Inspirado pelas palavras que disse o ministro Paulo de Tarso Sanseverino no evento online de lançamento do livro1 em homenagem à ministra Fátima Nancy Andrighi – magistrados que sinceramente admiro –, resolvi reanalisar artigo que há muito tempo escrevi.
Para minha honrada surpresa, o artigo acabou citado por Rui Stoco em sua obra de Responsabilidade Civil e, depois, para surpresa e honra ainda maiores, selecionado para a obra coletiva que ele coordenou, sob o título Doutrinas Essenciais.
Em verdade, antes mesmo de ouvir o Ministro falar sobre a importância da Ministra Nancy Andrighi para o desenvolvimento do tema no Superior Tribunal de Justiça, eu já havia decidido atualizar o conteúdo do que escrevi e até mesmo rever alguns pontos.
Isso porque participei em 2020, pouco antes da pandemia do Covid-19, de um curso de especialização em Direito, disciplina Contratos e Danos, da Universidade de Salamanca.
Nele, o professor catedrático de Direito Civil da famosa universidade espanhola (de 803 anos de existência), Eugênio Llamas Pombo, discorreu muito bem sobre os problemas da doutrina dos punitive damages.
O título de um artigo seu já lhe esclarece a posição: “Contra os punitive damages.”
Não sei se por temor reverencial, excesso de admiração ou realmente impressionado com os argumentos, acabei pondo em dúvida o que antes havia estudado e escrito convictamente.
Li e revi meu artigo.
Hoje ainda lhe sou sinceramente simpático e, sem vaidade, encontro valor no que defende. Desfiz apenas a contundência de antes, abandonei o colorido ideológico que o tingia e busco melhor razão para fundamentar a ideia de punir com rigor os causadores de dano moral.
Para tanto, repito o conteúdo original, devidamente revisado e alinhado, para depois abordá-lo de forma mais científica, ao menos em pretensão.
Abro aspas:
Dano moral: quantificação da indenização segundo a doutrina dos “punitive damages”.
Encontra-se o dano moral previsto no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal: V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação;
O ordenamento jurídico brasileiro reconhece a indenização por dano moral, considerando-o tema de status constitucional, mais precisamente de direito fundamental.
Porém nem sempre foi assim.
No mundo como um todo, somente os danos patrimoniais eram sujeitos a reparação, tratando-se de um dos princípios fundamentais do Direito, "neminen laedere". Com o passar dos tempos, as sociedades mais desenvolvidas e mais bem organizadas politicamente, passaram a exigir tratamento especial aos danos morais, tornando-se estes também juridicamente reparáveis. Um século a mais foi necessário para que o Direito brasileiro viesse a consagrar a tese dos danos morais. Enquanto a maioria dos povos ocidentais já reconhecia a indenização por essa modalidade de dano, o Brasil ainda resistia a inseri-la no ordenamento jurídico pátrio.
Atraso que se revelou fatal, uma vez que desaguou num duro golpe ao reconhecimento, à eficácia e à tutela dos chamados direitos civis, e mesmo à própria ideia de cidadania do povo brasileiro. Talvez visando a compensar tão lamentável atraso é que o legislador constituinte inseriu a tese dos danos morais na Constituição Federal de 1988, a primeira verdadeiramente garantista e cidadã da história brasileira.
Sendo difícil considerar a reparabilidade dos danos morais, o Brasil, que em princípio não continha regras específicas sobre o tema, permitiu a disseminação de uma inteligência jurídica deformada, no sentido de que num mesmo caso concreto o dano moral não poderia ser cumulado com o dano material, ainda que assim reclamasse o suporte fático. Desnecessário dizer que essa forma de encarar o tema só dificultou a aplicação da tese dos danos morais no cotidiano jurídico brasileiro.
Hoje, felizmente, já não mais se discute a possibilidade de cumular indenizações por dano material e por dano moral decorrentes do mesmo fato. Trata-se de questão pacificada pelo enunciado de Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça: “37. São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”
- Clique aqui para conferir a íntegra do artigo.
1 Live organizada por MIGALHAS, em 8.12.21, das 9h às 11h30, com participação de ministros e juristas, para lançamento da obra A DISRUPTURA DO DIREITO EMPRESARIAL (Estudos em homenagem à Ministra Nancy Andrighi), Editora Quartier Latin, São Paulo; 2021.