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Nova lei de licitações e o CPC/15: diálogos entre as fontes e ponderações necessárias

O texto pretende analisar os vários pontos de contato entre a nova lei de licitações e o Código de Processo Civil.

5/1/2022

Este ensaio tem por objetivo analisar, em rápidas passagens, vários pontos de contato entre a nova lei de Licitações e Contratos Administrativos (lei 14.133, de 1º/04/2021) e o Código de Processo Civil de 2015, sintetizando alguns apontamentos que foram lançados em recente evento organizado pela Associação Norte Nordeste de Professores de Processo – ANNEP.

No evento realizado dia 10.09.2021, no formato on line, tratei do importante diálogo entre as fontes normativas, incluindo, também, a lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)1, partindo da premissa constante no art. 15, do CPC/15: a aplicação da norma processual ao direito administrativo de forma supletiva e subsidiária.

De imediato, é possível observar a ligação entre os diplomas em comento, na previsão do art. 5º, da lei 14.133/21, quando consagra os princípios informadores da licitação (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, interesse público, probidade administrativa, igualdade, planejamento, transparência, eficácia, segregação de funções, motivação, vinculação ao edital, julgamento objetivo, segurança jurídica, razoabilidade, competitividade, proporcionalidade, celeridade, economicidade e desenvolvimento nacional sustentável), somando-se às disposições da LINDB.

Em relação aos princípios, também é necessário fazer alusão aos que estão previstos no CPC/15, em especial a primazia da resolução de mérito, cooperação, contraditório substancial, etc.

Ademais, a nova lei de Licitações também trouxe importante modificação em relação à contagem dos prazos, que passa a ser em dias úteis (ex. art. 164, §único – impugnação ao edital ou pedidos de esclarecimento; art. 165 – recursos, e art. 171, §§1º e 2º), unificando o tratamento que já vem sendo dado pelo legislador de 2015. Esta uniformização na contagem de prazos em dias úteis melhor organiza o tratamento legislativo para os processos judiciais (art. 219, do CPC/15) e administrativos.

Outro aspecto importante que permite apontar uma (tentativa) de ligação entre as legislações refere-se ao sistema de precedentes. A legislação processual civil possui vários dispositivos que consagram a necessidade de observação dos padrões decisórios advindos de Órgãos do Sistema de Justiça, em especial nos arts. 926 a 928.

Há, inclusive, uma interligação entre os precedentes administrativos e o andamento das demandas judiciais, como se pode observar nos arts. 496, §4º, IV (dispensa de remessa necessária quando a decisão judicial estiver com “entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa”); 985, §2º e 1040, IV, do CPC/15 (comunicação do resultado do IRDR ou do padrão decisório advindo do recurso repetitivo para o Órgão ou Agência Reguladora para fiscalização e aplicação da tese adotada).

No âmbito do direito administrativo, há o importantíssimo debate acerca da força vinculante dos Enunciados de Súmula e orientações do(s) Tribunal(is) de Contas. No Projeto de lei 4.253/20, que culminou com a edição da lei 14.133/21, existia dispositivo expresso no sentido de que os Órgãos de Controle da Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional Federal se orientassem pelos Enunciados das Súmulas do Tribunal de Contas da União relativos à aplicação da nova lei, o que poderia trazer maior segurança jurídica, previsibilidade, celeridade, economia, diálogo entre os Órgãos (administrativo, regulador e fiscalizador),  e isonomia. Contudo, o art. 172, da nova lei de Licitações, foi vetado.   

Nestes breves apontamentos, é razoável afirmar que o art. 172 (que possui redação semelhante ao Enunciado 222, de Súmula do Tribunal de Contas da União), talvez com algum ajuste redacional, poderia caminhar no mesmo sentido da teoria dos precedentes judiciais e administrativos prevista na legislação processual civil. Assim como o CPC estabeleceu diálogo e cooperação entre os precedentes judiciais e administrativos, a nova legislação poderia estimular uma teoria de precedentes com a conjunção dos entendimentos internos e externos (das Cortes de Contas), sem qualquer imposição destes últimos que pudesse provocar a válida discussão quanto a usurpação de competência.

E mais, considerando o contido no já mencionado art. 15, do CPC/15, é absolutamente defensável a aplicação do sistema de precedentes ao processo administrativo (internos e externos).

Já no âmbito da teoria de nulidades, é necessário observar que os dispositivos a nova lei dialogam com as premissas do CPC/15, ao estabelecer, por exemplo: a) saneamento de irregularidades (art. 147) – clara ligação com o princípio da primazia da resolução de mérito previsto em várias passagens do CPC/15; b) prevalência do interesse público na nulidade e suspensão e análise de impactos, riscos, custos e despesas (art. 147 e 148). Tais aspectos estão em consonância com a teoria de nulidade no direito processual civil e a permanência de alguns atos, visando à primazia da resolução de mérito e superação de óbices processuais (arts. 277, 280 e 281, do CPC, dentre outros).

No encerramento da licitação também é possível identificar que a nova lei faz interlocução com as normas fundamentais do processo civil. O art. 71 consagra alguns encaminhamentos que também são muito comuns ao processo civil, a saber: verificação de irregularidades com retorno para saneamento; anulação em caso de ilegalidade insanável, com expressa indicação dos atos com tais vícios, tornando sem efeito os subsequentes e dependentes (semelhante ao constante no art. 281, do CPC/15) e, com maior destaque, a necessidade de garantia do contraditório prévio com a manifestação dos interessados (§3º, do art. 71, da lei 14.133/21), nos casos de anulação e revogação.

A propósito, a previsão expressa acerca da necessidade de manifestação dos interessados antes de eventual anulação e revogação vai ao encontro do direito ao contraditório prévio e substancial (arts. 9º e 10 do CPC/15).

Em outra passagem, a lei 14.133/21 prevê (arts. 151 e 154), que nas contratações poderão ser utilizados os meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias (conciliação, mediação, comitê de resolução de disputas e arbitragem). Tais dispositivos dialogam diretamente com o chamado sistema multiportas e com o contido no art. 3º, do CPC/15.

Dois pontos ligados à atuação do Tribunal de Contas também merecem registro: a) possibilidade suspensão do processo licitatório (art. 171, §1º) – o que tem ligação com o Poder Geral de Tutela Provisória consagrado na legislação processual civil (arts. 294 e seguintes, do CPC/15); b) a necessidade de definição das medidas necessárias e adequadas para o saneamento processual (art. 171, §3º, da lei 14.133/21), o que também configura clara ligação com a primazia de mérito (aproveitamento, na medida do possível, do “mérito” do processo licitatório).

Por derradeiro, importante observar que a nova lei de Licitações e Contratos Administrativos, incluiu o inciso IV ao art. 1048, do CPC/15, consagrando a prioridade de tramitação os procedimentos judiciais “em que se discuta a aplicação do disposto nas normas gerais de licitação e contratação a que se refere o inciso XXVII do caput do art. 22 da Constituição Federal”.

Estes são alguns apontamentos iniciais relacionados ao claro diálogo entre as duas legislações.

__________

1 Propostas e inovações normativas em debate. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=jHjRE-h5Zk4 (início em 2h41m).

José Henrique Mouta
Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.

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