O §3º do artigo 835 do Código de Processo Civil estabelece que: "Na execução de crédito com garantia real, a penhora recairá sobre a coisa dada em garantia, e, se a coisa pertencer a terceiro garantidor, este também será intimado da penhora".
Uma leitura superficial e desconexa com o sistema processual e de direito material, induziria o leitor a crer que, em havendo garantia real prestada pelo devedor principal, é obrigatória a excussão da garantia real para persecução do crédito exequendo.
De fato, o leitor do supramencionado dispositivo legal não pode ser penalizado por sua desatenção. O supramencionado dispositivo legal está mal redigido. O verbo "recairá" presente na referida norma, dá a entender que é a execução da garantia real é obrigatória, mesmo que o credor tenha localizado outros bens do devedor.
Contudo, se fizemos uma leitura conjugada da norma com o sistema de responsabilidade patrimonial previsto no direito material, e na própria legislação adjetiva, verificaremos não faz o menor sentido que o legislador imponha ao credor o dever de penhorar o bem hipotecado em vez de dinheiro quando isso se mostrar possível.
Isto porque o próprio Código de Processo Civil, em seu artigo 797, prevê que a execução se faz "no interesse do exequente", o que induz a crer que, se o bem dado em garantia real não for de interesse do credor, ele não pode ser impelido a penhorá-lo.
Ademais, o artigo 391 do Código Civil, reproduzido na legislação processual pelo artigo 789 afirma que o devedor responde com todos os seus bens, sendo certo que o inciso I do artigo 835 do CPC estabelece a preferência legal no recebimento de dinheiro, ao invés de garantia real.
Não fosse o bastante, o artigo 1.430 do CCB deixa claro que: "Quando, excutido o penhor, ou executada a hipoteca, o produto não bastar para pagamento da dívida e despesas judiciais, continuará o devedor obrigado pessoalmente pelo restante", o que não deixa dúvidas de que a responsabilidade patrimonial do devedor não se subsome à garantia real.
A bem da verdade, de acordo com o artigo 1.422 do CCB, o credor não detém uma obrigação de penhorar o crédito garantia real, mas tão somente uma preferência neste crédito.
De acordo com o que dispõe o artigo 1.366 do Código Civil, uma vez apreendida e vendida a coisa, se o produto da alienação não bastar para o pagamento da dívida e das despesas de cobrança, o devedor continuará obrigado pelo saldo restante.
Aliás, a garantia é um acessório ao principal, um plus que o credor detém em razão da concessão do crédito, de modo que o exequente não pode ficar impedido de penhorar outros bens.
Portanto, localizado outros ativos financeiros que o credor tem conhecimento, faz-se mister que o juiz autorize a penhora de outros bens suficientes para satisfação do crédito.
Percebe-se que, na prática judicial, muitos devedores se valem da norma contido no parágrafo terceiro do artigo 835 do CPC, para tentarem impedir que o exequente realize atos constritivos em outros bens de maiores liquidez. Outra alegação bastante comum, é o excesso de que, penhorando-se bens alheios à garantia real, poderá haver excesso de execução.
Acontece que o excesso de penhora, segundo entendimento cristalizado pelo STJ, o momento para alegação do excesso é o da avaliação judicial do bem, que é posterior aos atos constritivos.¹
Aliás, de acordo com a jurisprudência do próprio STJ, o devedor, sequer, pode alegar a norma do §3º do artigo 835 do CPC para tentar impedir a penhora de outros bens, pois tal alegação compete apenas ao credor. Neste contexto, vale conferir o seguinte julgado: "Essa preferência para a penhora do bem dado em garantia só pode ser invocada pelo credor, nunca pelo devedor, pois a garantia é instituída em benefício daquele, não deste. Aplicar a regra constante do art. 655, § 1º, em benefício do devedor colocaria o credor pignoratício em uma situação inferior à do credor quirografário, pois este poderia penhorar diretamente dinheiro, ao passo que o credor pignoratício somente poderia efetuar a penhora do bem dado em garantia. Não é por outra razão que esta Corte Superior, nas hipóteses de inexistência, deterioração ou dificuldade de alienação do bem dado em garantia, tem admitido que a penhora recaia sobre bem diverso do oferecido em garantia"².
Contudo, é importante registrar aqui, uma distinção importante. Se a garantia real for prestada por um terceiro, ele pode valer mão da regra prevista no parágrafo terceiro do artigo 835 do CPC, e exigir que seja excutido pelo credor apenas o bem objeto da garantia.
A justificativa de tal privilégio se dá porque o terceiro não é o garantidor principal da dívida, e a regra da responsabilidade patrimonial, de que o devedor responde com todos os seus bens, diz respeito apenas ao garantido principal.
Nesta toada, vale trazer à baila o seguinte entendimento doutrinário:
(...) quando a garantia real é prestada por um terceiro, ou seja, quando o responsável pela garantia seja um bem de terceiro, ou seja, é um responsável, mas não um devedor, então o dispositivo pode ser lido da forma imperativa como se lê. Isso porque a regra dos arts. 391 do CCB e 789 do CPC não se aplica ao terceiro que restringe a sua responsabilidade patrimonial àquele bem específico. Em termos mais claros, a responsabilidade patrimonial do terceiro (do seu patrimônio) tem um limite, que é o valor do bem dado em garantia. A limitação da responsabilidade patrimonial e a sua circunscrição ao bem dado em garantia pelo terceiro significam que ele não pode ser responsabilizado além do patrimônio (bem específico) que ele vinculou como garantia pelo inadimplemento. Nessa situação, portanto, em que o bem dado em garantia real é de um terceiro e não do próprio devedor, se aplica a regra do art. 835, § 3.º, do CPC. Conquanto a garantia seja para recebimento de um crédito, é imprescindível que, em relação ao terceiro, ela se limita ao referido bem e, por isso, este deverá ser excutido para que o produto da sua excussão seja entregue ao credor exequente (e assim fique liberto o terceiro de qualquer outra responsabilidade patrimonial)³.
Diante de tudo o que foi exposto, a título de conclusão, entendemos que o parágrafo terceiro do artigo 835 do CPC, que dita que a execução do crédito com garantia real recairá em face de tal bem, não pode ser aplicada ao devedor principal da obrigação, sob pena de serem violados diversos dispositivos e princípios que norteiam o processo de execução.
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1- Nesse sentido: AgRg no Ag n. 1.370.023/SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 5/2/2016; (REsp n. 754.054/PA, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 2/12/2014, DJe 10/12/2014.VI - Agravo interno improvido." (AgInt no AREsp nº 1.278.175/RS – Rel. Min. Francisco Falcão – 2ª Turma – DJe 3-10-2019
2- STJ, REsp 1.485.790, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo Sanseverino, julgado em 11.11.2014.
3- Abelha, Marcelo Manual de execução civil / Marcelo Abelha. – 5.ª ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2015.