O ano de 2021 se aproxima muito rapidamente do seu fim. As luzes e as decorações de Natal já são vistas por todos os cantos na cidade de São Paulo e, inevitavelmente, começa a aflorar nas pessoas aquele sentimento de que mais um ano está terminando. Confraternizações de todo gênero, os inevitáveis amigos secretos e as compras de presentes natalinos tomam parte da agenda das pessoas nessa época do ano. Se isso é verdade para a grande maioria das pessoas, inclusive para os banqueiros da Faria Lima, tudo indica que o corpo técnico do Banco Central não tem tempo para festividades. O Banco Central é “imparável” na sua agenda de aperfeiçoamento do arcabouço regulatório do mercado financeiro e de meios de pagamentos, situação essa que eu e meus sócios apelidamos, sem qualquer demérito à atuação do regulador (muito pelo contrário), de “tsunami regulatório”.
Dessa vez, o Banco Central voltou a sua atenção para o regramento aplicável à constituição de instituições financeiras e outras instituições reguladas. Assim, foi editada a Resolução CMN 4.970, de 25 de novembro de 2021 (Resolução 4.970), que tem o objetivo de modernizar e racionalizar os processos de autorização de funcionamento daquelas entidades. Como um comentário geral, nota-se que a Resolução 4.970 consolida regras anteriormente esparsas em uma única norma e uniformiza os requisitos para as autorizações em relação a todas as espécies reguladas. Ainda, a Resolução 4.970 inova na medida em que permite que o Banco Central adote uma abordagem baseada na complexidade de cada segmento e de cada autorização, de tal forma que o regulador poderá adotar procedimentos proporcionais aos riscos de cada segmento.
Mas, como disse o poeta inglês, em citação adaptada, “há mais coisa entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia”. A Resolução 4.970 é recheada de detalhes que exigem a atenção dos interessados na matéria. Sem a pretensão de esgotar o assunto, abaixo identifico alguns pontos de destaque da nova regulação:
Uniformidade e controle de SCDs e SEPs: A nova regulação uniformiza o tratamento aplicável a todas as instituições financeiras, como destacado acima. E sobre isso vale destacar o efeito nas chamadas fintechs, principalmente na Sociedade de Crédito Direito (SCD) e na Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP), cujo controle societário somente poderá ser exercido por pessoas naturais, instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central, instituições financeiras sediadas no exterior ou sociedade holding com objeto social exclusivo de participação societária em instituições financeiras. Trata-se de regra restritiva quando comparada ao regime anterior, que não exigia, em forma de lista exaustiva, quem poderia exercer o controle societário das SCDs e SEPs.
Conhecimento sobre o Ramo de Negócio: No regramento anterior, exigia-se a apresentação de declarações dos integrantes do grupo de controle que demonstrassem conhecimento no ramo de negócio e sobre o segmento de atuação da instituição. A Resolução 4.970 passa a exigir demonstração de conhecimento da administração apenas, portanto, passa a ser possível a existência de controladores de instituições financeiras não versados em temas financeiros, desde que exista uma administração competente para esse fim.
Plano de Negócios: O chamado “plano de negócios”, documento robusto com premissas econômicas, projeções financeiras, descrição de produtos, fluxo de caixa e outras informações relevantes ao projeto passa a ser um documento opcional a critério do Banco Central e não um requisito obrigatório. Faz sentido. Há modelos de negócios simples no mercado financeiro que não importam riscos sistêmicos ou à poupança popular, cujo processo de autorização pode ser mais célere. Assim, a não exigência do plano de negócio em todos os casos é um grande avanço.
Autorizações: A Resolução 4.970 cria uma lista exaustiva dos atos e eventos societários que exigem autorização do Banco Central. Sobre esse assunto, não há grandes novidades, mas a medida é bem-vinda porque concentra em um único lugar na regulação a referida lista. Além disso, vale esclarecer uma dúvida que pairava na regulação anterior. Alguns entendiam que a aquisição de participação qualificada em instituição financeira, sobre a qual falarei com mais detalhes abaixo, exigia a autorização prévia do Banco Central. Esse nunca foi o meu entendimento. A Resolução 4.970 deixa claro que a aquisição de participação qualificada precisa ser comunicada ao Banco Central após a sua ocorrência, mas não há exigência de aprovação prévia para aquela finalidade. Contudo, é verdade também que o Banco Central pode determinar o desfazimento do negócio caso identifique alguma irregularidade (e.g., não comprovação de reputação ilibada ou de origem lícita dos recursos).
Declaração de Propósito: Deixou de ser exigida a publicação da chamada “Declaração de Propósito” por parte dos interessados, mas o Banco Central divulgará informações referentes ao pedido de constituição com o objetivo de conhecer manifestações do público em geral.
Participação Qualificada: O conceito de participação qualificada em instituições financeiras foi alterado. Nota-se que o regulador equiparou a definição de participação qualificada àquela aplicável às instituições de pagamento. Assim, considera-se que uma pessoa, sem ser acionista controlador, terá participação qualificada se detiver (i) participação direta equivalente a 15% ou mais do capital votante; (ii) participação direta equivalente a 10% ou mais do capital total; (iii) controle de pessoa jurídica detentora de participação prevista nos itens (i) e (ii) acima e (iv) participação no capital de pessoa jurídica controladora da instituição, no percentual previsto nos itens (i) e (ii) acima.
Reputação Ilibada: Um dos requisitos para ser aceito como acionista controlador, detentor de participação qualificada ou administrador de instituição financeira é provar a reputação ilibada. No regramento anterior, tratava-se de conceito jurídico genérico e carregado de subjetivismo à disposição do regulador. Ainda que utilizando conceitos abertos, a Resolução 4.970 traz um pouco mais de clareza ao conceito de reputação ilibada. Em síntese, para aquela finalidade, o Banco Central considerará a existência de (i) processo criminal ou inquérito policial; (ii) processo judicial ou administrativo que tenha relação com o Sistema Financeiro Nacional; (iii) processo relativo à insolvência, liquidação, intervenção, falência ou recuperação judicial; (iv) inadimplemento de obrigações e (v) outras situações, ocorrências ou circunstâncias análogas.
Prazo de Mandato dos Administradores: De acordo com a Resolução 4.970, o mandato dos administradores de instituições financeiras não poderá ser superior a quatro anos, admitida a reeleição no caso de instituições constituídas sob a forma de sociedade limitada.
Voto Plural: Percebe-se que a Resolução 4.970 prevê que, na identificação dos controladores ou dos detentores de participação qualificada, seja considerada a atribuição de voto plural a uma ou mais classes de ações ordinárias. Tal providência espelha as mudanças introduzidas por meio da lei 14.195, de 26.8.2021.
Autorização para Funcionamento Apenas: Seguindo as diretrizes da lei de Liberdade Econômica, a Resolução 4.970 não exigirá autorização do regulador para constituição de instituição financeira, tal como previsto na regulamentação anterior. Portanto, apenas a autorização para funcionamento passa a ser exigida.
Os temas acima são os que mais chamaram a atenção em uma análise preliminar da Resolução 4.970, mas é de se esperar que outros assuntos surjam na análise de casos práticos. A Resolução 4.970 entra em vigor em 1º de julho de 2022.
Se existem incertezas nos campos político e econômico para o ano de 2022, uma coisa é certa: a atuação do Banco Central continuará pujante, principalmente com a regulação de temas relacionados à reforma cambial, criptomoedas, open banking e pix. Em 2022, de tédio não morreremos.
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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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