Migalhas de Peso

Reforma trabalhista: STF derruba trechos que alteravam justiça gratuita

Para garantir uma segurança jurídica, seria necessário a modulação dos efeitos quanto a essa decisão declaratória de inconstitucionalidade, estabelecendo de forma clara e objetiva a regulamentação quanto aos seus efeitos, bem como apontando sua ineficácia quanto aos casos já encerrados.

27/10/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

No dia 20 de outubro de 2021 o pleno do Supremo Tribunal Federal julgou um dos pontos tidos como mais polêmicos da lei 13.467/17, conhecida como reforma trabalhista. Trata-se da possibilidade de desconto dos honorários sucumbenciais do crédito deferido ao trabalhador em uma eventual ação trabalhista.

A previsão foi incluída pela referida lei no parágrafo 4º do artigo 791-A da Consolidação das leis Trabalhista, que assim estabelecia:

Art. 791-A.  Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

(...)

§ 4o  Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário. 

Os ministros por maioria, ao analisar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.766 entenderam ser inconstitucionais os artigos 790-B e §4º e 791-A, §4º, entendendo não ser razoável exigir o pagamento de honorários sucumbenciais e periciais contra quem foi deferido os benefícios da assistência judiciária.

A justiça gratuita é um benefício concedido a quem não teria condições de suportar os custos do processo sem comprometer sua própria subsistência ou de sua família. O requisito objetivo para o seu deferimento também foi incluído na Consolidação da leis do Trabalho, pela lei 13.467/17, que assim dispôs:

Art. 790. Nas Varas do Trabalho, nos Juízos de Direito, nos Tribunais e no Tribunal Superior do Trabalho, a forma de pagamento das custas e emolumentos obedecerá às instruções que serão expedidas pelo Tribunal Superior do Trabalho.

(...)

§ 3o  É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

§ 4o  O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo. 

Como se observa, o requisito objetivo, ou seja, que não depende de qualquer outro fator para ser deferido, é a percepção de salário igual ou inferior a 40% (Quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Portanto, o trabalhador hoje que auferir salário igual ou inferior a R$ 2.573,42 (Dois mil quinhentos e setenta e três reais e quarenta e dois centavos), faria jus aos benefícios da assistência judiciária, sendo isento de pagamento das custas relacionadas ao tramite do processo junto a justiça.

Os trabalhadores que auferem renda superior ao referido valor, teriam que comprovar nos autos a impossibilidade de arcar com as custas, podendo fazê-lo, por exemplo, por meio de uma relação de gastos pessoais comparada a sua receita.

Esse benefício era visto por muitos como um salvaguarda para pedidos absolutamente desproporcionais e, em muitos casos, inapropriados, o que gerava um número excessivo de ações trabalhistas, o famoso “se colar colou”.

Tal fato se mostrou verdadeiro após a reforma trabalhista ocorrida no ano de 2017, onde as ações ajuizadas após 11 de novembro de 2017 diminuíram consideravelmente e as que eram ajuizadas tiveram uma redução significativa de pedidos e, consequentemente, valores.

Não há dúvidas de que a possibilidade de pagamento de honorários sucumbenciais ao beneficiário da assistência judiciária coibiu, até agora, diversos abusos que ocorriam e que de fato prejudicavam a relação de emprego.

O mesmo ocorria com pedidos relacionados as perícias técnicas, onde muitos litigantes faziam pedidos relacionados a doença ocupacional, adicionais de insalubridade e periculosidade, sem qualquer fundamento.

Os cofres públicos eram onerados com tais pedidos, uma vez que cabia a União realizar o pagamento aos peritos nomeados em caso de improcedência dos pedidos.

Após a reforma, o legislador atribuiu ao trabalhador litigante o ônus de realizar o pagamento dos honorários periciais, o que eliminou os pedidos tidos como aventureiros.

O processo do trabalho havia se tornado mais objetivo após a vigência da lei 13.467/17, sendo tal objetividade diretamente ligada a possibilidade de dedução do crédito devido ao trabalhador dos honorários sucumbenciais.

Com a inconstitucionalidade declarada pelo mais alta corte do País, os artigos 790-B e §4º e 791-A, §4º deixam de existir no mundo jurídico, gerando diversos questionamentos quanto a sua aplicação no período em que estiveram vigentes.

Vários trabalhadores beneficiários da assistência judiciária chegaram a ter descontados dos seus créditos honorários sucumbenciais durante o período de vigência dos referidos artigos, sendo que em outros casos a decisão judicial teve o seu trânsito em julgado certificado, não cabendo nenhum recurso quanto a matéria.

Para garantir uma segurança jurídica, seria necessário a modulação dos efeitos quanto a essa decisão declaratória de inconstitucionalidade, estabelecendo de forma clara e objetiva a regulamentação quanto aos seus efeitos, bem como apontando sua ineficácia quanto aos casos já encerrados.

Por certo a decisão será objeto de Recurso de Embargos de Declaração direcionada aos membros da Corte, com o objetivo de esclarecer os efeitos práticos dessa decisão para os casos em curso, evitando assim discussões desnecessárias.

Caberá agora aos litigantes manter a boa-fé processual tão almejada por todos, bem como aos magistrados coibir de forma severa os abusos praticados pelos beneficiários da assistência judiciária.

_________

STF derruba normas da Reforma Trabalhista que restringiam acesso gratuito à Justiça do Trabalho. Notícias do STF, Brasília, 20 out. 2021. Disponível aqui. Acesso em: 21 out 2021.

BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial da União, seção 1, Brasília, DF, ano LXXXII, nº 184, p. 11937, de 09 ago. 1943. Disponível aqui. Acesso em: 21 out. 2021.

Ernane de Oliveira Nardelli
Advogado associado à Jacó Coelho Advogados. Tem especialização em Direito Civil e Processo Civil pela ATAME/GO; especialização em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela ATAME/GO e cursando LLM em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Leia mais

Migalhas Quentes

STF começa julgar “tabelamento” de danos morais em reforma trabalhista

21/10/2021
Migalhas Quentes

Advogado comenta principais mudanças da reforma trabalhista

20/8/2021

Artigos Mais Lidos

Afinal, quando serão pagos os precatórios Federais em 2025?

19/12/2024

Atualização do Código Civil e as regras de correção monetária e juros para inadimplência

19/12/2024

Sobre o inquérito das fake news

18/12/2024

5 perguntas e respostas sobre as férias coletivas

19/12/2024

Por que grandes operações, por vezes, são anuladas? Uma análise jurídica a respeito do caso criminal "Banco Santos"

18/12/2024