A Covid-19, síndrome respiratória viral que dizimou milhões de vidas mundo afora, trouxe não somente mudanças de hábitos relacionados às questões comportamentais como a obrigatoriedade de uso de máscara facial ou distanciamento social, mas também alterações da forma de relacionamento entre empregados e empregadores. Com o reconhecimento do estado de calamidade pública no Brasil por meio do Decreto Legislativo 6/20, o Governo Federal regulamentou matérias, recorrendo também a outras legislações esparsas, para controle da disseminação do vírus em sedes empresariais.
Para tanto, valeu-se, primeiramente, das questões relacionadas à redução de jornada de trabalho proporcionais ao salário, bem como ao incentivo dado pelo Governo Federal às empresas que adotassem tal modelo de trabalho. No mesmo patamar, regulou ainda o teletrabalho e o home office.
Essas modalidades a partir de agora, com a contenção da Covid-19, serão exemplos a serem seguidos por inúmeros empresários, dada a economia que traz tal instituto. Contudo, para uma aplicação efetiva fica evidente a necessidade de uma regulamentação mais completa e capaz de abranger dúvidas que ficam na aplicação desses modelos.
A grande questão enfrentada nos Tribunais, entretanto, relaciona-se à obrigatoriedade ou não da comprovação da vacina da Covid-19 pelos empregados e se a recusa da apresentação do cartão de vacinação enseja, ou não, a dispensa motivada do obreiro. Antes de mais nada é preciso entender que as vacinas não nos isentam de contrair o vírus, mas, atuam na prevenção, induzindo a criação de anticorpos por parte do sistema imunológico, reduzindo, dessa forma, a possibilidade de infecção, evitando a evolução para quadros mais graves e principalmente a morte.
Neste escopo, portanto, é necessário que tenhamos claro que o direito coletivo prevalecerá em detrimento do direito individual, uma vez que não há direito humano fundamental que seja absoluto e que, quando falamos em normas de saúde, àquele sempre prevalecerá. A própria Constituição Federal em seu art. 196 garante a todos o direito à saúde, sendo dever do Estado, garantido mediante políticas públicas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença.
Não somente o dispositivo em comento, porém, garante a saúde como direito universal. No que diz respeito às relações de emprego, temos que é dever do empregador reduzir os riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Veja, portanto, que a Carta Maior já estabelecia, muito antes da chegada do vírus da Covid-19, o dever do empresário em observar as questões de saúde relacionadas aos seus empregados. Sem que se olvide das questões de saúde e/ou convicção religiosa de alguns empregados em justificar o motivo pelo qual não se vacinaram, é preciso que tais empregados tenham consciência de que, havendo exigência de seu empregador pela comprovação da vacina, uma vez recusada, este poderá ser dispensado por justa causa.
A questão, inclusive, foi enfrentada pelo STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 6.586. Foi então julgada constitucional a obrigatoriedade de vacinação contra o novo coronavírus, sob o argumento de que a vacinação em massa, em caráter preventivo, é o meio pelo qual se reduz a morbimortalidade de doenças infecciosas transmissíveis e provocação de imunidade de rebanho, com vistas a proteger a coletividade, em especial os mais vulneráveis.
Mesmo com tal entendimento já consolidado na Suprema Corte, o Ministério do Trabalho e Previdência proibiu, por meio da Portaria 620/21, a adoção por parte do empregador de exigir documentos discriminatórios ou obstativos para contratação, especialmente comprovante de vacinação, considerando discriminatória a demissão por justa causa de empregado em razão da não apresentação de certificado de vacinação. Por sua vez, e de uma forma louvável, o Ministro Luís Roberto Barroso, no último dia 12, suspendeu dispositivos da Portaria, assinalando que, de acordo com os princípios da livre iniciativa, o poder de direção do empregador e a subordinação jurídica do empregado são elementos essenciais da relação de emprego. Isso atribui ao primeiro a orientação sobre o modo de realização da prestação do trabalho e ao segundo, o dever de observá-la.
Sem entrar no mérito que já há legislação relacionada aos documentos que não devem ser exigidos pelo empregador, tais como teste de gravidez na contratação e atestado de antecedentes criminais, é preciso entender que a exigência de comprovação de vacinação da Covid-19 é meio pelo qual o empregador garante a saúde de seus trabalhadores. Não há prática discriminatória, dessa forma, quando o empregador exigir o comprovante de vacinação e menos ainda, se exigir testes relacionados à doença.
Não se exige, de outro turno, que o empregado seja obrigado a se vacinar, até porque estaríamos enfrentando questões outras que poderiam ferir o direito individual do empregado. Contudo, caso o empregado opte por não se vacinar, deverá apresentar teste negativo de contaminação.
Nesse sentido, por óbvio, que havendo negativa do empregado, este poderá sim ser dispensado por justa causa, mas que esta deve ser aplicado com cautela e, até mesmo, como última alternativa tendo em vista ser a pena mais grave aplicada ao empregado. Além disso, já houve confirmação da dispensa motivada em questão enfrentada pelo TRT da 2ª Região (São Paulo), que manteve a rescisão por justa causa de funcionária de hospital que se negou a tomar vacina.
Será esse o caminho a prevalecer nos Tribunais, mas, veja, é necessário que as empresas sejam eficazes em elaborar programas de conscientização sobre a vacina, bem como, adotar outras práticas para que seus empregados tenham consciência da importância da mesma.