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A resolução 59 da CVM e as informações ASG das companhias abertas

A partir da entrada em vigor das alterações operadas nas Instruções CVM 480 e 481/09 será preciso que os relatórios ASG sejam elaborados com maior profundidade, fundados em metodologias claras e harmônicas.

26/1/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

A partir de janeiro de 2023, entrará em vigor a Resolução 59 da Comissão de Valores Mobiliários - CVM, publicada em 22/12/21, que alterou significativamente as Instruções CVM 480 e 481/09, relativas aos mercados regulamentados de valores mobiliários, com vistas à redução do custo de observância regulatória e à uniformização de informações sobre aspectos ambientais, sociais e de governança coorporativa, tripé da política ASG ou ESG, na sigla em inglês.

Particularmente, em relação às práticas ESG, em moda no setor privado, a nova resolução reforça a importância de as companhias abertas prestarem informações ambientais em seus respectivos formulários de referência, disponibilizados anualmente ao mercado, no âmbito dos quais são reunidos, dentre outros, dados sobre as atividades desempenhadas, a administração e fatores de risco a elas inerentes. O objetivo desses formulários de referência é possibilitar aos investidores e ao mercado a adoção de decisões mais seguras sobre investimentos e alocação de recursos, inclusive no que toca aos riscos que poderão impactá-los.

A alteração regulatória, mirando nos possíveis impactos financeiros decorrentes da assunção de riscos ambientais e a presença cada vez maior de investidores que buscam aplicar em projetos e atividades que promovam benefícios ao meio ambiente, encerra inegável avanço à disposição do mercado para uma análise aprofundada das temáticas mais em evidência na agenda positiva das corporações.

As mudanças ocorrem num cenário de evidente fortalecimento das referidas práticas ESG que, a nosso ver, se referem a novos processos e procedimentos a serem estruturados pelas empresas, em busca da longevidade e do lucro, que passam a ser lastreados no atendimento a finalidades éticas, sociais e ambientais, relacionadas com seu core business (propósitos), eleitos por meio de uma interação dinâmica e escuta ativa com as sociedades nas quais estão inseridas. Tais finalidades, materializadas por meio de entregas positivas, devem ser alcançadas por séria governança, tanto no âmbito interno como externo.

A tendência de escrutinar as questões ambientais relevantes à operação das atividades econômicas já está consolidada no contexto internacional por meio de acordos empresariais como o Pacto Global e os Princípios para Investimentos Responsáveis e no âmbito europeu pela Diretiva 2013/34/EU, sobre a divulgação das demonstrações financeiras e relatórios conexos, e do Regulamento 2020/852, que visa promover o investimento sustentável.

Nesse contexto, a transparência e o detalhamento das informações ambientais, inclusive com a possibilidade de inclusão de comentários dos gestores sobre elas, têm o condão de minimizar a prática do chamado greenwashing, que pode ser caracterizado como uma maquiagem das práticas ambientais com o escopo de supervalorar, camuflar e até omitir as condutas de empresas em relação aos riscos e impactos positivos e/ou negativos de suas atividades sobre o meio ambiente.

Pertinente, portanto, a preocupação da norma quanto à previsão de obrigar aos que optarem por não divulgar seus relatórios de ESG, a indicarem, nos Formulários de Referência, as razões de tal decisão.

Nesse passo, a Resolução fortalece a importância dos chamados Relatórios ASG, que deverão ser elaborados em conformidade com uma metodologia clara e padronizada, que possibilite a verificação de como os impactos sociais e ambientais, positivos e negativos, são considerados na matriz de materialidade da atividade empresarial, ressaltando, de certo modo, a importância de as informações serem apresentadas de forma didática e condizente com a realidade.

Além disso, há previsão (Anexo A/item 1.9.) de que seja informado se o Relatório ASG foi ou não auditado por entidade independente. Tal validação, que já merecia guarida na antiga redação da Resolução CVM 480/2009, confirma a intenção de se evitar a minimização dos riscos sociais, ambientais e de governança, bem como de se buscar uma harmonia metodológica no formato das informações ofertadas que deverão ser compreendidas por todos os stakeholders. A necessidade de harmonização é verificada também pelos pedidos de informações acerca da observância, pelos Relatórios, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela ONU e as recomendações divulgadas pela Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas às Mudanças Climáticas (TCFD).

O valor dos impactos ASG positivos e a importância da temática no desenvolvimento das atividades econômicas também merece destaque no Anexo 24 da Resolução 59, ao dispor acerca do fornecimento de informações sobre os indicadores de desempenho sociais, ambientais e de governança e sua respectiva relevância na condução dos negócios empresariais. Com efeito, é por meio dos indicadores ambientais, que se verifica se a gestão e o desenvolvimento das atividades das companhias estão atrelados à redução de impactos sociais e ambientais e à ampliação, quando for o caso, das práticas que geram efeitos positivos quanto a ambos os aspectos.

Desse modo, a partir da entrada em vigor das alterações operadas nas Instruções CVM 480 e 481/2009 será preciso que os Relatórios ASG sejam elaborados com maior profundidade, fundados em metodologias claras e harmônicas, referendados por auditorias externas, em ordem a possibilitar uma avaliação concreta, pelos investidores, da influência das temáticas ambientais, sociais e de governança na condução dos projetos das empresas que pretendem alocar recursos.

As alterações promovidas pela CVM, escoradas em consulta pública (Audiência Pública 9/20), poderão contribuir para uma maior transparência das práticas adotadas pelas companhias, com boa dose de padronização.

Roberta Jardim de Morais
Leading Lawyer do Milaré Advogados. Pós-Doutora em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Mestre em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Pós-Graduada em Diritto Del Commercio Internazionale pelo Instituto Universitario Europeo - Torino, Itália.

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