Migalhas de Peso

Noite dos cristais

Neste novembro, outra vez, deve-se refletir sobre a Noite dos Cristais, bem como observar o lançamento recente à vida pública de ex-agentes públicos que extrapolaram em muito os limites da legalidade em processos criminais, verdadeiros exemplos de arbítrio.

12/11/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Nas noites de 9 e 10 de novembro de 1938, atos de violência foram praticados contra judeus na Alemanha. A denominação do fato (Kristallnacht) surgiu em razão da quantidade de vidros quebrados, os quais se espalharam pelas ruas. Diversas escolas e sinagogas foram atacadas. Houve a morte de quase uma centena de vítimas. 

Hoje, pouco se comenta sobre a gravidade do acontecimento entre os não-judeus. A data passa desapercebida como se ali não estivesse o germe do nazismo e do holocausto.  

Jamais profissionais do Direito podem esquecer desses horrores que culminaram na Segunda Guerra Mundial. O estudante de Direito deve reavivar os livros de história para compreender que, da omissão das autoridades alemãs na Noite dos Cristais à política racial nazista, pouco tempo passou. Em 1º de setembro de 1939, menos de um ano depois, a Alemanha invadia a Polônia. 

Este passado sombrio serve para chamar atenção quanto à importância de se ser vigilante frente a ações contrárias aos direitos individuais. A velocidade e a quantidade de informações assolam a vida contemporânea e, diversas vezes, comportamentos violentos contam com a cegueira do Estado, ou mesmo, são perpetrados por agentes públicos, sem que se dê a devida importância.

 A crueldade da polícia nas ruas, o fanatismo de integrantes do ministério público, a hipocrisia da jurisdição penal, descritos em notícias corriqueiras, apoiam-se no silêncio de alguns, ou no aplauso de certas pessoas, sob a desculpa, ora, de se proteger a segurança pública, ora, de se resguardar o Estado brasileiro da corrupção. 

Em palavras simples, justificam-se arbitrariedades contra os pobres sob o manto do perseguir a violência urbana, propalam-se discursos de “igualdade” nas abusivas prisões cautelares de ricos. Sim, existe quem diga que o país carece de isonomia no tratamento às pessoas na persecução penal, pois classes econômicas mais altas, também, mereceriam padecer diante dos caprichos autoritários da Justiça Penal. 

Ouvia-se essa mensagem sub-reptícia no discurso de integrantes da denominada Operação Lava Jato.  Numa mescla excêntrica de perspectivas ideológicas, estariam a incomodar o andar de cima da sociedade brasileira, ao mesmo tempo, em que influíam em eleições para prejudicar partidos políticos de esquerda. Tudo sob o patrocínio da imprensa que incensava, a troco de vazamentos seletivos, o ativismo judicial e as exorbitâncias de procuradores da República.   

Neste novembro, outra vez, deve-se refletir sobre a Noite dos Cristais, bem como observar o lançamento recente à vida pública de ex-agentes públicos que extrapolaram em muito os limites da legalidade em processos criminais, verdadeiros exemplos de arbítrio. 

O namoro de parcela da população brasileira com pessoas descompromissadas com a lei e com o respeito aos direitos individuais indica que a memória coletiva não consegue ensinar ao povo a rejeição absoluta em relação a quem não respeita as liberdades individuais. 

A convergência de datas convida a se rememorar, com tristeza, o ano de 1938 e a torcer pela evolução daqueles que não entenderam o sentido da história.  

Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo
Advogado, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Advoga no escritório Moraes Pitombo Advogados.

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