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Marco regulatório dos jogos de azar e a lavagem de dinheiro

Apesar das práticas de jogos de azar atraírem o olhar daqueles que pretendem usar uma estrutura lucrativa para a prática de crimes financeiros, isto não é, por si só, motivo para desconsiderar qualquer ideia que vise a sua regulamentação, sendo necessário apenas que se de especial atenção às políticas de prevenção ao uso de atividades lucrativas para a prática de crimes.

24/1/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Há muito se sabe que os jogos de azar são uma prática socialmente nociva em diversos aspectos, sobretudo quando analisados sob o viés criminológico, na medida em que acarreta vícios por parte dos jogadores, além de estar comumente ligados a diversas práticas criminosas como o porte de armas, ameaça, prostituição e corrupção ativa.

Todavia, há um viés que se impõe quando os jogos de azar são analisados sob o ponto de vista econômico:  eles são, de fato, uma atividade econômica que movimenta enormes somas de dinheiro, de forma que, inevitavelmente, tem um grande impacto financeiro na sociedade.

Inclusive, sob este ponto de vista, é possível que se afirme que os efeitos deletérios ligados à existência dos jogos de azar são, em grande medida, ligados à sua proibição pela legislação brasileira, que veda a existência de cassinos, maquinas caça-niqueis e jogo do bicho.

Nesta linha, há iniciativas legislativas para regulamentar a prática dos jogos de azar no Brasil, apoiando-se na ideia de que, por ser uma atividade econômica extremamente lucrativa e de grande impacto financeiro, poderá gerar empregos e, além disto, aumentar a receita do Estado com a arrecadação de tributos.

Desta forma, dentre as iniciativas legislativas mencionadas, destaca-se o Projeto de Lei nº 442/91 – contando com diversos apensos -, conhecido como Marco Regulatório dos Jogos de Azar, que pretende liberar a instalação de cassinos, jogo do bicho, bingo, apostas e outras jogatinas em território nacional.

Todavia, um dos pontos de desacordo com a liberação dos jogos de azar é, exatamente, a capacidade de movimentação de grandes quantias em um negócio lícito, o que atrai, consideravelmente, a prática de lavagem de capitais.

Isto porque negócios lícitos que movem elevadas cifras de dinheiro são uma ótima forma de criminosos ocultarem a origem de seus ativos ilícitos através, por exemplo, de investimentos cujas aplicações são feitas com dinheiro sujo em negócios lícitos, cujo lucro será repartido com os investidores.

Pode-se citar também, de forma mais elucidativa, uma conduta típica de lavagem de capitais em que determinado agente, com uma grande quantia de capital sujo, instala um cassino utilizando-se deste capital escuso, fazendo com que o seu dinheiro seja lavado com o próprio lucro do negócio.

Apesar disto, o projeto de lei mencionado traz uma proposta de solução para mitigar o risco de lavagem de capitais no âmbito de cassinos, a qual entendemos ser demasiadamente questionável e ineficaz.

Trata-se do sistema cashless (sem cédula) - muito utilizado em parques e diversos outros centros de entretenimento – que visa, basicamente, impedir a circulação de dinheiro no interior do estabelecimento, através da compra de tickets de consumo, uma espécie de “vale” para uso nas atrações do local.

Não obstante, isto não parece ser eficaz para a prevenção da lavagem de capitais, sobretudo em locais com grande concentração de capital, tendo em vista que – apesar de pretender vincular a criação de cada cadastro a um número de CPF - nada impede, por exemplo, a criação de jogadores fantasmas, com gastos fictícios apenas para justificar a entrada de capital no estabelecimento e possibilitar a lavagem.

É importante que se acrescente que a pretensão de vincular cada cadastro a um número de CPF não impediria a criação de jogadores fantasmas, tendo em vista que a sua eficácia dependeria de um sistema de verificação de validade do CPF informado, sendo um ato de boa fé que não se espera em um estabelecimento voltado para a lavagem de dinheiro.

Noutro aspecto, é importante mencionar que há (provavelmente) infinitas formas de lavar dinheiro, razão pela qual é natural que, ao se “apertar” um dos caminhos da prática, surjam outros, podendo-se notar a intenção do legislador ao tentar coibir a prática criminosa e evitar que a liberação dos jogos de azar crie verdadeiros redutos da lavagem de capitais.

Esta é a razão pela qual, inclusive, faz-se importante que existam programas de compliance bem estruturados no interior das empresas que exploram os jogos de azar, tendo em vista que a prática de tal tipo criminoso com o uso da estrutura de entretenimento não é vantajosa para os proprietários pois, além das onerosas multas previstas nas legislações cíveis, o projeto de lei prevê a aplicação do dobro da pena ao crime de lavagem de capitais (Lei nº 9.613/98) com o auxílio da exploração dos jogos de azar e apostas, além da criação de tipos penais específicos.

De todo o exposto, observa-se que, apesar das práticas de jogos de azar atraírem o olhar daqueles que pretendem usar uma estrutura lucrativa para a prática de crimes financeiros, isto não é, por si só, motivo para desconsiderar qualquer ideia que vise a sua regulamentação, sendo necessário apenas que se de especial atenção às políticas de prevenção ao uso de atividades lucrativas para a prática de crimes.

Leonardo Tajaribe Jr.
Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM). E-mail: leonardotajaribeadv@outlook.com

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