Estava previsto para o último dia 27 de outubro o tão esperado julgamento pela 1ª. Seção do Superior Tribunal de Justiça dos EREsp 1.428.247/RS, leading case que equacionará a atual divergência entre as 2 (duas) Turmas de Direito Público do Tribunal a respeito da (des)consideração do ICMS-ST retido pelo Substituto Tributário na determinação dos créditos de PIS/Cofins tomados pelo Substituído Tributário no contexto da apuração não-cumulativa de tais contribuições sociais. O julgamento foi adiado a pedido da relatora, douta Ministra Assusete Magalhães, o que sugere que a controvérsia pode ter sido considerada digna de maior reflexão.
E não faltariam motivos para uma tal inclinação, os quais, a rigor, vão além da específica questão objeto do leading case referido, tendo-se em conta a sua notável conexão com outra não menos relevante – e também ainda inconclusa –, elo que não poderia ser negligenciado sem quebra da integridade jurisprudencial tão valorizada pelo sistema de precedentes do atual CPC (art. 926), a qual postula a projeção da ratio decidendi “para além dos processos que enfrentam a mesma questão, abarcando também processos que enfrentam questões outras, mas onde os mesmos fundamentos determinantes possam ser aplicados” (REsp 1.714.361/SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques).
A alusão é ao outro polo da equação não-cumulativa das contribuições PIS/Cofins, qual seja, o débito decorrente das receitas obtidas com a revenda das mercadorias submetidas à tributação antecipada a título de ICMS, problema análogo ao equacionado pelo célebre Tema 69, sem embargo do aparente distinguishing feito pelo STF ao apreciar o Tema 1.098 – o qual, a bem da verdade, tão-somente deu ao STJ a última palavra sobre essa dimensão específica da chamada “tese do século”.
A título de primeira aproximação, eis a síntese das teses atuais da 2ª. Turma do STJ, da qual faz parte a relatora dos EREsp 1.428.247/RS, para as 2 (duas) questões imbricadas, posto distintas, envolvendo o tratamento dispensável ao ICMS-ST:
Ou seja, se nas hipóteses de aplicação direta do Tema 69 assegura-se ao contribuinte, após o Parecer SEI 14.483/2021/ME1, o “melhor dos dois mundos”, excluindo o ICMS na apuração do débito e incluindo-o na do crédito, reserva-se ao Substituído Tributário o “pior dos dois mundos”. No fim do dia, uma mera técnica de arrecadação – teoricamente neutra – posta à disposição dos Estados e do Distrito Federal torna-se um formidável fator de incremento das receitas da União.
Mas, à parte a disfuncionalidade e a própria (in)justiça desse estado de coisas, o cotejo analítico das 2 (duas) teses da 2ª. Turma põe a desnudo premissas e proposições cuja convivência se mostra mesmo problemática, senão veja-se:
De um lado, quando se trata de desconsiderar o possível componente do custo de aquisição, a posição do Substituído Tributário é valorizada, sendo o Substituto qualificado como mero “depositário” do ICMS-ST; de outro, quando se vai ao polo oposto da equação, inverte-se o sinal “rebaixando” o Substituído à condição de virtual contribuinte de fato, assumindo a irrelevância do próprio fato gerador do ICMS-ST.
Pois bem. Um profícuo ponto de partida para a solução dessa aparente aporia jurisprudencial é melhor iluminado sob o enfoque do próprio Tema 69, especificamente dos seus possíveis reflexos sobre o polo concernente ao crédito, aspecto recentemente abordado e equacionado pela PGFN no já referido Parecer 14.483/2021/ME.
Como foi ligeiramente indicado, descartou-se a tese de que a exclusão do ICMS quando da apuração do débito implicaria necessariamente a adoção do mesmo critério quando se tratasse do crédito, uma vez que “não há relação de dependência ou interdependência entre a tomada de créditos e débitos de PIS/Cofins, vale dizer, o paralelismo é desejável, mas não é constitucionalmente obrigatório”.
Ora, bem vistas as coisas, o paradigma da 2ª. Turma invocado nos EREsp 1.428.247/RS evoca justamente esse “paralelismo”, chegando a enunciar na própria ementa que “o princípio da não cumulatividade pressupõe o pagamento do tributo na etapa econômica anterior”, lógica que, se levada às últimas consequências, converteria em non sense o ponto realçado do Parecer 14.483/2021/ME.
E não menos problemática é a conciliação do referido “paralelismo” com o tratamento dispensado ao IPI: enquanto ele é excluído no cálculo do débito, a teor do art. 26, I da IN/RFB 1.911/2019 – cujo incisivo “II” prevê o mesmo para o ICMS-ST –,o seu cômputo no crédito é assegurado pelo art. 167, II “quando não recuperável”. Considerando o que própria 2ª. Turma qualifica o Substituído Tributário como “contribuinte econômico” do ICMS-ST, por não haver “tributação em cadeia” (REsp 1.885.048), como, então, ter como tecnicamente recuperável o correspondente custo?
Se, na clássica definição de Ronald Dworkin, o Direito como integridade postula que uma interpretação deve se qualificar como “parte de uma teoria coerente que justifique a vasta rede de estruturas e decisões como um todo”2, parece que fica bastante facilitada a “escolha” dentre as alternativas postas nos EREsp 1.428.247/RS.
Afinal, o reconhecimento de que “o direito ao creditamento independe da ocorrência de tributação na etapa anterior, vale dizer, não está vinculado à eventual incidência da contribuição ao PIS e da Cofins sobre a parcela correspondente ao ICMS-ST na operação de venda do substituto ao substituído”, na linha do acórdão da 1ª. Turma lá impugnado, neutralizaria em grande medida as aparentes inconsistências que a tese oposta fomentaria frente ao Parecer 14.483/2021/ME, à IN/RFB 1.911/2019 e, principalmente, à orientação da própria 2ª. Turma a respeito da (des)consideração do ICMS-ST no cálculo do débito de PIS/Cofins.
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1 Disponível aqui.
2 O Império do Direito. 3ª. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2014, p. 294.