Em 2021, o Supremo Tribunal Federal, analisando o caso de Difal – diferenciação de alíquotas no caso do ICMS (ADIn 5469), decidiu isto: que não somente seriam a inconstitucionais cláusulas do Convênio ICMS 93/15, mas também que, a partir de 1º de janeiro de 2022, o tema aludido deveria ser regulamentado por meio de lei complementar.
Nesse ínterim, o projeto de lei complementar para regulamentar o Difal foi aprovado no em dezembro de 2021, e sancionada nos dias iniciais do ano corrente. Por versar sobre matéria tributária, a lei complementar mencionada fica vigiada pelos princípios constitucionais tributários contidos na Carga Magna vigente.
Por questões de delimitações, focaremos aqui em dois importantes princípios. A saber: o princípio da noventena (ou nonagesimal ou da não surpresa, como sugere boa parte da doutrina) e o princípio da anualidade.
Pois. Sobre o primeiro princípio, não há complexidades interpretativa, já que a a própria lei complementar 190 (instituidora do Difal) garante, em seu artigo 3º, a observância ao princípio da noventena. Ei-lo:
Art. 3º Esta lei complementar entra em vigor na data de sua publicação, observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea "c" do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal.
A divergência ocorre no que diz respeito à aplicação do princípio da anualidade, previsto no art.150, III, b da CF/88. Em síntese, o referido princípio veda a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
De um lado, o contribuinte sustenta que, ao expressamente ratificar a observância ao o disposto na alínea "c" do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal, a o texto da referida lei já implicaria o reconhecimento da configuração do aumento de tributo, por meio da instituição do Difal.
De outro lado, o Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), por não se tratar de criação de tributos, não seria necessário aguardar a chegada de 2023, para, só assim, a lei sob análise surtir seus efeitos.
É, pois, nessa visão contida no parágrafo anterior que nasce o imbróglio do óbvio, porque o que se tenta polemizar é, na verdade, longe de estar vestido trajes polêmicos.
A CF/88 é clara ao falar de instituição ou MAJORAÇÃO de tributos, quando veda a cobrança daqueles no mesmo ano em que, mais uma vez, tenham sido instituídos ou MAJORADOS. É bem verdade que, em termos linguísticos, os paradigmas de ordenação, significação das palavras e estruturas em nossa língua, o português brasileiro, são diversos. Mas não é o que se aplica ao presente caso.
A Constituição, nesse ponto, é clara. A lei complementar 190/22 também o é. Além disso, por majoração, o entendimento da Jurisprudência já afirma/afirmou que aquela se configura no aumento, ainda que indiretamente, da carga tributária. Por isso, a questão aqui não é mais sobre interpretação e as complexidades textuais que pode haver (e há normalmente). Não, no caso de a lei Complementar 190/22 ser aplicada ou não somente em 2023 já é um caso de honestidade ante o que diz o ordenamento jurídico pátrio sobre as questões aqui levantadas. Termino essa reflexão com as palavras de Drummond, em seu poema Política Literária: “O poeta municipal discute com o poeta estadual qual deles é capaz de bater o poeta federal. Enquanto isso o poeta federal tira ouro do nariz.” E desejando a todos, todas e todes um ano novo mais feliz e poético!