INTRODUÇÃO
A tecnologia se torna, cada vez mais, meio para difundir e melhorar a prestação jurisdicional. Inúmeras são as iniciativas do poder judiciário para ampliar o alcance da justiça na vida de seus jurisdicionados.
A família é uma entidade especial e com proteção constitucional assegurada pelo Estado Brasileiro. Desta feita, inúmeros são os bens jurídicos relevantes que gravitam no envoltório de suas relações e precisam de proteção.
Tão logo, progressivamente, o intuito do presente estudo é proporcionar breves reflexões sobre a incorporação progressiva da tecnologia no tônus processual com ressalto de suas vantagens na conjuntura atual, assim como refletir sobre os impactos das inovações tecnológicas.
1. A INCORPORAÇÃO PROGRESSIVA DA TECNOLOGIA E OS RITOS PROCESSUAIS QUE ENVOLVEM O DIREITO DAS FAMÍLIAS
No esteio da Carta Magna consagra-se que o Estado Brasileiro, fundado em bases democráticas, traz força e importância para a proteção do núcleo familiar, o qual é considerado como base da sociedade, eivado de proteção especial, guarnecido como âmbito harmônico e entidade da qual devem ser afastadas quaisquer contextos de violência ou abandono.
A movimentação da jurisdição e seu o acesso, no âmago dos embates de família, vai além da percepção de justiça privada, visto que se caminha na requisição de pleitos que transcendem o cotidiano, tais como: paz, alimentos, harmonia, sossego, segurança, integridade, justiça para criação dos filhos ou na conservação/dissolução do vínculo conjugal.
A complexidade dos entraves familiares apresenta uma concepção diferenciada e prolongada no tempo. O afeto e a peculiaridade do trato contínuo das relações tecem um pano de fundo sentimental, misto, complexo e abastado de atritos, os quais podem culminar em processos judiciais e desafiam a elaboração de soluções equilibradas para os dois vértices, como trata a Ilustre Fernanda Tartuce:
Como os componentes da família têm uma relação contínua, problemas nos reiterados contatos podem esgastar o relacionamento e deteriorar a comunicação a ponto de criar uma espiral de incompreensões e mal entendidos.
São exemplos de conflitos familiares a situação em que pai e mãe controvertem sobre guarda e convivência com seus filhos e a existência, na dissolução da união, de divergências do casal quanto a divisão de bens e/ou sobre o pagamento de pensão alimentícia, entre outros. (TARTUCE, 2018, p.29)
Diante da profundidade dos vínculos desenvolvidos no campo familiar e, pela frequente, necessidade de submissão do imbróglio ao controle legal, analisa-se que no contexto do Código de Processo Civil de 2015 somado a aceleração digital trazida pela pandemia do covid-19, há influência maciça da tecnologia e, concomitantemente, o crescimento elevado de conflitos motivados pelo confinamento social, exemplificando-se por: trabalhos em home office, impedimentos de deslocamento, violência doméstica, convívio intenso entre familiares e outros.
Adiante, é notório que a internet transpõe barreiras e alavanca ganhos no curso da história. Desta forma, em respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção especial da entidade familiar, ambos trazidos pela constituição, combinado com os princípios da efetividade e do caráter social do processo, expõe-se os benefícios da inclusão progressiva da tecnologia no campo do processo civil.
O primeiro ganho com a tecnologia foi a preservação da tramitação das ações familiaristas em segredo de justiça e a restrição de acesso dos processos nos sistemas eletrônicos, de modo que o escudo abrange ritos que tratam sobre casamento, separação, separação de corpos, divórcio, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes, como preleciona o artigo 189 do CPC/15. O resguardo da privacidade, dos assuntos sensíveis envolvidos, respeita a esfera íntima dos litigantes, os quais, em diversos momentos, sofrem, apresentam particularidades no corpo dos autos e não desejam que ninguém, além das pessoas necessárias, obtenham acesso ao conteúdo e façam mal uso das informações.
Nos ritos de execução ou do cumprimento de sentença, pondera-se que a efetivação de atos de constrição, por meio das tecnologias bancárias (sisbajud), é bem mais eficiente. Outrossim, outras plataformas e sistemas integrados de cartórios, e juntas comerciais ou plataformas de pesquisa podem ser utilizados para obtenção de informações sobre a vida financeira ou pessoal dos genitores, curadores ou tutores.
No que tocante aos alimentos, o CPC/15 traz a prerrogativa da possibilidade de comunicação com a empresa ou ente, em que o alimentante trabalha, para a efetivação do desconto em folha ou concretização da penhora de quantia, como se depreende dos artigos 529, 831 e 932, todos do CPC/2015.
Ato contínuo, no recebimento das ações contenciosas de família aponta-se otimização diante da viabilidade de agendamento de audiência de conciliação ou mediação em plataformas online, situação que abrange nível superior de segurança física e psicológica para os envolvidos e na exposição de suas pretensões. As audiências online são capazes de afastar episódios de agressões ou violência calorosa em razão da sensibilidade dos assuntos tratados.
Outrossim, mais uma melhoria advinda da informática se dá na facilitação de comunicação e interlocução de profissionais multidisciplinares nos processos em questão. Como exemplo, cita-se o compartilhamento de documentos, laudos e emprego de técnicas consensuais para a solução das pautas dentre outros.
No tocante à oitiva especializada de menores, destaca-se vitórias memoráveis com a computação para a expressão da criança ou adolescente de modo mais acolhedor, sob o respeito da condição de pessoa em desenvolvimento.
A Resolução 250/2019 do Conselho Nacional de Justiça zela pela implantação de salas especiais para a escuta de menores, vítimas ou testemunhas nos casos de violência ou abuso, posto que a abordagem aspira o uso de meios terapêuticos e seguros para o ato. Ademais, a tecnologia é protagonista para provisionar a transmissão online da fala para a sala de audiência, valendo como depoimento pessoal ou como prova emprestada.1
No campo de proteção da mulher, o CNJ, por meio de sua Resolução 346/2020, normatiza quais os meios de comunicação que o poder judiciário deve adotar nos casos de pedido de medida protetiva de urgência em casos de violência. Em razão do caráter emergencial do direito em pauta, o referido órgão, para fins de efetividade e comunicação instantânea, utiliza aplicativo de mensagens (whatsaspp), e-mails ou telefones para o aperfeiçoamento das comunicações, situação que comprova que o meio digital se porta como aliado no resguardo daqueles que precisam da proteção.2
Ante o exposto, assevera-se que a tecnologia se amolda no papel de agente transformador e catalisador da atividade judicial brasileira. Analisa-se que a inclusão progressiva da informatização propiciou ganhos para a melhor prática dos atos processuais.
2. AS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS E A MELHORIA DA TUTELA FAMILIARISTA
A inovação e a tecnologia quebram inúmeros e sucessivos parâmetros na sociedade. Diante de ambiente hiper informatizado, considera-se que a tendência e o panorama atual é que informática se incorpore como chave motriz dos mais diversos âmbitos sociais.
A constatação da crescente evolução dos meios computacionais não deixa qualquer dúvida sobre os intensos fenômenos vividos atualmente, como consagram as palavras dos Ilustres José Carlos de Araújo Almeida Filho e Aldemario Araújo Castro em que aduzem que "A Internet quebrou mais barreiras que a própria queda do Muro de Berlim. As fronteiras entre os países permanecem no campo material, mas deixaram de existir no mundo" (ALMEIDA FILHO; CASTRO; 2006, p. 183)
A evolução ascendente não poderia ser diferente dentro do meio digital e no que tange ao direito das famílias. Tão logo, visita-se alguns institutos inovadores, os quais acredita-se que são aptos para alterar o modus operandi do serviço jurídico e a melhoria dos processos.
No âmbito legal e voltado para o desenvolvimento do processo produtivo, a lei 10.973/04 conceitua como inovação:
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se:
IV - inovação: introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo e social que resulte em novos produtos, serviços ou processos ou que compreenda a agregação de novas funcionalidades ou características a produto, serviço ou processo já existente que possa resultar em melhorias e em efetivo ganho de qualidade ou desempenho; (Redação pela lei 13.243/16) (BRASIL, 2004)
Nesta linha de intelecção, a inovação pode ser considerada como a melhoria ou aperfeiçoamento de processos já existentes. Tal enfoque é essencial para as melhorias sugestionadas, dado que o intuito não é desconsiderar todo trabalho feito, mas incrementá-lo.
O primeiro exemplo proveniente de processo inovador é com o uso do aplicativo de mensagens whatsapp, o qual está sendo incorporado maciçamente na rotina do poder judiciário e no cerne dos processos judiciais, em exemplos como: comunicação de medidas de urgência em casos de violência doméstica, uso para citações e intimações ou no atendimentos de demandas judiciais de partes/advogados, É notório o ganho de agilidade após o uso da ferramenta para maior acessibilidade dos jurisdicionados.
No esteio do direito de família, acredita-se que o mesmo aplicativo é apto para auxiliar no exercício da guarda compartilhada entre os genitores até em localidades diversas. Conscientiza-se que os pais podem ficar próximos do filho pelo convívio digital com vídeo chamadas, mensagens, bem como, quando possível a comunicação harmoniosa, na divisão de responsabilidades e decisões com o outro genitor.
Adiante, no caminho das inovações, nota-se o "Juízo 100% Digital, método de trabalho recentemente desenvolvido e incorporado nos tribunais brasileiros. O referido instituto provisiona à tramitação dos processos e atendimento das partes por canais exclusivamente digitais, modelo vantajoso sob os seguintes aspectos: celeridade na consecução dos prazos processuais, acessibilidade facilitada às secretária judiciais, comunicação rápida com as partes e procuradores, diminuição de custos com despesas/custas processuais, aproximação do poder judiciário com o dia a dia do cidadão e outros.
Como último exemplo de recurso da inovação, frisa-se o emprego do visual law em documentos jurídicos. Atentando-se para a importância do tema, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 347/2020 que dispõe sobre a política de contratações para o poder público e encampou importante diretriz em seu projeto.
A resolução retromencionada cita e define o "Visual Law" como subárea do legal design, a qual detém o intuito de tornar o direito mais claro e compreensível por meio de gráficos, imagens e outros recursos:
1 - Para os fins desta Resolução, consideram-se:
XXV – Visual law – subárea do Legal Design que utiliza elementos visuais tais como imagens, infográficos e fluxogramas, para tornar o Direito mais claro e compreensível. (CNJ [2], 2020)
No conteúdo do referido documento frisa-se que utilizar o visual law integra o planejamento estratégico de comunicação do âmbito judicial para tornar os dados mais claros, usuais e acessíveis:
Art. 32. Compete aos órgãos do Poder Judiciário elaborar o Plano Estratégico de Comunicação para implementação dos ditames desta Resolução, que assegure, além do disposto na Resolução CNJ 85/09, os seguintes objetivos: [...]
Parágrafo único. Sempre que possível, dever-se-á utilizar recursos de visual law que tornem a linguagem de todos os documentos, dados estatísticos em ambiente digital, análise de dados e dos fluxos de trabalho mais claros, usuais e acessíveis. (CNJ [2], 2020)
Tão logo, no ramo processual que envolve questões pertinentes ao direito das família, o emprego do visual law é capaz de incrementar na clareza das pretensões dos litigantes e muitos comandos judiciais poderiam ser explicados em linguagem mais acessível e sem causar temor em quem os recebe. Ademais, aponta-se melhoria, na exposição entre a necessidade/possibilidade/proporcionalidade em relação a questão dos alimentos e gastos do alimentando, regulamentação da divisão, responsabilidades/prerrogativas atinentes ao poder familiar, normatização de visitas de forma lúdica e outros.
Ante todo o exposto, denota-se que a presença de elementos com a filosofia da inovação digital torna o poder judiciário mais célere e harmônico na pacificação dos anseios privados, item que viabiliza o princípio da acessibilidade à justiça e eficiência sob a visão da administração pública.
CONCLUSÃO
Antes o exposto, compreende-se que a tecnologia trouxe melhorias significativas para o âmbito do processo familiar, ao passo que a digitalização de demandas e recursos estimula eficiência na prestação do serviço em questão, reforça a proteção integral da família e zela no resguardo das garantias constitucionais. Os bens jurídicos lucram com recursos adicionais destinados para a solução focada em suas necessidades.
No cerne das inovações tecnológicas, destaca-se que o uso gera benefícios para o aperfeiçoamento de processos já existentes, como também agrega o emprego inovações no setor público, o que torna o ambiente social aberto para evoluções e suscita soluções mais adstringentes nas questões sociais mais complexas a cada dia.
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1- CNJ, 2019: Art. 7º A implantação das salas de depoimento especial é obrigatória em todas as comarcas do território nacional, nos termos da Lei no 13.431/2017 por tratar-se de direito de todas crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência apresentar suas narrativas de forma segura, protegida e acolhedora.
[...]
Art. 9º A transmissão on-line à sala de audiência é própria do depoimento especial, velando para que haja a publicidade e transparência inerente à ampla defesa do imputado e à garantia de direitos da criança e/ou do adolescente.
[...]
Art. 24. O depoimento especial deverá ser gravado em sua integralidade para preservar seu teor e permitir, mediante autorização judicial, sua utilização em outros processos judiciais que tenham, ainda que parcialmente, a situação de violência como objeto.
2- CNJ, 2020: Art. 3º O juiz deverá adotar as medidas para que, no expediente em apartado a lhe ser encaminhado pela autoridade policial com o pedido da ofendida de concessão de medidas protetivas de urgência (art. 12, III, da lei 11.340/06), haja a consignação do número de telefone fixo, celular, WhatsApp ou e-mail por intermédio dos quais a vítima pretenda receber as comunicações previstas no artigo anterior, com expressa anuência de tal forma de notificação, sem prejuízo de sua eventual e posterior intimação por mandado.
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ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo; CASTRO, Aldemario Araújo. Manual de Informática Jurídica e de Direito da Informática. Rio de Janeiro: Forense, [2005].
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 . Brasília, DF: Presidência da República , [2020] . Disponível aqui. Acesso em 11 set. de 2021
BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.Brasília, DF:Presidência da República, [2020]. Disponível aqui. Acesso em Acesso em 11 set. de 2021.
BRASIL. Lei 10.973 de 2 de dezembro de 2004. Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências.Brasília, DF:Presidência da República, [2020]. Disponível aqui. Acesso em Acesso em 11 set. de 2021.
BRASIL, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015 .Código de Processo Civil. Brasília, DF: Presidência da República, [2020]. Disponível aqui. Acesso em 11 de set. de 2021
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução 250 de 03/11/2019. Dispõe sobre o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, de que trata a Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça.[2021]. Disponível aqui. Acesso em 11 de set. de 2021
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução 346 de 08/10/2020. Dispõe sobre o prazo para cumprimento, por oficiais de justiça, de mandados referentes a medidas protetivas de urgência, bem como sobre a forma de comunicação à vítima dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão (art. 21 da lei 11.340/06). Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça.[2021]. Disponível aqui. Acesso em 11 de set. de 2021
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução 347 de 13/10/2020.
Dispõe sobre a Política de Governança das Contratações Públicas no Poder Judiciário. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça. [2021]. Disponível aqui. Acesso em 11 de set. de 2021
TARTUCE, Fernanda. Processo civil no direito de família: teoria e prática. 3. ed (rev. atual. ampl). São Paulo: Método, [2018].