O ano é 2022, existem veículos elétricos circulando e abastecendo livremente, carros, utilitários e caminhões não tripulados1, UBER e outros aplicativos operando, há até notícia de robôs2 abastecendo veículos na sem qualquer intervenção humana (China), e os brasileiros ainda abastecem seus veículos “olhando pelo retrovisor”, da mesma forma como faziam no século passado. Exclusivamente devido à burocracia e vedação imposta por uma lei antiquada.
Existem diversas leis obsoletas que barram inovações tecnológicas, desenvolvimento econômico e social, e um exemplo grotesco pode ser encontrado no setor de venda de combustíveis à varejo, onde art. 1º da lei 9.956/003 estabelece que: “Fica proibido o funcionamento de bombas de auto-serviço operadas pelo próprio consumidor nos postos de abastecimento de combustíveis, em todo o território nacional.”.
E esta proibição afronta a Constituição Federal, que consagra e protege a inovação como instrumento de desenvolvimento econômico e social - devendo ser incentivada e garantida pelo Estado em seus diversos níveis, e também contraria outras normas, como a Lei de Inovação Tecnológica4 e a Lei da Declaração do Direito à liberdade Econômica5.
Vale destacar que inovação não é um conceito aberto, tendo sido definida pelo art. 64, inc. I, da Lei Complementar 123/066, abrangendo produtos ou processos que impliquem melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade e produtividade.
Logo, sendo o art. 1º da lei 9.956/00 completamente incompatível com a Constituição, e também com as demais legislações, todas posteriores, impõe-se o imediato reconhecimento de sua revogação (ou ‘inconstitucionalidade superveniente’), ou prejuízos ainda maiores serão suportados pela nossa sociedade.
O próprio Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a relevância da proteção à inovação, ponderando que "o Tribunal não pode se furtar a abarcar situações novas, consequências concretas do mundo real, com base em premissas jurídicas que não são mais totalmente corretas", vez que "o apego a tais diretrizes jurídicas acaba por enfraquecer o texto constitucional, pois não permite que a abertura dos dispositivos da Constituição possa se adaptar aos novos tempos, antes imprevisíveis" em voto do ministro Gilmar Mendes, na ADI-MC 1945, Pleno, 26/5/2011).
Defender esses comandos constitucionais e legais é fundamental para que compreendamos que sem inovação não haverá desenvolvimento econômico e social no ritmo necessário, que são objetivos fundamentais da República (art. 3o, inc. II, CF)7, e, evidentemente, com essa indevida intervenção estatal haverá prejuízo ao desenvolvimento e obstáculos ao progresso (art. 4o, inc. IV e inc. IX, CF)8.
Com efeito, o art. 1º da lei 9.956/00 expressamente proíbe o consumidor de optar pelo autosserviço nos postos de abastecimento, cerceando o direito de escolha, e impondo à população um ônus financeiro desnecessário, pois o produto/combustível, na bomba de abastecimento, acaba tendo seu preço majorado pelo impacto da ineficiência e atraso tecnológico.
O principal custo é representado pela folha de salários e encargos sociais/tributários dos frentistas, que poderiam ou não estar ali (dependendo do modelo de negócio a ser seguido por cada empreendimento), em mais dessas situações absurdas de intervenção estatal na economia, que não se sabe como foram criadas, e por qual razão ainda subsistem.
Em regiões onde há pleno emprego, como é o caso dos estados do Sul do país, por exemplo, inclusive, há relatos de dificuldade das empresas na contratação desses profissionais, que preferem optam por outras carreiras, que lhes garantam outras perspectivas, como a oportunidade de qualificação técnica e remuneração mais atrativa.
Com o avanço tecnológico oportunizado pela inovação, a criação de novos modelos de negócios para os postos, e o surgimento de demanda por equipamentos e softwares, serão criados novos postos de trabalho/emprego, com maior remuneração e qualificação, fazendo com que um ciclo virtuoso de desenvolvimento se concretize. Esse é o objetivo!
Estima-se que o impacto financeiro deste “atraso” gire em torno de 0,10 a 0,15, por litro, dependendo da estrutura e volume comercializado por cada posto (há um estudo do DIEESE/2019 que aponta o valor médio de R$ 0,12), e isso impacta não apenas o bolso dos proprietários de veículos, mas chega a alcançar toda a sociedade que adquire bens de consumo em geral que são preponderantemente transportados através de rodovias – com a utilização desses combustíveis (abastecidos de maneira mais onerosa).
Entretanto, o dano causado à nação é maior, indo além para violentar o exercício do direito/liberdade de escolha dos consumidores, para impedir o avanço da inovação do setor, cercear o desenvolvimento de novas tecnologia, empresas e negócios em território nacional (fornecimento de equipamentos, software, consultorias, etc), desestimular o desenvolvimento de novas funções/atividades profissionais de maior remuneração e qualificação (técnicos dos equipamentos, programadores, consultores de atendimentos dentre outros), e, também, deixar de viabilizar novos modelos de negócios inovadores e seguros.
Na prática, aqueles cidadãos que têm condições de adquirir veículos elétricos, ou híbridos, possuem liberdade para fazer o autosserviço de abastecimento, em suas residências ou em locais públicos (Resolução nº 819/2018 da ANEEL)9, sem qualquer restrição legal ou custo adicional, enquanto a esmagadora maioria da população brasileira é obrigada a optar pelo modelo que existe desde o século passado, mais caro e ineficiente, sem que haja qualquer argumento plausível para que assim continue (e até mesmo em lei de vigência duvidosa).
O descompasso é tão absurdo, entre o abastecimento atual/antiquado e o dos veículos elétricos, que a resolução 819/18 da ANEEL chega a permitir a recarga de veículos elétricos de propriedade distinta do titular da unidade consumidora, inclusive para fins de exploração comercial a preços livremente negociados (art. 9º).
Qual o motivo que justifica tamanha diferença de tratamento?
E mais, o pagador de impostos brasileiro ainda suporta o custo previdenciário decorrente da aposentadoria especial desses profissionais (frentistas) - em condições mais vantajosas que os trabalhadores em geral, por exposição frequente e constante ao benzeno (existente em pequena proporção na composição da gasolina), impondo um novo custo para o sistema, que novamente é pago pelo cidadão através de seus tributos, e pelas empresas através da majoração do Fator Acidentário de Prevenção (FAP/NTEP), dentre outras consequências de natureza trabalhista e tributária.
E tudo isso, vale destacar, no fim das contas, é pago pelo consumidor vez que tais custos são integralmente repassados para o preço do produto.
A inovação gera novas oportunidades, avanços, conforme pôde ser acompanhado no setor bancário, ou alguém questiona os benefícios trazidos pelos terminais de autoatendimento ou caixas eletrônicos? Supermercados estão automatizando os caixas, empresas de transporte estão implantando bilhetagem eletrônica, as polícias estão se valendo da tecnologia para monitoramento das cidades, dentre outros tantos avanços observados em outras áreas da vida moderna.
Cabe registrar também que o sistema de autosserviço é amplamente utilizado por países desenvolvidos, estando a tecnologia totalmente disponível para implementação imediata, de forma segura, confiável e funcional. Nos EUA, por exemplo, existem registros de sua utilização desde a década de 1950, portanto, há mais de meio século, com eficiência e confiabilidade.
Victor Hugo, renomado inventor, buscando motivar a perseguir o novo, com destemor e obstinação, disse que "Nada é mais poderoso do que a ideia cujo tempo chegou". E o tempo da inovação neste setor chegou há muito tempo... E não devemos ignorá-lo em nome do descaso, de interesses obscuros ou até mesquinhos.
Outro fator a considerar é a recomendação do próprio Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)10, que divulgou um estudo com nove propostas para aumentar a concorrência no setor de combustíveis e por consequência, reduzir os preços ao consumidor final, listando o autosserviço, com uma das mais relevantes.
Essa prática, indiscutivelmente dota o consumidor de maior poder de escolha entre abastecer (pessoalmente), ou optar por posto com serviço de frentistas (direito de escolha).
Qual o motivo, portanto, para impedir que o autosserviço possa ser oferecido como alternativa à população brasileira, com preços mais vantajosos e tecnologia? Repita-se, seria uma opção, uma alternativa ao atual modelo, fazendo com que o mercado defina o que prefere (preço menor e agilidade, ou a comodidade do serviço tradicional).
Como visto, portanto, o direito à inovação é garantido pela Constituição Federal para proteção e evolução da geração presente e futuras, e a sua concretização deve ser priorizada e perseguida incessantemente por todos para que possamos, assim, amenizar as diferenças de um País ainda tão desigual, e, por consequência, toda legislação antiquada que a impeça, ou crie embaraços irrazoáveis, merece ser declarada revogada ou inconstitucional.
Por fim, destacamos que o presente artigo não esgota o tema, mas apenas busca apresentar alguns elementos capazes de ensejar a avaliação do público, assim como o reconhecimento judicial de que a vedação ao autosserviço estabelecida pelo art. 1º da Lei n. 9.956/2000 não subsiste (revogada) após as alterações legislativas promovidas pela Lei de Inovação (Lei nº 10.973/2004 - art. 2º, inc. IV, art. 3º e Parágrafo Único e art. 19) e pela Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.974/2019 - art. 1º, §2º e §4º, art. 3º, inc. IV, art. 4º, inc. I, IV, V e VI), e especialmente, pela edição da Emenda Complementar n 85/2015 (art. 23, inc. V, art. 24, inc. IX, art. 213, § 2º, art. 218, art. 219 e art. 219-A), além de outros dispositivos da Constituição Federal (art. 1º, inc. IV, art. 170 e art. 174).
Sigamos trabalhando e olhando para o futuro com inspiração e coragem, em busca de inovação para gerar eficiência, economia, diminuir desigualdades e alcançar mais desenvolvimento econômico e social, transforando essa evolução em uma revolução positiva na vida das pessoas.
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1 https://quatrorodas.abril.com.br/carros-eletricos/honda-cria-veiculo-autonomo-e-eletrico-feito-para-o-trabalho-pesado/
2 https://quatrorodas.abril.com.br/noticias/china-inaugura-posto-com-frentista-robo-e-abastecimento-100-autonomo/
3 Lei nº 9.956/2000: “Art. 1o Fica proibido o funcionamento de bombas de auto-serviço operadas pelo próprio consumidor nos postos de abastecimento de combustíveis, em todo o território nacional.
Art. 2o O descumprimento do disposto nesta Lei implicará aplicação de multa equivalente a duas mil UFIR ao posto de combustível infrator e à distribuidora à qual o posto estiver vinculado.
Parágrafo único. A reincidência no descumprimento desta Lei implicará o pagamento do dobro do valor da multa estabelecida no caput deste artigo, e, em caso de constatação do terceiro descumprimento, no fechamento do posto.
Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 12 de janeiro de 2000; 179o da Independência e 112o da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Rodolpho Tourinho Neto”
4 Lei nº 10.973/2004;
6 LC nº 85/2015: “Art. 64. Para os efeitos desta Lei Complementar considera-se:
I - inovação: a concepção de um novo produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade ou produtividade, resultando em maior competitividade no mercado;”
7 CF: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;”
8 CF: “Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:[...]
IV - não-intervenção;[...]
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;”
9 https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/28737289/do1-2018-07-05-resolucao-normativa-n-819-de-19-de-junho-de-2018-28737273
10 “Repensando o setor de combustíveis: medidas pró-concorrência”, publicação organizada pelo Departamento de Estudos Econômicos da autarquia (DEE/Cade), em colaboração com a Superintendência–Geral (SG/Cade).