Introdução
Atribui-se, erroneamente, ao ex-Presidente da França, Charles de Gaulle, nos anos 50, a sentença de que o Brasil não seria um país sério1.
Não é o foco deste artigo, obviamente, discutirmos geopolítica para verificarmos se a sentença proferida pelo Embaixador, numa conversa informal – registre-se –, é ou não correta. Todavia, e essa afirmação é quase uma platitude, é importante dizermos que países sérios são aqueles que oferecem Segurança Jurídica a seus cidadãs e investidores.
Segurança Jurídica é, em si, um conceito bastante amplo, que aborda desde a proteção à higidez física do cidadão e de seu patrimônio, bem como a certeza da punição àqueles que o violam, até a certeza que contratos serão cumpridos e respeitados.
E é nesse recorte que se focará o artigo. Não existe o conceito de respeito a contratos sem o conceito de boa-fé contratual, normatizado, para não deixar dúvidas ao intérprete, no artigo 422 do Código Civil, verbis: Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Na realidade, o Conceito de Boa-Fé contratual é algo implícito ao Ordenamento Jurídico.
O problema exposto
E aqui, nesta senda, explicamos que, certamente por um lapso da Egrégia Presidência, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vem descumprindo esse importante preceito jurídico.
Falamos aqui das custas de juntada de mandato. Na Justiça Estadual de São Paulo é/era cobrada a importância2 equivalente a 2% do salário-mínimo em vigor por procuração e/ou substabelecimento juntado aos autos de um processo.
Ocorre que em abril de 2.021 o Supremo Tribunal Federal, na ADIn 5736 julgou inconstitucional esta cobrança. Contudo, até a data em que esse texto é escrito, sempre que o Advogado vai ao site do TJSP gerar uma guia DARE de custas processuais, é perguntado se também será gerada guia de juntada de mandato!?
Ora, qual a finalidade da geração de uma guia de custas de uma taxa considerada inconstitucional pelo STF?
Essa “sugestão”, que é dada aos Advogados Bandeirantes pelo site do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, induz inúmeros profissionais a erro recolhendo verbas desnecessariamente e aumentando o custo do processo a seus clientes.
Alguém poderia dizer: “Ora, se o Advogado não se atualiza não se pode imputar culpa ao Estado.” Data máxima vênia, discordamos deste argumento por algumas razões:
Em primeiro lugar, a produção legislativa que se faz no Brasil é gigantesca. Temos, no país, mais de 100.000 normas jurídicas em vigor. O STF é instado, quase que diariamente, a resolver, em ações de controle concentrado de constitucionalidade, os aspectos mais comezinhos da vida em sociedade.
Dito isso, é virtualmente impossível para um profissional do Direito manter-se atualizado em toda a legislação/sentenças vinculantes que afetam sua área de atuação. Com efeito, se o profissional do Direito for muito, mas muito estudioso, conseguirá, se tanto, ter domínio imediato de 50% das normas que lhe digam respeito.
E, obviamente, que ninguém se preocupa em estudar da Legalidade/Constitucionalidade de uma guia de custas de, algo como, R$ 27,00. Seguramente os Advogados de São Paulo têm uma rotina de trabalho, que lida com coisas mais importantes, que os impedem, por vezes, de verificar esse tipo de miudeza.
Em segundo lugar, dizer que esse pagamento deixou de ser obrigatório e só o faz quem o quiser, sinceramente, com as devidas vênias, é o argumento do malandro de botequim. Sinceramente, o Poder Judiciário não pode ser um lugar/instituição onde tenhamos receio de perder nossa carteira.
Em terceiro e último lugar, porque os Advogados, como regra, confiam no Poder Judiciário, reputando, outrossim, como justas e lícitas as custas impostas pela Justiça. Então, quando vemos a sugestão de preenchimento de uma determinada guia, automaticamente entendemos que ela é devida.
Da mesma forma que se começarmos a mandar boletos de R$ 150,00 para todos nossos clientes, com cobranças imprevistas nos contratos, certamente que a maior parte dos mesmos pagará este indevido, e hipotético, título de crédito.
Ninguém em sã consciência afirmaria que essa cobrança não violaria o princípio da Boa-Fé, ainda que coloquemos um disclaimer3 na cártula, preferencialmente em letras miúdas, informando da não obrigatoriedade do pagamento daquele valor.
Pois bem, é exatamente isso que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vem fazendo hoje, queremos crer que por um lapso, com os Advogados que ainda não tiveram conhecimento da, já citada, Ação Direta de Inconstitucionalidade.
É inegável que se a boa-fé deve ser imposta ao particular, no âmbito privado, nada mais razoável, também que ela seja um parâmetro da Administração Pública.
Em artigo4 publicado, o Promotor José Ricardo Teixeira Alves, traz valiosa lição da Karl Larenz sobre a necessidade da observância da boa-fé, inclusive pela Administração Pública.
“Também KARL LARENZ refere-se à boa-fé como dever de não fraudar ou abusar da confiança:’El principio de la ‘buena fe’ significa que cada uno debe guardar "fidelidade" a la palabra dada y no defraudar la confianza o abusar de ella, ya que ésta forma la base indispensable de todas as relaciones humanas; suppone el conducirse como cabia esperar de cuantos com pensamiento honrado intervienen em el tráfico como contratantes o participado en él em virtud de otros vínculos jurídicos.’”
Ora, se a Administração Pública tem a obrigação de observar o princípio da Boa-fé, temos então que esse encargo se torna mais grave, e de necessário cumprimento, quando estamos falando do maior Tribunal do país e um dos maiores do mundo.
Como pode o Judiciário cobrar boa-fé e respeito à lei por parte dos jurisdicionados se, ele próprio, assim não age. Mais que pelo Poder da Coerção que a lei lhe confere, o Poder Judiciário deve se fazer respeitar através do exemplo.
Conclusão geral deste estudo
Certamente que este erro na cobrança de custas indevidas se deve a uma falha, um esquecimento em se atualizar o sítio eletrônico do TJSP em consonância com o teor do julgamento da ADI 5736.
Então, como primeira providência, sugere-se, em caráter de urgência, seja retirada daquele site os campos para preenchimento da guia DARE 304-9 (código das custas de juntada de mandato).
Certamente que os jurisdicionados e Advogados que recolheram essas quantias indevidas teriam direito à devolução dos valores, ao menos a partir da prolação do acórdão pelo STF.
Não podemos desconsiderar o impacto financeiro que esse ressarcimento causaria aos cofres da Fazenda Pública do Estado de São Paulo. Desta feita, a fim de não impactar negativamente as contas do Estado com pagamentos de verbas indenizatórias, sugere-se seja editado provimento pela E. Presidência do TJSP no sentido de se determinar a compensação das quantias indevidamente pagas, com – eventuais – futuras custas a serem pagas por aquelas partes/jurisdicionados.
1 Na verdade, a frase foi dita numa conversa informal pelo Embaixador do Brasil na França, Carlos Alves de Souza, àquele período. Disponível aqui.
2 Prevista no artigo 18 da Lei Estadual 13.549/09-SP.
3 Aviso legal.
4 ALVES, José Ricardo Teixeira. A tutela da boa-fé objetiva no Direito Administrativo. JusNavigandi Set/2.008. Disponível aqui.