Com o surgimento da pandemia do vírus SARS-CoV-2, causador da doença Covid-19 e os avanços da campanha de vacinação, muito se indagou quanto à legitimidade, por parte dos empregadores, da exigência da apresentação de comprovante de vacinação pelos empregados.
Isso porque muitos trabalhadores, por diversos motivos, optaram pela não vacinação. As empresas, por outro lado, objetivando evitar a propagação do vírus, passaram a exigir dos trabalhadores a comprovação da vacinação para o exercício do labor.
Em junho do corrente ano, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, por exemplo, confirmou, em segunda instância, a demissão por justa causa de uma auxiliar de limpeza de hospital que recusou a imunização contra a Covid-19, legitimando, portanto, a exigência por parte dos empregadores.
Muito embora seja atribuída ao empregador a responsabilidade de se manter um ambiente de trabalho saudável, o artigo 158 da CLT conferiu ao trabalhador a obrigação em colaborar com as medidas de segurança e saúde para a manutenção do trabalho digno.
Ou seja, o trabalhador é incumbido de cooperar para a manutenção de meio ambiente seguro, não se colocando em risco e também preservando a saúde dos demais trabalhadores. Percebe-se, pois, que a legislação estabelece como uma obrigação recíproca do empregador e do empregado quanto à higidez do ambiente laboral.
Ao que parece, o debate sobre a possibilidade, ou não, de exigência de vacinação dos trabalhadores pelos patrões, trata-se de conflito de direitos fundamentais. De um lado, o direito à individualidade, que consiste na livre vontade das pessoas em guiarem suas vidas de acordo com suas próprias convicções morais, religiosas ou filosóficas, e, de outro lado, o direito da coletividade, em especial os direitos à saúde e à vida.
A discussão sobre o individual versus o coletivo não é um tema novo, de modo que a solução é casuística e não prescinde de análise de parâmetros como a razoabilidade e proporcionalidade. Cuida-se de solução por meio da conhecida técnica de ponderação de interesses.
Conquanto ultrapassado mais de um ano desde o primeiro caso de coronavírus no Brasil, somente em 1° de novembro de 2021, por meio do Ministério do Trabalho e Previdência ao editar a Portaria 620, foi devidamente regulamentado parâmetros e procedimentos que deverão ser seguidos pelos empregadores a respeito da questão da vacinação.
Em sentido contrário ao que vinha sendo debatido e utilizado pelo Judiciário, a Portaria MTP 620 proibiu a exigibilidade de certificado de vacinação em processos seletivos de admissão, assim como vedou a demissão por justo motivo de empregado, em virtude da não apresentação da carteira de vacinação.
A referida Portaria considerou, ainda, a requisição de comprovante como uma prática discriminatória e não compatível com a igualdade prevista no artigo 5° da Constituição Federal de 1988.
Além disso, a Portaria indica que o rol elencado no artigo 482 da Consolidação das leis do Trabalho é taxativo, razão pela qual, por não existir hipótese de aplicação de justa causa em virtude da não exibição do cartão de vacinação contra qualquer enfermidade, é vedada tal medida em função da Covid-19.
Sendo assim, a ruptura do contrato de trabalho devido a não comprovação da vacinação, será caracterizado, segundo a Portaria, como ato discriminatório, com potenciais consequências patrimoniais.
Com efeito, ao trabalhador será devida a reparação pelo dano moral sofrido, podendo ainda escolher entre a reintegração ao labor, com o integral ressarcimento de todo o período afastado ou a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, em ambas as hipóteses deverão ocorrer a correção monetária e o acréscimo dos juros legais.
Percebe-se, pois, os impactos financeiros significativos decorrentes do descumprimento da Portaria por parte dos empregadores.
Ademais, fica a cargo do empregador divulgar as orientações com a indicação das medidas necessárias para prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão no ambiente de trabalho, podendo, ainda, a fim de assegurar a prevenção das condições sanitárias, oferecer testagem periódica, ficando os trabalhadores, neste caso, obrigados a realizarem a testagem ou deverão apresentar o certificado de vacinação.
Portanto, a Portaria MTP 620, de discutível constitucionalidade sob os aspectos material e formal, optou por preservar o direito de personalidade do trabalhador, razão pela qual impõe cuidado por parte dos empregadores no tratamento do tema no ambiente de trabalho, já que o eventual descumprimento da norma tem o potencial de gerar consequências patrimoniais perniciosas.