A 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), na sessão de julgamento de 8 de setembro de 2021, decidiu pela não aplicação de multa qualificada (150% do valor devido), a teor do art. 44, inciso I, c/c o seu §1º, da lei 9.430/961 a um grupo econômico, entendendo que o planejamento tributário realizado (com amortização do ágio), ainda que irregular, não caracterizou fraude ou sonegação.
O uso do ágio em operações societárias acontece da seguinte forma: o investidor paga um valor pela rentabilidade futura da empresa que está adquirindo, podendo amortizar esse valor em até cinco anos, o que reduz o Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL).
No caso em apreço, um grupo econômico foi alvo de fiscalização devida à dedução de R$ 22.396.138,56 referente ao IRPJ dos anos-calendários 2007, 2008 e 2009, a título de amortização de ágio pela aquisição de uma empresa.
Para a Autoridade Fiscal, o investidor teria utilizado uma empresa veículo cuja única função seria receber recursos do investidor real e adquirir participações em outra empresa, para, logo após, ser incorporada por esta. Ou seja, a operação não teria motivação econômica ou negocial, mas sim receber o ágio pago pela empresa estrangeira para, depois, amortizá-lo, com o único objetivo de deduzir as despesas de IRPJ e CSLL, mediante amortização do ágio.
Normalmente, em casos como esse, o CARF entendia que a amortização indevida do ágio equivaleria a fraude ou sonegação fiscal, a teor dos arts. 71 e 72 da lei 4.502/642, e a empresa poderia ser condenada a pagar os tributos devidos sem a dedução das despesas do ágio, além de multa qualificada de 150% sobre o valor devido.
Porém não foi esse o entendimento da 1ª Turma do CSRF neste caso. Para o Colegiado, a fraude fiscal não abrange as condutas que afetam a base de cálculo, haja vista a definição ser literal e requerer que a conduta afete a ocorrência do fato gerador, ou suas características fundamentais, de forma dolosa, o que não ocorre no caso de amortização do ágio considerado irregular.
A diferença entre evasão (fraude) e elisão (planejamento tributário abusivo) é que este ”se restringe ao abuso da possibilidade expressa na lei com a manipulação de formas jurídicas lícitas para culminar na ilicitude atípica”, e a evasão tem “o objetivo de não pagar o tributo devido de acordo com a lei”, após a ocorrência do fato gerador.
Ou seja, a elisão precede a ocorrência do fato gerador e deve gerar multa comum; a evasão, por sua vez, ocorre após o fato gerador e pressupõe dolo, devendo gerar a multa qualificada.
Por esse motivo é que, no caso analisado, o CARF concluiu que a amortização de ágio, ainda que irregular, não alterou o fato gerador ou suas características fundamentais, afetando apenas a apuração da base de cálculo do IRPJ e do CSLL. Assim, não se caracterizou a fraude, não sendo o caso de aplicação da multa qualificada de 150%, mas apenas da multa comum de 75% sobre o valor devido.
Para o CARF, não havendo questionamento sobre a existência do ágio, e estando a autuação baseada na inexistência de propósito negocial na operação, cuja execução se deu com a utilização de “empresa veículo” a fim de viabilizar a amortização do ágio, o dolo não estaria caracterizado.
Nas palavras do Conselheiro Caio Cesar Nader Quintella, “(...) a ausência de razões negociais como motivação pra desconsideração de negócios plenamente lícitos, a consequente exigência de tributos e aplicação da pena duplicada de 150% não encontra nenhum respaldo na legislação nacional vigente, sendo prática fiscalizatória importada (ou melhor, contrabandeada), de outros sistemas jurídicos, estrangeiros, o que gera verdadeiro descaminho quando isoladamente utilizada como fundamento de Autos de Infração e imposição de multas pelas Autoridades do Poder Executivo, no seu mister.”
Trata-se de caso emblemático, por ser o primeiro envolvendo amortização de ágio com decisão favorável ao contribuinte no sentido da não aplicação da multa qualificada de 150% do valor devido, e que deve gerar novos precedentes no mesmo sentido.
A nova orientação do CARF representa esperança aos contribuintes, por indicar uma alteração na jurisprudência até então consolidada e poder gerar grande impacto financeiro para as empresas que questionam a aplicação de multa qualificada pela amortização do ágio considerada irregular pela Autoridade Fiscal. Nos resta aguardar se esse entendimento prevalecerá.
1 Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas:
I - de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata;
§ 1o O percentual de multa de que trata o inciso I do caput deste artigo será duplicado nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da lei no 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.
2 Art . 71. Sonegação é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária:
I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais;
II - das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.
Art . 72. Fraude é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.