 5º, inciso LXIII, determinou que toda pessoa acusada ou presa, será informada de seus direitos e de que poderá permanecer calada, sem que seu silêncio seja entendido como confissão, tal inciso constitucional é oriundo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, onde em seu art. 8º, §2º, prevê o direito de que toda pessoa acusada de delito não pode ser obrigada a depor contra si mesma, nem de declarar-se culpada.

Daí abstraí-se, que esse conjunto de normas garantem ao contribuinte acusado, o direito ao silencio puro, isto é, o dever jurídico de não declarar o ilícito, bem como, o direito de prestar declarações falsas e inverídicas, sem que por elas possa ser responsabilizado, já que conforme bem disse o constitucionalista Alexandre de Moraes1, não se conhece em nosso ordenamento jurídico o crime de perjúrio, e ainda mais, o silencio do réu no interrogatório jamais poderá ser considerado como confissão ficta (RJDTACrim, 25/173), pois o silencio não pode ser interpretado em desfavor do acusado (STJ – Ementário STJ, nº10/671;RJDTACrim 28/215).

A Expressão preso inserta na Constituição Federal, segundo Alexandre de Moraes2, não foi utilizada pelo texto constitucional em seu sentido técnico, pois, o presente direito tem como titulares todos aqueles acusados ou futuros acusados (por exemplo:testemunhas, vítimas), que possam eventualmente ser processados ou punidos em virtude de suas próprias declarações, portanto, mais uma vez extraí-se que o contribuinte não tem o dever jurídico de declarar algo que possivelmente teria origem desconhecida, provenientes ou não de ilícitos, já que não seria permitido constitucionalmente sua auto-acusação.

O jurista Antonio Magalhães Gomes Filho3, assevera que “o direito à não auto-incriminação, constitui uma barreira intransponível ao direito à prova de acusação; sua denegação, sob qualquer disfarce, representará um indesejável retorno às formas mais abomináveis da repressão, comprometendo o caráter ético político do processo e a própria correção no exercício da função jurisdicional”.

Portanto, torna-se necessário por todos que vivenciam as mais diversas formas de imputação penal tributária, atentar-se para o principio constitucional que veda a auto-acusação, onde o contribuinte encontra-se em posição manifestamente desfavorável e muitas vezes passando por constrangimentos desnecessários em virtude do desrespeito ao preceito inserido constitucionalmente.

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1Constituiçao do Brasil Interpretada e legislaçao constitucional, 3ª Ed., editora Atlas, 2003, pág. 400.

2Obra Citada, pag. 401.

3Direito à prova no processo penal, Sao Paulo, Ed. RT, 1997.

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*Advogado do escritório Erik Bezerra Advogados




 

 

 

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