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Breves comentários à lei 14.301/22 (“BR do Mar”)

Parece que a nova lei realmente cumprirá com os seus objetivos e diretrizes dispostos em seus arts. 1º e 2º, principalmente no que diz respeito à ampliação de oferta e melhora na qualidade do transporte por cabotagem.

10/1/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

1. Introdução

No dia 7 de janeiro de 2022, foi publicada no Diário Oficial da União a lei 14.301/22, que institui o Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem (“BR do Mar”).1 A cabotagem consiste no transporte marítimo entre portos, representando uma alternativa para o transporte de cargas (como petróleo, granel, contêineres etc.).

Como se sabe, o transporte rodoviário – que possui como vantagem a capilaridade – é predominante no Brasil, correspondendo a 65% dos modais, de acordo com levantamento do Plano Nacional de Logística.2 Conforme o mesmo estudo, a cabotagem é responsável por apenas 11% do transporte de cargas, número baixo comparado à extensão da costa brasileira.

Considerando os riscos de acidentes em longos trechos de transporte rodoviário e as consequências causadas pelas cada vez mais frequentes greves dos caminhoneiros, é crescente o entendimento de que um país de dimensão continental, como o Brasil, não pode ser tão dependente de um único modal.

É neste contexto que o Governo Federal enviou a proposta do projeto de lei ao Congresso em 2020 e, após muitas discussões (inclusive entre o Ministério da Infraestrutura e o Ministério da Economia), foi aprovada a lei que tem muito a contribuir para o desenvolvimento nacional. 

2. Afinal, o que muda?

Os incisos do art. 1º da lei 14.301/22 estabelecem seus objetivos.3 As diretrizes elencadas nos incisos do art. 2º demonstram o cuidado com o equilíbrio da matriz logística brasileira, a segurança nacional, o desenvolvimento sustentável, o incentivo ao investimento privado, entre outros importantes elementos.

Para a habilitação de empresas, a autorização se dará por ato do Ministro da Infraestrutura e será realizada na forma disciplinada em regulamento próprio (art. 3º, § 2º e 4º, da Lei 14.301/22).

Uma das principais mudanças decorrentes da lei é a retirada da necessidade de bandeira brasileira das embarcações que realizem a cabotagem (art. 5º, caput, da Lei 14.301/2022). Ou seja, com a entrada em vigor da lei, se torna possível o afretamento a casco nu de embarcação estrangeira. De maneira mais coloquial, pode-se dizer que deixa de ser necessária a contratação de estaleiros nacionais para a construção das embarcações e passa a ser permitido o “aluguel” de navios estrangeiros vazios para o transporte entre portos.

A mudança é progressiva (art. 19, da lei 14.301/22). Com a alteração da lei 9.432/97, que dispõe sobre a ordenação do transporte aquaviário, “fica autorizado o afretamento de 1 (uma) embarcação estrangeira a casco nu, com suspensão de bandeira, para navegação de cabotagem, independentemente de contrato de construção em eficácia ou de propriedade de embarcação brasileira”. Após um ano, o limite de afretamento é ampliado para duas embarcações. Após dois anos, passam a ser permitidas três embarcações. Decorridos três anos, quatro embarcações. Finalmente, o afretamento a casco nu, com suspensão de bandeira, passa a ser livre após quatro anos.

Com a nova lei, há a permissão para que empresas brasileiras de navegação operem sem frota própria, apenas afretando embarcações a casco nu, nos termos do programa BR do Mar (art. 5º, II, da lei 14.301/22).

Ainda, houve alterações na lei 10.893/04, que dispõe sobre o Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante – AFRMM e o Fundo da Marinha Mercante – FMM (art. 21, da lei 14.301/22). Os recursos do Fundo da Marinha Mercante (“FMM”) poderão ser utilizados para o financiamento de até 90% de obras relacionadas à infraestrutura aquaviária e portuária (art. 26, I, ‘k’, da lei 10.893/04). Tais recursos passam a ser também permitidos para o financiamento referente às embarcações afretadas (art. 26, I, ‘a’, item 2, da lei 10.893/04).

Além da previsão de financiamento do FMM para a jumborização, conversão, modernização ou reparação de embarcação, foi incluída a possibilidade de utilização dos recursos para docagem e manutenção, inclusive preventiva, nos termos do art. 26, I, ‘a’, item 2, da Lei 10.893/04. O mesmo dispositivo alterado prevê a possibilidade de contratação de empresas especializadas, além dos estaleiros brasileiros.

As empresas públicas não dependentes vinculadas ao Ministério da Defesa dispõem de 100% de financiamento do FMM, enquanto as empresas brasileiras ficam limitadas ao financiamento de até 90% dos projetos (art. 26, I, ‘d’ e ‘f’, da Lei 10.893/2004). As empresas estrangeiras passam a poder se beneficiar desse apoio financeiro reembolsável mediante concessão de empréstimo no limite de 80% (art. 26, I, ‘m’, da lei 10.893/04).

A previsão inicial, constante no projeto de lei, de tripulação brasileira mínima nas embarcações estrangeiras foi vetada pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro. A justificativa foi a de “garantir a igualdade de condições concorrenciais no transporte por cabotagem, a fim de estimular a diminuição de seu custo, requisito essencial para fomentar o modal de transporte e atender ao interesse público”.4

Por fim, havia a expectativa de prorrogação até o fim de 2023 do Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (“Reporto”), benefício encerrado em dezembro de 2020 que garantia a isenção de alguns tributos como IPI, PIS/Cofins e a suspensão do Imposto de Importação e do ICMS. No entanto, tal previsão foi vetada após a resistência do Ministério da Economia com o receio de configuração de renúncia de receita sem estimativa do impacto orçamentário/financeiro e das medidas compensatórias. A mesma preocupação resultou no veto da proposta de alteração da alíquota do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). 

3. Conclusão

Diante das alterações promovidas pela nova lei, surge um clima de otimismo em torno dos avanços da infraestrutura brasileira. Após décadas de estagnação do desenvolvimento do modal aquaviário, tal incentivo – especialmente à cabotagem – tende a ser muito benéfico para o transporte de cargas nacional.

Com as disposições brevemente analisadas, parece que a nova lei realmente cumprirá com os seus objetivos e diretrizes dispostos em seus arts. 1º e 2º, principalmente no que diz respeito à ampliação de oferta e melhora na qualidade do transporte por cabotagem, ao incentivo ao investimento privado e à promoção da livre concorrência.

____________

Lei n.º 14.301, de 7 de janeiro de 2022. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.301-de-7-de-janeiro-de-2022-372761122. Acesso em 08.01.22.

Plano Nacional de Logística Integrada (2015 – 2035). Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/camaras-setoriais-tematicas/documentos/camaras-tematicas/infraestrutura-e-logistica/anos-anteriores/plano-nacional-de-logistica-integrada-pnli-51.pdf. Acesso em 08.01.22.

3 I - ampliar a oferta e melhorar a qualidade do transporte por cabotagem; II - incentivar a concorrência e a competitividade na prestação do serviço de transporte por cabotagem; III - ampliar a disponibilidade de frota para a navegação de cabotagem; IV - incentivar a formação, a capacitação e a qualificação de marítimos nacionais; V - estimular o desenvolvimento da indústria naval de cabotagem brasileira; VI - revisar a vinculação das políticas de navegação de cabotagem com as políticas de construção naval; VII - incentivar as operações especiais de cabotagem e os investimentos delas decorrentes em instalações portuárias, para atendimento de cargas em tipo, rota ou mercado ainda não existentes ou consolidados na cabotagem brasileira; e VIII - otimizar o emprego dos recursos oriundos da arrecadação do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM).

Despacho do Presidente da República n.º 9 de 2022. Disponível em in.gov.br/en/web/dou/-/despacho-do-presidente-da-republica-372761032. Acesso em 08.01.22.

Edson Francisco Rocha Neto
Advogado de Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados. Mestrando em Direito na UERJ. Formado pela UFPR. Membro da Dispute Resolution Board Foundation.

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