Migalhas de Peso

A mudança de estabelecimento de membro da CIPA a pedido do colaborador: há, necessariamente, perda de mandato e da estabilidade?

A perda do mandato e a estabilidade provisória ao membro da CIPA, diante do pedido de transferência de estabelecimento feita pelo próprio colaborador.

14/12/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Introdução

Outro dia, fomos consultados por uma de nossas clientes acerca da seguinte situação: o (a) membro(a) da CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes -, que tenha pedido transferência de estabelecimento, deixa de ser membro da referida Comissão e, necessariamente, perde a estabilidade ou não?

Nos deparamos com uma questão que parecer ser simples, mas que na realidade, não é tão fácil, especialmente, ante a ausência de clareza na legislação, principalmente na CLT e na NR-5 sobre essa matéria.

Além disso, o questionamento levou em consideração que embora tenha havido a transferência de estabelecimento, o local de trabalho anterior não foi extinto, bem como a ideia que de o membro da CIPA é eleito para exercer seu mandato na localidade em que foi escolhido.

Nesta hipótese, diante da transferência a pedido do(a) colaborador(a), sem extinção do estabelecimento anterior, como ficariam as questões atinentes à: (i) permanência como membro(a) da CIPA; (ii) a estabilidade em razão do cargo para o(a) qual foi eleito(a)?

Diante das possíveis controvérsias, passamos a tecer algumas reflexões e considerações sobre pedido de mudança de localidade pelo cipeiro e os reflexos dessa ação.

O que é a CIPA e quais as principais questões que envolvem o membro desta comissão?

Como descrito, a CIPA é a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, órgão interno da empresa, especializada em segurança e medicina do trabalho, que tem por objetivo a prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho.

Mais objetivamente, é órgão formado por representantes da empresa e dos empregados, e tem como previsão legal principal os arts. 163 a 165 da Consolidação das leis do Trabalho.

O Ministério do Trabalho e Emprego, visando regulamentar a atividade da Comissão, editou a Norma Regulamentadora 5 – NR-5, que detalha, dentre outros aspectos, os objetivos, a constituição e as atribuições dos membros da CIPA.

Os eleitos como membros da CIPA cumprem mandato de 1 (um) ano, sendo permitida a reeleição. Um detalhe importante é que os membros da Comissão, eleitos para o cargo de direção, não podem sofrer dispensa arbitrária, tendo como fundamento motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro, o que lhe garante estabilidade pelo período contato desde o registro de sua candidatura, até 1(um) ano após o final de seu mandato1.

Outro ponto de salutar importância garantido aos membros da CIPA é a vedação de sua transferência para outro estabelecimento, sem a sua anuência, conforme item 5.9 da NR-5, ressalvado o disposto no art. 469 da CLT, ou seja, são exceções: a transferência de empregado exercente de cargo de confiança, ou na hipótese de previsão contratual de transferência, ou decorrente de real necessidade do serviço, e ainda, nos casos de extinção do estabelecimento em que labora o trabalhador.

Quando o colaborador, membro da CIPA, pede transferência e passa a trabalhar em outro estabelecimento, ele(a) perde a condição de cipeiro e a estabilidade?

O colaborador escolhido como membro da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes é eleito para, dentre outras atribuições, identificar riscos do processo de trabalho, elaborar plano de trabalho preventivo de acidentes, divulgar informações relativas à segurança e saúde no trabalho adstrito àquele estabelecimento no qual foi nomeado.

Essa limitação dos poderes como membro da CIPA é decorrente do próprio processo eleitoral, vale dizer, são os pares daquela determinada localidade quem exercem o poder de escolha para que o membro eleito ali exerça o seu mandato.

Se o colaborador membro da Comissão pede a sua condução para outro estabelecimento da mesma empresa, tem-se que os colaboradores daquela nova localidade não exerceram a escolha daquele colaborador transferido para ser o seu representante na CIPA.

É neste sentido que entendemos, salvo melhor interpretação, que o membro da CIPA que tenha solicitado mudança de endereço, dentro do curso de seu mandato, e que passe a exercer seu trabalho em outro estabelecimento, perde o seu cargo como membro da Comissão.

Quanto ao segundo ponto, relativo à estabilidade, se o colaborador muda de estabelecimento, ainda que tenha sido a seu pedido, diante do silêncio do legislador tanto na CLT, quanto na NR-5, entendemos que a estabilidade permanece pelo mesmo tempo previsto no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e na NR-5 – desde a candidatura, até 1 (um) ano após o final do mandato.

Salvo melhor juízo, o legislador deixa claro que a estabilidade não é uma vantagem pessoal do indivíduo eleito, mas uma garantia para aqueles membros da CIPA. No entanto, a perda da estabilidade é condicionada, pelas previsões legais, a duas hipóteses:

(i) Caso o estabelecimento em que o colaborador cipeiro tenha sido extinto;

(ii) E no caso de demissão por justa causa, quando comprovadamente tenha o colaborador cipeiro praticado um dos atos previstos no art. 482 da CLT.

Se o colaborador eleito muda de estabelecimento, sem que o estabelecimento anterior tenha sido extinto, e se não é o caso de rescisão contratual por justa causa, não havendo hipótese legal diversa, parece-nos o caso de manutenção da estabilidade, até o término do prazo legal e normativo.

Neste interim, a Súmula 339 do TST, dispõe que

A estabilidade provisória do cipeiro não constitui vantagem pessoal, mas garantia para as atividades dos membros da CIPA, que somente tem razão de ser quando em atividade a empresa. Extinto o estabelecimento, não se verifica a despedida arbitrária, sendo impossível a reintegração e indevida a indenização do período estabilitário. (ex-OJ 329 da SBDI-1 - DJ 09.12.2003)

A jurisprudência, em semelhante sentido, e.g., traz as seguintes previsões:

MEMBRO DA CIPA. ESTABILIDADE. EXTINÇÃO DO ESTABELECIMENTO. TRANSFERÊNCIA DO EMPREGADO PARA OUTRA UNIDADE DA EMPRESA. A estabilidade provisória do cipeiro não constitui vantagem pessoal, mas garantia para as atividades dos membros da CIPA, que somente tem razão de ser quando em atividade a empresa. Em razão de contingências técnicas, econômicas e financeiras, encerradas as atividades na unidade onde o autor trabalhava, não se verifica a despedida arbitrária, sendo impossível a reintegração e indevida a indenização do período estabilitário (inteligência do item II, da Súmula 339, do TST). (TRT-12 - RO: 00029100220155120006 SC 0002910-02.2015.5.12.0006, Relator: GISELE PEREIRA ALEXANDRINO, SECRETARIA DA 3A TURMA, Data de Publicação: 12/07/2016).

Vejamos: se não é o caso de dispensa do colaborador, e nem o caso de extinção do estabelecimento, ante a ausência de previsão legal e normativa, e considerando a ausência de decisões jurisprudenciais uníssonas em sentido contrário, bem como em observância ao princípio da proteção ao trabalhador, entendemos, analogicamente, ser cabível a manutenção da estabilidade até o término do mandato.

A estabilidade, a nosso sentir, é direito irrenunciável, e cujo entendimento encontra baliza em acórdão proferido pelo Tribunal Superior do Trabalho, nos autos do precedente RR - 6582-63.2011.5.12.0004, razão pela qual, mesmo a transferência a pedido do cipeiro, não ensejaria a perda de estabilidade.

Obviamente, o tema é tratado aqui utilizando-se uma hermenêutica extensiva, e não se esgota com tais reflexões. Ainda que haja a anuência do colaborador cipeiro, a irrenunciabilidade da estabilidade nos parece ser, até ulterior entendimento, a diretriz a ser considerada quando da alteração de estabelecimento do membro da CIPA, em detrimento do cargo então por ele(a) ocupado.

__________

1 Art. 10, inc. II, alínea “a”, da ADCT.

___________

Brasil. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível aqui. Acesso em 10 dez. 2021.

Brasil. Norma Regulamentadora nº 5. Disponível aqui. Acesso em 10 dez. 2021.

Estabilidade a membro da CIPA é irrenunciável, decide turma do TST. Acesso em 10 dez. 2021.

 

Dannúbia Santos Sousa Nascimento
Advogada graduada pela Universidade Católica de Brasília - UCB. Especialista em Direito Processual Civil, pela Universidade de Santa Cruz do Sul/SC. Integrante da equipe do Petrarca Advogados.

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