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A administração judicial contemporânea: a conciliação entre a lei anticorrupção e a lei de recuperação de empresas e falência

O atual cenário crítico brasileiro – acumulando crises sanitária, econômica e social - faz com que os dois diplomas legais adquiram inúmeras intersecções e uma grande importância para o combate aos principais problemas brasileiros.

14/12/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A Lei Anticorrupção (lei 12.846/13) entrou em vigor com o objetivo de assegurar substancial desenvolvimento ao ordenamento jurídico brasileiro, reforçando a cultura de integridade nas relações econômicas internas e externa, uma vez que positiva o compromisso internacional brasileiro no combate aos atos de corrupção.

Dentre as alterações advindas pela Lei, denota-se a implantação de novos paradigmas para a responsabilização objetiva administrativa e civil das pessoas jurídicas pelos atos lesivos praticados em seu interesse ou benefício (art. 2º), atribuindo a obrigação de reparar, integralmente, o dano causado pelo ilícito (art. 21, parágrafo único).

Além disso, a legislação ressalva a responsabilidade individual dos dirigentes ou administradores das sociedades empresárias, bem como de qualquer pessoa natural - autora, coautora ou partícipe – que contribua para a promoção do ato ilícito (art. 3º). Da mesma forma, estende-se às sociedades controladoras, controladas ou coligadas a responsabilidade solidária pela prática de qualquer ilícito previsto pela legislação (art. 4º, §2º).

Desse modo, ao estipular normas e penalidades às pessoas jurídicas em atividade, a Lei Anticorrupção estende a sua atuação e ramificação aos demais campos do direito e, consequentemente, às áreas jurídicas que se destinam à mitigação das mais diversas crises que podem assolar os agentes empresariais: o direito da insolvência empresarial.

Por seu turno, a Lei de Recuperação de Empresas e Falência (lei 11.101/05) é uma legislação atenta ao contexto socioeconômico brasileiro, uma vez que se destina a apresentar soluções necessárias para o enfrentamento de uma crise econômica.

Isto posto, o atual cenário crítico brasileiro – acumulando crises sanitária, econômica e social1 - faz com que os dois diplomas legais adquiram inúmeras intersecções e uma grande importância para o combate aos principais problemas brasileiros.

O papel do administrador judicial na identificação dos atos ilícitos nos procedimentos de insolvência empresarial

A doutrina preleciona que a efetivação dos atos da falência e recuperação judicial pressupõe a prática de atos trabalhosos que, por seu volume e complexidade, não devem ser praticados pelo próprio juiz2.

Para auxiliá-lo, criou-se a função do administrador judicial, escolhido pelo Magistrado, respeitando aos critérios: profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas, contador ou pessoa jurídica especializada (art. 21 da lei 11.101/05).

A Legislação atribui inúmeras competências e obrigações ao profissional, dividindo suas funções, como orientação geral, em três partes: I) deveres comuns à recuperação judicial e na falência; II) atribuições na fase recuperacional e, por fim, III) deveres pertinentes à fase falimentar (art. 22 da lei 11.101/05).

Observa-se, assim, que a LREF traz em seu bojo 33 (trinta e três) obrigações para a administração judicial – intituladas como funções lineares, agindo os profissionais no cumprimento dos deveres que a Lei lhes impõe. Não obstante, constata-se, ainda, a previsão das funções transversais que, embora não estejam estabelecidas expressamente no texto falimentar, também devem ser observadas pelo auxiliar do Juízo Universal para contribuir para a eficiência e higidez dos procedimentos de insolvência empresarial3.

Dentre essas obrigações, destaca-se a função de fiscal dos procedimentos:

"[...] Caberá ao administrador judicial na ação de recuperação judicial o ato de fiscalizar as atividades do devedor, com destaque para aquilo que respeita à conformação e ao cumprimento do plano de recuperação proposto. A ele caberá, entre suas mais graves atribuições, o requerer a falência no caso de descumprimento de obrigações assumidas no plano de recuperação, a partir de deliberação a ser tomada no âmbito da assembleia de credores.

[...] É, portanto, o administrador judicial, na ação de recuperação judicial, um fiscal, um olheiro do juiz. Embora simples a conclusão do ponto de vista do discurso, na vida prática tem-se que esse é um ponto de crise do instituto e da própria ação de recuperação judicial porque, em sendo mal conduzida a atividade da empresa em crise, naquilo que corresponda à gestão natural dos negócios, essa ação fiscalizadora acabará por compreender, também, uma certa missão denunciadora, delatora até, para usar uma expressão que infelizmente ganhou lugar na linguagem jurídica (denunciadora de más práticas se e enquanto verificadas). Nunca será, para o administrador judicial, uma tarefa fácil. A medida, certamente, dar-se-á calçada em provas irrefutáveis".

(TOLEDO, 20214)

(Sem grifo no original)

Ademais, com as alterações advindas da lei 14.112/20, as funções do administrador judicial, especialmente àquelas que visam a higidez do procedimento e das relações negociais dos devedores, assumiram maior destaque no texto legal, conforme pondera brilhantemente o Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Paulo Fernando Campos Salles de Toledo:

"[...] Restam criadas ainda atribuições novas ao administrador, a quem passou a competir a fiscalização do decurso de tratativas e a regularidade das negociações entre devedor e credores, assegurando que ambas as partes não adotem expedientes dilatórios, inúteis ou, em geral, prejudiciais ao regular andamento das negociações; deve ainda assegurar que as negociações realizadas entre devedor e credores reger-se-ão pelos termos convencionados entre os interessados ou, na falta de acordo, pelas regras propostas pelo próprio administrador judicial e homologadas pelo juiz, observado o princípio da boa-fé para solução construtiva de consensos, acarretando maior efetividade econômico-financeira e proveito social para os agentes econômicos envolvidos e, de resto, apresentar, para juntada aos autos e no endereço eletrônico disponibilizado, os relatórios mensais das atividades do devedor, assim como o relatório sobre o plano de recuperação judicial, fazendo-o no prazo de até quinze dias, contados da apresentação do plano de recuperação, além de informar eventual ocorrência das condutas delitivas que a própria lei prevê, aquelas que o legislador considera graves em face das pretensões contidas na especialíssima ação de recuperação proposta.

(TOLEDO, 20215)

(Sem grifo no original)

Nessa perspectiva, é nítida a importância do profissional para a identificação de irregularidades e/ou atos de corrupção, bem como o seu auxílio para que os credores e demais agentes dos procedimentos tenham o amplo acesso às informações inerentes à empresa/empresário devedor:

"[...] o administrador judicial possui dever de reportar ao Juízo indícios de corrupção que porventura descubra no exercício de sua função, o que inclusive poderá se desdobrar na apuração de eventuais crimes falimentares (arts. 168 e seguintes da LRE) e respectivas consequências para o processo de recuperação (art. 181 da LRE). Isso decorre de sua função fiscalizadora no processo, podendo inclusive acarretar sua responsabilidade pessoal, caso sua omissão reverta em prejuízo aos credores (art. 32 da LRE). Portanto, é papel do administrador judicial levar ao Juízo – e, por extensão, levar aos credores no bojo do processo recuperacional – a notícia de indícios de atividades ilícitas de que tome conhecimento.

[...] Caso a notícia de atos de corrupção, envolvendo a recuperanda, seja feita por credor nos autos da recuperação judicial, é dever do administrador judicial levar tal informação ao Juízo e providenciar eventuais informações que disponha sobre tal assunto, sem se aprofundar em investigações".

(SOUZA; ZOCAL e CARVALHO, 20186)

(Sem grifo no original)

Outrossim, a contribuição da fiscalização do administrador judicial e identificação de práticas ilícitas e irregularidades no procedimento também foi ratificada pelo Conselho Nacional de Justiça por meio da Resolução 393/2021, que prevê o dever do auxiliar de prestar toda e qualquer informação que julgue relevante à sua atuação como administrador judicial, de forma a garantir transparência no que se refere às relações profissionais mantidas com as partes do processo (art. 6°, IV).

Portanto, a partir da análise legislativa e doutrinária, a função do administrador judicial afigura-se como um agente essencial na fiscalização e identificação das irregularidades das empresas devedoras, possibilitando que esse profissional contribua diretamente para a prevenção e combate das práticas de corrupção na sua linha de atuação.

Em arrimo, salienta-se a importância deste profissional compreender as normas anticorrupção vigentes e investir na promoção de ferramentas de controle para auxiliar na prevenção, identificação e mitigação de eventuais fraudes dentro do procedimento de insolvência empresarial.

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PASSARELLI, Hugo. Brasil acumula crises sanitária, econômica e social, dizem gerontólogos. Valor Econômico, 2021. Disponível aqui. Acesso em: 9 dez. 2021.

MAMEDE, Gladston. Falência e recuperação de empresas – 12ª Ed. – São Paulo: Atlas, 2021.

COSTA, Daniel Carnio. O administrador judicial no projeto de lei 10.220/18 (Nova lei de recuperação judicial e falências). Migalhas, São Paulo, 18 de setembro de 2018. Disponível aqui. Acesso em: 09 dez. 2021.

TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas [livro eletrônico] – 1ª Ed. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas [livro eletrônico] – 1ª Ed. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

SOUZA, Ana Elisa Laquimia de; ZOCAL, Raul Longo; CARVALHO, Pedro Shilling de. A inevitável convivência entre a Lei de Recuperação de Empresas e a Lei Anticorrupção: Possíveis Conflitos e Primeiras Linhas de Interpretação. Revista de Direito Recuperacional e Empresa | vol. 10/2018 | Out - Dez / 2018.

Alexandry Chekerdemian Sanchik Tulio
Advogado com mais de 15 anos de experiência na área de insolvência empresarial, atua na administração judicial de processos de recuperação judicial e falência de médio e grande porte. É Administrador Judicial pelo Instituto Brasileiro de Administração Judicial (IBAJUD) em parceria com o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso.

Diogo Siqueira Jayme
Advogado com mais de 10 (dez) anos de experiência na área de insolvência empresarial, atua na administração judicial de processos de recuperação judicial e falência de médio e grande porte. É especialista em Direito Empresarial pelo Instituto Goiano de Direito Empresarial (IGDE) e Direito Civil e Processo Civil.

Gustavo A. Heráclio Cabral Filho
Advogado com mais de dez anos de experiência na área de insolvência empresarial. Embaixador do IBAJUD no Estado de Goiás. Sócio cofundador da Dux Administração Judicial S/S Ltda. Vasta experiência na área de Compliance. Exerce a função de Compliance Officer na Dux Administração Judicial.

Letícia Marina da S. Moura
Jornalista pela PUC-GO, especialista em Assessoria de Comunicação e Marketing pela UFG, graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Goiás - Uni-Goiás e especialização em curso em Direito Empresarial pela Faculdade Legale. É auxiliar jurídico na Dux Administração Judicial.

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