A redação original da lei de Improbidade Administrativa, de 1992, vedava qualquer espécie de transação, acordo ou conciliação nas Ações de Improbidade. Subjacente a esta vedação, estava a ideia de que o interesse público seria indisponível e que nenhuma forma de solução transacional poderia protegê-lo de forma adequada.
No entanto, os métodos consensuais foram tomando forma e força em outras áreas do direito brasileiro, especialmente no Processo Civil, mostrando seu enorme potencial para solução de conflitos. Aos poucos, no próprio Direito Administrativo, foi sendo observado que soluções transacionadas poderiam não só proteger o interesse público, mas também fazê-lo de forma mais eficiente.
Assim, em 2019, com a lei 13.964, foi revogado o artigo que vedava a utilização dos métodos consensuais nas Ações de Improbidade Administrativa, enunciando a possibilidade do Acordo de Não Persecução Cível. Porém, o instituto permaneceu inoperável, pois todas as disposições referentes ao procedimento para realização do acordo foram vetadas.
A lei 14.230/21 veio para suprir essa falta, dispondo com maior detalhamento sobre o procedimento para realização do Acordo de Não Persecução Cível. Essa inovação legislativa é de grande interesse para todos os envolvidos em Ações de Improbidade Administrativa, inclusive empresas, sócios, acionistas, diretores e colaboradores.
Como funciona o Acordo de Não Persecução Cível
A principal vantagem do acordo é que uma vez homologado e cumprido, fica encerrada a Ação de Improbidade Administrativa e extinta a punibilidade do agente pelos atos de improbidade ali debatidos. A depender do momento em que é entabulado, o acordo pode evitar medidas constritivas de patrimônio e, em geral, implica resolução bem mais célere quando comparado com o curso de uma Ação de Improbidade completa. O acordo, no entanto, é limitado à Ação de Improbidade e não implicará afastamento de eventual responsabilidade cível ou criminal decorrente dos fatos debatidos na ação extinta.
A proposta pode ser oferecida pelo Ministério Público tanto no curso da investigação quanto já durante a Ação de Improbidade ou ainda no momento da execução de sentença condenatória (art. 17-B,§4º). Ao propor o acordo, o Ministério Público avaliará a personalidade do agente, a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do ato, bem como as vantagens de uma solução rápida do caso (art. 17-B, §2º). Dentre as condições estão, obrigatoriamente, o integral ressarcimento do dano e a reversão da vantagem indevidamente obtida (art. 17-B, I e II). O valor do dano será apurado com base em exposição do Tribunal de Contas competente (Art. 17-B, §3º). Outras condições também podem ser negociadas, como a adoção de mecanismos de governança e boas práticas corporativas (art. 17-B, §6º).
Em caso de descumprimento, a lei determina que o agente não poderá entabular novo acordo pelo prazo de 5 anos, contados da data da ciência da violação (art. 17-B, §7º). É possível que, dos termos propostos, decorra ainda alguma outra consequência do inadimplemento, como a imposição de cláusula penal.
Quais são as dificuldades?
Apesar de representar um avanço na normativa referente ao Acordo de Não Persecução Cível, as reformas promovidas pela lei 14.230/21 ainda não esclarecem pontos relevantes que podem influenciar o grau de interesse dos agentes privados no acordo. Na ausência de previsão legal que aponte melhor esses pontos, multiplicam-se as portarias e orientações internas nos mais variados órgãos públicos, como o Ministério Público dos estados e Federal, e ainda a Advocacia Geral dos estados e da União.
Essa diversidade de orientações não promove a difusão do acordo, mas acaba reduzindo a previsibilidade e segurança jurídica do pactuado. Pode-se inclusive levantar dúvidas sobre a competência desses órgãos internos para regulamentar a matéria, como ocorreu no caso da Resolução 181 do Conselho Nacional do Ministério Público sobre o equivalente penal do acordo cível.
Ilustrativamente, um dos pontos que pode concretamente influenciar o grau de interesse dos agentes privados na realização do acordo é o requisito da confissão expressa. Não está previsto na lei de Improbidade Administrativa que o agente deve confessar a prática dos atos de improbidade para acessar o Acordo de Não Persecução Cível. Mas é possível condicionar o acordo à admissão da participação em atos de improbidade? O questionamento surge na medida em que o equivalente penal ao acordo cível exige, expressamente, a confissão do agente (art. 28-A, Código de Processo Penal). A própria Advocacia Geral da União, na Portaria Normativa 18, de 16 de julho de 2021, indicou como um dos requisitos do acordo a “admissão da participação nos atos ilícitos” (art. 5º, I). Porém, é no mínimo controverso condicionar o acordo a um requisito que não foi expresso em lei e que não tem correspondente em qualquer das sanções já elencadas na lei de Improbidade Administrativa.
Conclusão
A lei 14.230/21 proporcionou um considerável avanço na aplicação de soluções consensuais às Ações de Improbidade Administrativa na medida em que dispôs, mais detalhadamente, sobre o Acordo de Não Persecução Cível. O acordo é o mecanismo que encerra a Ação de Improbidade mediante a fixação e cumprimento de algumas condições, dentre elas a reparação integral do dano e a reversão da vantagem indevida, e pode afastar a incidência das outras sanções previstas na lei.
Algumas dificuldades podem acabar reduzindo o interesse na celebração do acordo. Uma delas é o fato de que, apesar da inovação legislativa, ainda há pontos relevantes deixados em aberto, como o dos requisitos para a realização do acordo. Para suprir a ausência legislativa, proliferam-se orientações internas de órgãos como o Ministério Público e a Advocacia Geral, o que pode prejudicar a previsibilidade dos requisitos e segurança jurídica do pactuado.
O Acordo de Não Persecução Cível é um instrumento de consensualidade promissor que seria consideravelmente beneficiado por disposições legais ainda mais específicas. Porém, na ausência dessas disposições, é preciso conduzir a negociação dos termos do Acordo de forma a proporcionar vantagens reais aos agentes acusados de envolvimento em atos de improbidade ao mesmo tempo em que se promove a utilidade pública do acordo.