O mês de dezembro é sempre aguardado com apreensão por contribuintes que temem a edição de leis que majoram a carga tributária no final do ano justamente para que as alterações por elas previstas obedeçam ao princípio da anterioridade anual, aplicável a grande parte dos tributos existentes no Brasil.
E não foi diferente no ano de 2021, em especial no caso do ICMS devido em operações de venda a consumidor final estabelecido em estado diverso daquele em que está localizado o vendedor da mercadoria. Nestes casos, parte do imposto estadual é devido ao estado de destino mediante a aplicação de alíquota correspondente à diferença entre a alíquota do ICMS para operações internas no estado de destino e a alíquota interestadual, o que também é conhecido como DIFAL.
Após o julgamento do RE 1.287.019 (Tema 1.093) pelo STF, em 2021, em que se reconheceu a impossibilidade da exigência do DIFAL sem a existência de lei complementar prevendo tal cobrança, houve a modulação dos efeitos da decisão para que apenas a partir de 2022 fosse exigida tal previsão legal para a cobrança do diferencial de alíquota do imposto estadual pelo estado de destino.
Em outras palavras, segundo o precedente do STF, o DIFAL só poderá ser exigido em 2022 após a edição de lei complementar federal prevendo tal cobrança, o que deve ser acompanhado de lei estadual instituindo a cobrança do imposto no âmbito de cada um dos Estados.
Foi justamente por esse motivo que contribuintes acompanharam com preocupação o trâmite do PL 32/21, que prevê a edição de lei complementar instituindo o DIFAL. Apesar de aprovado pelo Congresso Nacional nas duas Casas Legislativas no final do mês de dezembro, a nova Lei Complementar não foi sancionada pelo Presidente da República em 2021.
Portanto, a aprovação do PL 32/21 no ano de 2022 irá atender à exigência do STF no julgamento do Tema 1.093, mas eventuais leis estaduais que forem instituídas em 2022 para a cobrança do DIFAL somente poderão entrar em vigor em 2023, tendo em vista que o ICMS é imposto que se sujeita à anterioridade anual.
Apesar disso, notamos que a cobrança do DIFAL em 2022 é assunto que vem sendo acompanhado de perto pelos Estados, que têm todo o interesse em manter a arrecadação do imposto no ano corrente. É o caso, por exemplo, do Estado de São Paulo, que em 13 de dezembro de 2021 editou a lei 17.470/21, alterando a lei 6.374/89 para expressamente prever a cobrança do DIFAL antes mesmo da publicação de lei complementar federal instituindo a exigência.
E a pergunta que fica é: é constitucional a edição de lei estadual prevendo a cobrança de imposto antes da publicação de lei complementar federal regulando o assunto, como exigiu o STF no julgamento do Tema 1.093?
Apesar de nos parecer que a resposta à pergunta acima seria negativa, chamamos a atenção para o julgamento do RE 1.221.330, realizado em junho de 2020 pelo STF, quando se decidiu, em situação análoga à do DIFAL, que lei estadual que institui a cobrança de imposto antes da edição de lei complementar tratando do assunto não seria inconstitucional, mas teria a sua vigência postergada para a data em que foi (no caso do DIFAL, será) publicada a lei complementar.
Trazendo o racional da Suprema Corte no RE 1.221.330 para o caso do DIFAL, a lei 17.470/21 não seria inconstitucional, mas teria a sua vigência postergada para o momento em que a lei complementar federal for publicada. E a vantagem do Estado de São Paulo é justamente o fato de que a lei 17.470/21 foi publicada em 2021, sendo possível, portanto, a cobrança do DIFAL por São Paulo em 2022, desde que (i) publicada a lei complementar federal tratando do assunto e (ii) obedecido o princípio da anterioridade nonagesimal, também aplicável ao ICMS. Isso, porque o requisito da anterioridade anual estaria cumprido nesta situação específica.
E a dúvida que fica é: aceitarão os demais entes federativos que apenas Estados que instituíram lei estadual prevendo a cobrança do DIFAL em 2021 (caso de São Paulo) poderão cobrar o imposto em 2022?
A resposta a esta pergunta é o que, a nosso ver, deve nortear a estratégia a ser seguida pelos contribuintes para que se evitem, ao longo do ano de 2022, problemas de logística, como a passagem por fronteiras estaduais, além da exigência do DIFAL com a aplicação de multa e juros. Eventual medida judicial assegurando a impossibilidade de exigência do DIFAL por estados que não publicaram lei estadual em 2021 prevendo a cobrança do imposto pode ser uma das alternativas a serem seguidas pelos contribuintes.
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