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Violação à intranscedência da pena: Efeitos deletérios do ambiente de trabalho dos agentes penais

Verifica-se na mídia especializada crescente número de notícias sobre situações de transtornos psicológicos entre agentes penitenciários, inclusive com destaques para conflitos e suicídios.

10/12/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Os efeitos nevrálgicos da ansiedade e depressão já são uma realidade no meio dos agentes penitenciários. A insalubridade das penitenciárias brasileiras é velha conhecida por todos os atores que compõe o sistema jurídico brasileiro.

Vários são os relatos, verificações in loco, procedimentos administrativos e judiciais abertos para averiguar as condições existentes no cárcere nacional. Ao se tratar do tema, muito se aborda sob o enfoque da população carcerária, amplamente entendida como aqueles que estão ali cumprindo pena. Mas, além deles, há outro grupo que também sofre com as situações cada vez mais precárias das penitenciárias brasileiras: os agentes penais.

Pesquisas rápidas feitas em buscadores na internet relevam a tragédia que se anuncia: esses homens e mulheres que estão à frente das penitenciarias, e são responsáveis pela manutenção e funcionamento delas, estão esgotados – físico e, principalmente, mentalmente.

Vê-se, sem qualquer dificuldade, ou mesmo necessidade de maior esforço na busca de informações, que as atuais condições de trabalho dos agentes penitenciários de todo o país estão desgastando essas pessoas físico, mental e espiritualmente.

Há, portanto, uma problemática que se anuncia, e se torna cada vez mais evidente: se há uma defasagem cada vez maior, e condições cada vez piores de trabalho, quem, em última instância, ficará a cargo de gerir e manter o bom funcionamento dos estabelecimentos prisionais? Não se vislumbra a hipótese das cadeias funcionando de forma autônoma, revelando-se imprescindível o olhar atento e cuidadoso por parte do Estado, e da sociedade, para essa classe trabalhadora.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde o Brasil é o país com a maior taxa de pessoas diagnosticadas com o quadro geral de ansiedade e o quinto maior quando falamos de depressão.

O nosso corpo possui mecanismos de defesa para lidar com as situações de estresse vivenciadas ao longo da vida. O medo, a ansiedade e a raiva, dentre outros, são apenas alguns desses mecanismos. Independente de qual seja utilizado, e da origem deles em nosso comportamento, o resultado é um só: o prejuízo na condução da vida de cada um.

Não bastasse a correria e desafios a serem superados diariamente pelas pessoas, existem determinados grupos que lidam com uma carga emocional ainda maior: os agentes de custódia carcerária. Seu trabalho é caracterizado pelo contato direto com os custodiados penais do Estado, diversas cobranças e regras específicas do exercício da sua função, além da precariedade da infraestrutura básica para exercício do ofício, além das pressões e sobrecargas de trabalho naturais ao serviço. São pessoas que vivem, portanto, no limite das emoções.

Não é estranho imaginar, portanto, que essas pessoas estejam mais facilmente suscetíveis ao desenvolvimento de transtornos mentais, tais como a depressão e ansiedade.

A função que os agentes penitenciários realizam envolvem condições e ambiente de trabalho que podem ser considerados inadequados, o que pode potencializar o desenvolvimento de sofrimento e doenças mentais nesse grupo de pessoas.

As particularidades do ofício que exercem requerem um elevado grau de condicionamento e preparo para lidarem com situações extremas que envolvem até mesmo possíveis danos à própria integridade física. Não é de se estranhar, portanto, que a maioria destas pessoas desenvolvam algumas síndromes mentais com o tempo, como por exemplo ansiedade e depressão.

A função pública do agente penitenciário engloba uma série de atividades dentre as quais destacamos o monitoramento, custódia, segurança e movimentação das pessoas penalmente custodiadas pelo Estado.

A precariedade das instalações físicas das penitenciárias (que não propiciam qualquer tipo de ergonomia ou conforto para desenvolvimento das atribuições do cargo) e a defasagem de pessoal são os dois grandes maiores motivos agravadores do stress ocupacional os quais os agentes estão submetidos.

Segundo a Organização Mundial de Saúde1 (OMS, 2017), a profissão de agente policial é a segunda maior profissão causadora de stress nos indivíduos, perdendo tão somente para os mineradores de carvão.

A realidade das penitenciárias é conhecida de todos os atores do sistema jurídico. A precariedade estrutural das instalações (que não contam com as reformas necessárias na imensa maioria das vezes), a ausência de manutenção adequada dos equipamentos de segurança (quando não a ausência por completa destes), o baixo efetivo de pessoal (que se dá tanto pela não recolocação das vagas ociosas quanto pelo afastamento do pessoal que está na ativa) são apenas algumas das dificuldades com que os agentes penitenciários diariamente convivem. Some-se à isso as já não mais tão recentes, e cada vez mais comuns, rebeliões internas dos detentos e teremos então um ambiente perfeito para a proliferação dos transtornos da mente dentre os agentes de segurança penitenciária.

É inegável que os agentes penitenciários estão expostos às condições nada favoráveis de trabalho. Muito embora parte dessa exposição seja naturalmente decorrente da atividade por eles exercida, a maior parcela de culpa dessa alta carga emocional a que eles estão submetidos advém, sem sombra de dúvidas, da precariedade das condições que lhe são ofertadas para o desenvolvimento de seus trabalhos. Infelizmente, essa é uma realidade já conhecida e definida, inclusive, pela mais alta corte do país – o Supremo Tribunal Federal, como um estado de coisas inconstitucional.

Já foram realizados alguns trabalhos abordando a presente temática em presídios brasileiros. Isso mostra que a crescente taxa de problemas de saúde mental entre esses trabalhadores, inclusive culminando em suicídio, já chama a atenção de determinados setores da sociedade.

O primeiro trabalho a merecer destaque foi o realizado por Ana Cavallin (2021)2 com os agentes penitenciários do Presídio Regional de Passo Fundo. O projeto acadêmico desenvolvido pela autora foi realizado através de pesquisa feita por questionários autoaplicados com 50 agentes penitenciários daquela unidade prisional. Os achados nesse projeto de pesquisa foram reveladores.

Segundo o estudo, 66% dos entrevistados afirmaram sentir-se em perigo em seu local de trabalho. Ainda, 84% responderam terem medo de serem expostos a doenças ou outras moléstias no ambiente prisional. Quanto questionados sobre itens relacionados ao medo, 52% afirmaram ter medo de sofrer algum tipo de agressão no local de trabalho e 78% disseram temer pela integridade física de familiares.

Como se vê, são altas as porcentagens de agentes penitenciários que se vislumbra sob "pressão" pelas condições e local de trabalho. Não é de se estranhar, portanto, que o estudo tenha concluído que os índices de depressão e ansiedade, 14% e 18% respectivamente, entre os entrevistados tenha ficado bem maior que a média da população nacional, que é de 9%. Os números impressionam, mas não são nada mais que reflexo da própria atividade que exercem aliados às péssimas condições de trabalho a que estão submetidos.

Outro estudo de igual teor foi realizado por Rafaela Campos3. O trabalho realizado pela pesquisadora tinha como objetivo investigar manifestações de stress emocional em agentes penitenciários no Estado de Minas Gerais.

O grande ponto evidenciado no estudo conduzido por Rafaela Campos foi o dado de que 96%, ou seja, quase a totalidade dos entrevistados, afirmaram que o trabalho realizado de forma estressada interfere diretamente em sua atuação profissional. Há a consciência dos agentes penais de que exercerem suas atividades nestas condições pode interferir diretamente em rotinas de segurança e exercício da profissão. Essa consciência dos efeitos decorrentes do stress laboral demonstra que esses profissionais têm ciência da sobrecarga emocional a que estão submetidos e dos efeitos deletérios dela.

Outro estudo, realizado por Laís Maekawa4, em presídios de Minas Gerais, apontaram que 46,2% dos agentes penitenciários apresentam sintomas de estresse, estando a maioria nas fases de resistência e exaustão. Neste estudo pode-se observar uma taxa de 40,4% dos participantes citando a tensão muscular como um sintoma rotineiro.

Fica claro, pelos trabalhos analisados, que a profissão do agente penitenciário submete por si só o indivíduo à um grau de stress elevado. Há um estado de vigilância constante que perdura inclusive após o expediente, pois estes se veem sempre na iminência do perigo tanto a si quanto a seus familiares. Some-se a isso à precariedade das instalações carcerárias brasileiras, que contribuem e amplificam para o estado geral de stress desses trabalhadores e vemos claramente a bomba-relógio que se forma entre eles.

Infelizmente, conclui-se que a sobrecarga de trabalho, a falta de reconhecimento social, a enorme pressão interna e externa a que estes servidores estão submetidos tem acabado por ampliar e acelerar os já altos níveis de estresse da profissão.

É premente a necessidade do olhar atento do Estado para esses servidores com o foco em lhes garantir melhores condições de trabalho e dignidade, além de apoio médico e psicológico para aqueles já afetados por transtornos psicológicos. Há toda uma cadeia de responsabilidades aqui que deve ser chamada a desempenhar efetivamente o seu papel, principalmente no que tange ao cuidado daqueles que exercem tão importante função estatal.

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1 World Health Organization (WHO). Depression and Other Common Mental Disorders: Global Health Estimates. Geneva: World Health Organization, 2017. 24 p.

2 Prevalência de sintomas de ansiedade e depressão em agentes penitenciários. Cavallin, Ana Maria. 2021 (disponível aqui).

3 Estresse ocupacional em policiais penais: Estudo em uma Unidade Prisional de Minas Gerais. Campos, Rafaela Gonçalves. Disponível aqui.

4 Sanches Maekawa, L. ., Naiara de Souza Alves Côrrea, P. ., Alves Araújo, S. ., Menezes Carvalho, M. T. ., Josué da Silva, R. ., & Alves, M. G. . (2020). ESTRESSE EM AGENTES PENITENCIÁRIOS DE UM PRESÍDIO DO INTERIOR DE MINAS GERAIS. Psicologia E Saúde Em Debate, 6(2), 373–387. https://doi.org/10.22289/2446-922X.V6N2A25

Paloma Gurgel de Oliveira Cerqueira Bandeira
Advogada criminalista. Atuante na defesa de custodiados em presídios federais. Doutora pela Universidade Nacional de Mar Del Plata. Pós-doutora pelas Universidades de Salamanca (Espanha) e Messina (Itália).

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