Em recente reportagem jornalística, fora imputada conduta ilegal a servidor público em decorrência de acúmulo de cargo público conquanto o outro cargo exercido seja junto a um serviço social autônomo, pessoa jurídica de direito privado, submetido ao regime da consolidação das leis trabalhistas, não constando tal vedação expressamente no texto constitucional que prevê:
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI;
XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público.
Instado pelo Parquet, em que pese comprovada a ausência de dolo, a compatibilidade de horários e a produtividade em ambos os serviços executados, fora proposto Acordo de Não Persecução Cível para que o servidor encerrasse um dos vínculos de trabalho e aplicação de multa, e, caso não aceito o acordo, o servidor seria processado judicialmente por meio de uma Ação de Improbidade Administrativa, o que, sabidamente, macula a honra de qualquer cidadão, apesar do princípio da presunção de inocência.
Baseando-se em ANPC anterior análogo, onde a conduta ímproba atribuída baseou-se no ato de improbidade administrativa prevista no artigo 11, caput, incisos I e II da lei 8.429/92, infere-se ser incabível eventual Ação de Improbidade, porquanto com o advento da lei 14.230/21, tais incisos foram revogados.
Outrossim, repisa-se, além de não restar demonstrado o dolo do servidor, a vedação subjetiva alegada pelo Ministério Público não possui amparo legal, jurisprudencial ou doutrinário. Ainda que prevalecente no Judiciário o entendimento do Parquet de que seriam cargos públicos os exercidos no âmbito de serviços sociais autônomos, a conduta imputada ao servidor não se enquadraria como ato de improbidade nos termos do §8º do art. 1º da Lei de Improbidade, in verbis:
§ 8º Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário.
Nesse contexto, conspícuo a ausência dos elementos caracterizadores de ato de improbidade, ululante a ilicitude da conduta de membro de Ministério Público que busca firmar ANPC com base em conduta atípica que não se enquadra na Lei de Improbidade.
Mais grave ainda, é propor Ação de Improbidade Administrativa em face de servidor que é sabidamente inocente, sem motivação idônea, enquadrando-se no contexto da Lei de Abuso de Autoridade, a qual dispõe em seu art. 1º, §1º, in verbis:
Art. 1º Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído.
§ 1º As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.
Ademais, dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente está previsto como crime no art. 30 da lei 13.869/19 – Lei de Abuso de Autoridade.
Destarte, não poderia se valer o membro de Ministério Público da ressalva trazida pelo art. 1º, §2º da supracitada Lei, a qual prevê que “a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade”, porquanto a interpretação invocada carece de legitimidade, é incontestável que serviços sociais autônomos não compõem a Administração Pública Direta ou Indireta, não configurando cargo público, não constando no rol de vedações listados na Constituição Federal.
Do exposto, em que pese impere no ordenamento jurídico vigente a presunção de inocência, incontestável que eventual ingresso de Ação de Improbidade em face de servidor de boa-fé tem o condão de trazer prejuízos irreparáveis à sua honra, razão pela qual uma instituição importante como o Ministério Público deve atuar com observância aos princípios da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, evitando o ingresso de Ações de Improbidade temerárias, as quais podem vir a configurar crime de abuso de autoridade.