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O STJ proibiu a utilização do Airbnb?

Constou do voto que os Recorrentes, proprietários de dois imóveis objetos do Airbnb, forneciam serviço de lavanderia e internet, além de terem realizado modificações estruturais no apartamento para comportar maior número de pessoas.

9/12/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Inovações disruptivas são assim denominadas porque ofertam produto ou serviço usualmente existente no mercado, mas de maneira simplificada, e com melhores custos e condições frente a seus concorrentes. Trazem uma solução que, muitas vezes, surpreende até mesmo os usuários frequentes de congêneres. Para visualizar apenas um exemplo, veja-se que a possibilidade de chamar um Uber via aplicativo, de qualquer lugar e a qualquer tempo, mitigou o modus operandi dos táxis, tão internalizado até dado momento.

Essas plataformas testaram seus procedimentos. Foram provadas. Funcionam porque trazem facilidade e comodidade. Atenderam, enfim, a uma necessidade.

Ocorre que, no Brasil, é perceptível que essas inovações, eventualmente, são alvo ora de regulamentação, ora de interpretações judiciais que acabam, por muitas vezes, solapando justamente o que trazem de inovador.

Esse movimento está acontecendo com o Airbnb. Em razão do julgamento do REsp n. 1819075/RS, pelo STJ, em abril de 2021, houve uma profusão de notícias enunciando uma suposta proibição de Airbnb em condomínios residenciais.

Tal constatação, contudo, merece cautela.

Naquela oportunidade, a 4ª Turma do STJ analisou caso que detinha muitas peculiaridades. Constou do voto que os Recorrentes, proprietários de dois imóveis objetos do Airbnb, forneciam serviço de lavanderia e internet, além de terem realizado modificações estruturais no apartamento para comportar maior número de pessoas.

Naquele aresto, o STJ interpretou que o Airbnb seria um "contrato atípico de hospedagem" e caso o condomínio objetivasse obstar seu uso, deveria colocar regra na convenção de condomínio nesse sentido, pois tal prática poderia ferir a destinação residencial atribuída.

A decisão não detém caráter vinculante e foi tomada com base nesses elementos fáticos que vinham das instâncias ordinárias. Tanto é assim que o Ministro Antonio Carlos Ferreira expressamente consignou que "haveria um equívoco se este julgamento fosse divulgado de modo a vincular seu resultado à atividade desempenhada pelas empresas de aplicativos, como é o caso do assistente admitido nestes autos, o "AirBNB".

Não obstante tal ponderação, a forma pela qual a decisão foi disseminada gerou afirmações descuidadas, que induzem e afirmam que o Airbnb estaria vedado em condomínios edilícios residenciais. Decisões nesse sentido, que invocam tal julgado da Corte Superior, estão sendo frequentes, por exemplo, no Tribunal de Justiça do Paraná1 e no Tribunal de Justiça de São Paulo2.

Recentemente, a 3ª Turma do STJ julgou um segundo caso envolvendo o Airbnb, em que se discutiu a possibilidade de os condomínios proibirem essa atividade por meio de decisão assemblear, prevalecendo o entendimento de que tal vedação é permitida.

Explanado o que há de novo sobre o tema, precisam ser explicitadas algumas premissas e retiradas outras conclusões.

Primeiro, para que seja possível analisar plataformas como o Airbnb se torna necessário qualificar esse contrato. As discussões existentes na literatura indicam que o debate usualmente se dá pela contraposição entre a hospedagem e a locação por temporada. O diferencial da hospedagem residiria no fato de que é elemento do negócio a prestação de serviços, como a internet, a lavanderia, o café da manhã, e assim por diante. Na locação por temporada, de outro vértice, inexiste tal prestação, bastando que haja a cessão do uso do imóvel sem que a contratação exceda noventa dias.

Esse movimento é sintomático de uma "paixão do típico"3. O intérprete busca as figuras jurídicas que lhes são comuns, em razão de uma aparente segurança que o típico ofertaria para a resolução de litígios. Afinal, teria ele, a seu dispor, um regramento jurídico ao qual se apoiar. Contudo, tomado por esse temor, tal qualificação pode levar a uma disfunção daquele negócio entabulado. Nessa investida, é feito um enquadramento a força de um contrato que, por sua essência, tem vestimenta própria.

Com isso, a finalidade e a causa contratual são desconfiguradas, a ponto de colocar em risco o que deveria ser um movimento natural do tráfego mercantil. Afinal, as novas figuras jurídicas são formuladas por meio da criatividade negocial, usualmente no intuito de aprimorar técnicas utilizadas no meio, obter mais lucro, e considerando a mitigação de custos.

Tal constatação torna-se relevante, porque a Corte Superior, ao invés de ditar que havia, no primeiro caso, um "contrato atípico de hospedagem", poderia apenas, e de maneira mais apropriada, afirmar que se trata de um contrato atípico, prática possibilitada pelo ordenamento jurídico (Código Civil, art. 425).

O Airbnb tem características próprias, sendo desnecessária a postulação de aplicação das regras das legislações atinentes à locação de imóvel urbano e hospedagem. Isso porque, muito embora não seja legalmente típico, é, há muito, socialmente típico.

Segundo, é preciso evidenciar a confusão terminológica que pode advir do julgado da Corte Superior. Entendeu o STJ que, no primeiro caso, era legítimo que o condomínio obstasse o Airbnb, porque foi conferida destinação comercial ao imóvel.

Ocorre que, em matéria de locação e condomínio, o que se compreende por "destinação comercial" é a finalidade que aquele imóvel terá, isto é, se será exercida alguma atividade comercial naquele espaço. No caso do Airbnb, parece evidente que o usuário da plataforma não exercerá atividade econômica organizada, mas apenas fará uso do local com o objetivo de gozar de férias, residir enquanto está a trabalho ou em estudo temporário, e assim por diante.

Note-se que o espectro do que é comercial, segundo as legislações sobre essas matérias, toma por base a posição daquele que utilizará o imóvel e não do que cede o uso. Afinal, a incorporadora que vende o imóvel e o locador que o loca evidentemente têm escopo de obtenção de lucro e nem por isso o adquirente de imóvel residencial e o locatário exercerão atividade comercial.

Dessa forma, denota-se que a Corte Superior inverteu o sujeito analisado, verificando apenas a atividade do proprietário do imóvel, em oposição ao entendimento vigente a respeito do que se entende por destinação comercial.

O tema, enfim, merece melhor cuidado, sob pena de não violar o direito de propriedade em nome de um julgado que sequer pode ser considerado vinculante.

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1 TJPR - 8ª C.Cível - 0075246-83.2020.8.16.0000 - Curitiba -  Rel.: DESEMBARGADOR SERGIO Roberto Nobrega Rolanski -  J. 26.07.2021; TJPR - 9ª C.Cível - 0000515-50.2019.8.16.0001 - Curitiba -  Rel.: Des. Domingos José Perfetto -  J. 20.05.2021.

2 AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. AIRBNB E APLICATIVOS CONGÊNERES. Agravante que, na qualidade de condômino, pretende a concessão de tutela de urgência para fazer com que o condomínio edilício agravado se abstenha de proibir ao recorrente que disponibilize o seu imóvel em plataformas virtuais de hospedagem (Airbnb). Ausência dos requisitos do art. 300 do CPC/15. Probabilidade do direito alegado não verificada. Os condomínios puramente residenciais podem proibir que condôminos disponibilizem seus apartamentos em plataformas eletrônicas de fruição temporária, uma vez que referida atividade, além de impactar potencialmente na saúde, sossego e segurança dos vizinhos, destoa da destinação a ser dada às unidades autônomas. Precedente do E. STJ (REsp nº 1.819.175/RS). Decisão mantida. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP, Agravo de Instrumento 2046141-14.2021.8.26.0000; Relator (a): Rosangela Telles; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ribeirão Preto - 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/07/2021; Data de Registro: 05/07/2021); TJSP, Apelação Cível 1057128-88.2019.8.26.0100; Rel. Des.: Francisco Occhiuto Júnior; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 26ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/05/2021; Data de Registro: 04/05/2021.

3 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Tomo III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 184.

Marina Amari
Advogada no escritório Assis Gonçalves, Kloss Neto e Advogados Associados. Mestranda em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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