Migalhas de Peso

Retroatividade da nova lei de improbidade administrativa

Cabe o registro de que a Reforma da Lei de Improbidade foi decorrência de uma série de abusos no seu manejo.

1/11/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

I. SOBRE O PAPEL DA OAB NO COMBATE AO ARBÍTRIO

Inicialmente, agradeço aos colegas Presidente Felipe Santa Cruz, José Alberto Simonetti, Anderson Prezia, pela oportunidade de colaborar na Presidência da Comissão Nacional de Direito Administrativo Sancionador da OAB, onde tenho podido trocar ideias e reflexões da maior importância com os colegas de todo o Brasil sobre direito administrativo sancionador.

A OAB, na gestão do Presidente Felipe Santa Cruz, e por consequência também esta foi a tônica dos seminários que nortearam nossa Comissão, foi pautada pela luta contra o arbítrio.

Trago estas presentes reflexões como presidente da Comissão de Direito Administrativo Sancionador da OAB Nacional e doutrinador da matéria, para debatermos o alcance da Nova Lei de Improbidade Administrativa no Brasil, notadamente quanto aos seus efeitos retroativos.

II. SOBRE OS TIPOS SANCIONADORES REVOGADOS: CONSIDERAÇÕES GERAIS

1. No dia 25 de outubro do corrente ano foi publicada a lei federal 14.230/21, que promoveu profundas alterações na lei 8.429/92, tendo havido expressa revogação da improbidade culposa, nos seguintes termos:

Art. 2º A Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.

Parágrafo único. (Revogado).

§ 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais.

§ 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente. No art.10º da Lei de Improbidade anteriormente vigente havia múltiplas modalidades de comportamentos lesivos ao erário que comportavam modalidades culposas. Tais condutas típicas estão revogadas.

Assim, todos os tipos que contemplavam modalidades culposas e que foram objeto de ações civis públicas punitivas devem ser atingidos por ações rescisórias ou pedidos de julgamento antecipado da lide, por superveniência de lei que decretou falta de tipicidade do fato (impossibilidade jurídica do pedido). Por certo, deve-se observar o prazo legal da rescisória.

A nova lei consigna, ainda, no novo § 8º, do art.2º, que “não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário."

Houve, lamentavelmente, muitas condenações envolvendo atos administrativos alicerçados em pareceres jurídicos. Não raro, o gestor praticava um ato de boa fé, fundamentado em jurisprudência, doutrina, leis e pareceres jurídicos, mas por azar discrepando do entendimento do Ministério Público. Em tais hipóteses, poderia ocorrer – e de fato ocorreu – condenação por improbidade administrativa. Tais condenações, pela nova lei, devem ser revistas, seja nos processos em curso, seja através de ações rescisórias.

Trata-se de um novo elemento de figura típica, que interfere retroativamente nas normas produzidas pelos intérpretes, dada a opção expressa do Legislador pelo elemento cultural associado ao conceito de improbidade. Sustento, aliás, desde 2006, que “a violação de normas controvertidas, nas quais se discute abertamente a própria legalidade da atuação do agente público, não poderia, a priori, desembocar em um julgamento de grave desonestidade funcional. A lógica do razoável e da racionalidade congrega vetores da maior importância na configuração do suporte fático e normativo da grave desonestidade funcional. Por isso, surge a relevância da roupagem juridicamente razoável da conduta apontada como ilícita. Se o sujeito está a respaldar sua conduta em normas altamente controversas e discutidas na via judicial, não se pode pretender censura-lo pela incidência de tipos de improbidade. É claro que tratamos de discussões e controvérsias idôneas, não de mero ajuizamento de demandas temerárias ou desprovidas de plausibilidade (...). Não se pode ignorar que as normas culturais produzem efeitos na redução da proteção de determinados direitos fundamentais”.

Fábio Medina Osório
Advogado do escritório Medina Osório Advogados, ex ministro da AGU.

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