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Planejamento sucessório: uma via menos dolorosa e onerosa através da constituição da holding familiar

Não há dúvidas que o evento morte traz consigo incertezas de várias ordens, dentre as quais é possível extrair insegurança e debates acerca da partilha dos bens do sucedido, assim como no que tange à administração da coleção patrimonial que foi transferida pela ocorrência da saisine.

17/11/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

1. Introdução.

O evento morte quase sempre inviabiliza o preparo emocional, organizacional e financeiro da família do de cujus. Não há dúvidas de que o momento da passagem gera incertezas e inseguranças, para além da insondável dor emocional pela perda da pessoa amada.

Ao olhar para o viés administrativo e pragmático do falecimento, os herdeiros são obrigados a enfrentar diversos obstáculos para ver observada a partilha dos bens do morto e, sobretudo, a observância de sua vontade última.

Ocorre que, não raras vezes, quanto à partilha, a sucessão se torna um verdadeiro campo de batalha típico da idade média, onde familiares e herdeiros enfurecidos, raivosos e egoístas entram em conflitos injustificáveis com seus próprios parentes, de formar a se ver mais favorecidos ou, no mínimo, menos prejudicados, pouco se importando com as eventuais manifestações formais ou não de última vontade do autor da herança.

Aliás, frequentemente é visto, na prática forense, ações declaratórias de nulidade de testamento sob o argumento de que o testador, quando de sua declaração final, encontrava-se incapaz de se manifestar livre e desimpedidamente. Porém, a praxe tem mostrado que, quase na maioria dessas demandas, a conclusão judicial vem no sentido de se tratar, em verdade, de mera irresignação com a forma com a que partilha foi idealizada pelo testador.

Com o escopo de inviabilizar tais situações ou, pelo menos, minimizá-las, idealizou-se o planejamento sucessório como um instrumento que possui o escopo de organizar a transferência de bens e patrimônios de uma pessoa, ainda viva, aos seus herdeiros.

Apesar da vedação da pacta corvina,1 situação que não se confunde em absoluto com o instituto em análise, a ideia é que, por meio do planejamento sucessório, o sucedido pudesse de modo antecipado, de forma a prevenir-se de problemas como o conflito familiar, dispor dos bens que possui conforme o seu desejo, além de reduzir custos tributários oriundos da sucessão ordinária2.

O planejamento sucessório, por sua vez, pode se dar através da adoção de várias estratégias jurídicas e lícitas, como, por exemplo, a elaboração de um testamento, a doação ordinária em vida de um determinado patrimônio ou mesmo por meio das atualmente aclamadas holdings familiares (ou, para alguns, empresas familiares).

Efetivar o planejamento sucessório pressupõe, em linhas gerais, maior operabilidade na realização da vontade do sucedido, além de uma menor incidência tributária.

A propósito, deve-se ter em mente que “o fundamento da causa mortis estaria não apenas na continuidade patrimonial, ou seja, na manutenção pura e simples dos bens na família como forma de acumulação de capital que estimularia a poupança, o trabalho e a economia, mais ainda e principalmente no fator de proteção, coesão e perpetuidade da família”,3 razão pela qual o planejamento pelo próprio sucedido é de extrema relevância.

Nesse cenário, o planejamento sucessório, realizado antecipadamente, busca evitar que a ausência do patriarca venha a desestabilizar o negócio da família, a perpetuidade e a convivência harmônica dos herdeiros e demais familiares.

Em outros termos, o planejamento vem a permitir que os pais (ou sucedidos) protejam os bens que serão repassados aos filhos (ou herdeiros), dê efetividade ao seu desejo e conserve a boa convivência de sua família e, em muitos casos, operabilidade ao negócio exercido pelo núcleo familiar.

2. Da Holding Familiar. Características e benefícios.

Por meio da implementação da denominada holding familiar, cria-se uma sociedade empresária típica que virá a receber, por meio da integralização de seu capital subscrito, a coleção de bens dos patriarcas e/ou sucedidos, sendo que estes passam a ser titulares das suas cotas/ações, ou os herdeiros, mantendo-se aqueles, neste último caso, em usufruto vitalício das referidas cota/ações4.

Destacam Simone Tassinari Cardoso Fleischimann e Fernando René Graeff, que “atualmente, uma das principais ferramentas para a implementação do planejamento sucessório é a constituição da holding familiar”, cuidando-se, tal opção, “da formação de uma sociedade para a qual são transferidos bens de determinada pessoa (mediante a integralização do capital social), que, em contrapartida, se torna titular de quotas ou ações da referida sociedade”.5

Nos moldes da legislação em vigência, existem três tipos societários que podem ser escolhidos no caso da constituição da holding familiar, quais sejam a EIRELI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada), a Sociedade por Responsabilidade Limitada e a Sociedade Anônima.

O que importa para o momento acerca dos tipos societários que podem ser eleitos é o fato de que a EIRELI exige que o capital social seja igual a, no mínimo, 100 (cem) vezes o salário mínimo vigente no país, o que pode vir a inviabilizar a adoção desta modalidade no caso concreto.

Apesar de haver certa divergência acerca do cabimento da EIRELI na condição de uma holding, a doutrina majoritária, a teor do que defende Mamede, entende não haver problema, eis que, embora a lei 12.441/11 seja confusa em seu conteúdo, diversos de seus termos apontam para essa solução, “a principiar pela referência a capital social (artigo 908-A, caput, do Código Civil) que é o próprio das sociedades, e não o capital registrado, que é expressão mais ampla e, assim, adequada para uma pessoa jurídica sui generis, como querem alguns”. Ainda, “o § 3º do mesmo artigo (...) reconhece que a EIRELI pode resultar da concentração de quotas de uma sociedade limitada nas mãos de um único sócio. Por fim, o § 6º, segundo o qual se aplica à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas”6.

Pois bem, após a constituição da sociedade (independente da modalidade eleita) e correlata integralização dos bens do subscritor, por intermédio de um ato inter vivos7, ou mesmo por força do próprio evento morte do titular da participação societária ou acionária, as respectivas cotas ou ações vêm a ser distribuídas aos herdeiros.

No caso da holding, ao invés dos herdeiros receberem a coleção dos bens móveis e imóveis do autor da herança, eles receberão cotas ou ações da sociedade empresária que agora é a proprietária daqueles mesmos bens.

É oportuno rememorar que as cotas/ações podem ser transferidas aos herdeiros pelos sucedidos enquanto estes ainda estão vivos, sendo-lhes reservados os direitos oriundos do usufruto, ou causa mortis, oportunidade em que a sucessão das cotas/ações se dará pela modalidade usual via inventário (judicial ou extrajudicial).

Via de regra, o escopo dessa modalidade de planejamento sucessório é evitar que a divisão dos bens familiares entre herdeiros ocorra apenas no momento do falecimento dos genitores, com todos os inconvenientes deste fato e, especialmente, no caso de um eventual processo judicial de inventário8.

Segundo Eduardo Rezende e José Lopes, a holding familiar consiste em um “processo de adoção de ações e medidas legais que visam garantir a sucessão de um patrimônio conforme desejo e/ou necessidade do seu proprietário”9.

Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede dissertam exatamente que “para além do planejamento da sucessão em si, preparando seus diversos aspectos, inclusive seus impactos fiscais, importa considerar a oportunidade de se evitar a eclosão de conflitos familiares.” Isto porque, “lamentavelmente, as disputas entre familiares são conhecidas por se aproximarem de um vale tudo, com episódios lamentáveis que, rapidamente, conquistam a atenção de fofoqueiros e maledicentes, ervas daninhas que dominam, endemicamente, todas as paisagens”. 

O problema é que “se observa que essas desavenças acabam por colocar em risco a hegemonia da família sobre determinado negócio”.  É essa hegemonia que se busca assegurar com o planejamento prévio.

_________

1 Art. 426, do Código Civil. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.

2 Chama-se, para os fins do presente trabalho, sucessão ordinária aquela que, inexistindo testamento, observará as regras atinentes ao inventário administrativo ou judicial.

3 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das Sucessões: Introdução. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords). Direito das Sucessões. 2. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 5.

4 Segundo Fred John Santana Prado, por meio da holding “é possível distribuir bens da pessoa física, que estarão incorporados à pessoa jurídica, antes mesmo que esta venha a falecer. Evita-se, desta maneira, as ansiedades por parte da linha sucessória, posto que o quinhão de cada participante fica definido antes mesmo do falecimento do sócio”. (A holding como modalidade de planejamento patrimonial da pessoa física no Brasil, 03/2011).

5 TEIXEIRA, Daniele Chaves. Arquitetura do Planejamento Sucessório. 1ª Ed., Belo Horizonte: Fórum, 2020, pp. 675/676.

6 MAMEDE, G.; MAMEDE, E.C. Holding familiar e suas vantagens. São Paulo: Atlas, 2017. P. 124.

“(...) no caso de empresas familiares, é possível ao patriarca ou matriarca doar a seus herdeiros, como antecipação de legítima ou não, a nua-propriedade de bens móveis, consubstanciados quer seja em ações ou em cotas de sociedades operacionais, ou de holdings, puras, mistas, imobiliárias ou patrimoniais, observando-se o usufruto total e vitalício”. PRADO, Roberta Nioac (Org.). Sucessão Familiar e Planejamento Societário. In: PRADO, Roberta Nioac et al (Org.). Estratégias Societárias, Planejamento Tributário e Sucessório. São Paulo: Saraiva, 2011.

Ainda, segundo Fred John Santana Prado, por meio da holding “é possível distribuir bens da pessoa física, que estarão incorporados à pessoa jurídica, antes mesmo que esta venha a falecer. Evita-se, desta maneira, as ansiedades por parte da linha sucessória, posto que o quinhão de cada participante fica definido antes mesmo do falecimento do sócio”. A holding como modalidade de planejamento patrimonial da pessoa física no Brasil, 03/2011.

8 Holding Familiar: Planejamento Sucessório para uma Empresa no Segmento Agropecuário. p. 60.

9 REZENDE, Eduardo Afonso Coelho; LOPES, José Dermeval. Curso planejamento patrimonial sucessório por meio de holding. Viçosa: Saraiva, 2012.

Israel Damasceno
Advogado. Mestre em História do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - PT. Sócio do escritório Valladão Sociedade de Advogados.

Luiz Fernando Valladão Nogueira
Advogado. Procurador do município de Belo Horizonte. Professor universitário em graduação e pós-graduação. Coordenador de pós-graduação em Direito Processual Civil. Advogado do escritório Valladão Sociedade de Advogados.

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