No tocante às sociedades limitadas ajustadas por prazo indeterminado os tribunais tem se dividido entre decisões que distinguem entre limitadas com submissão subsidiaria às normas da sociedade simples, e aquelas sujeitas às regras das sociedades anônimas.
Assim, temos o acordão do TJ/SP na apelação 400652264.2013.8.26 julgada em 1/8/16 pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Ali se explicitou:
“O artigo1029 do código civil permite de modo abrangente o direito do retirante nas sociedades simples, bastando a vontade do socio que também se aplica as sociedades limitadas, conforme doutrina e jurisprudência dominantes”.
De igual modo o acordão do TJ/RJ na apelação 03105315.0209.281.90001 pela 2ª Câmara Cível julgado em 16/12/14.
Tal entendimento também se consagrou no STJ pelo REsp1.602.240-MG, e no essencial aceitando a fundamentação acima:
“Nesse rumo, excluídas as sociedades de capitais, que seguem reguladas pela lei 6404/76, o artigo 1029 do código civil de 2002 assegurou de forma expressa a possibilidade de retirada voluntaria de sócios dos demais tipos societários”.
Na corrente oposta, tanto o TJ/SP apelação 001980931201082.60032,8 - a Câmara de Direito Privado, acordão publicado em 29/10/15), quanto o TJ/RJ (apelação 0128904-16.2012.8.19.001 julgado em 7/10/14), se posicionaram contra o direito de retirada, se a limitada for regida subsidiariamente pela lei das SA.
Uma outra corrente doutrinaria entende cabível a retirada do sócio somente nos casos em que ocorra um dos eventos capitulados no artigo 1077 do Código Civil, nomeadamente, modificação do contrato social, fusão incorporação ou transformação da sociedade.
Nessa linha se manifestam Tavares Borba (Direito societário,14 Ed, SP, Ed. Atlas,2015, pág.149) e Tepedino Barbosa e Moraes (Código civil interpretado conforme a Constituição, vol.III,2ª Ed., Renovar, 2014, pag. 240).
Observa se, com Felipe Cravo Souza que essas listadas hipóteses do artigo 1077 do Código acabem por abranger quase todos os casos ensejadores da retirada, observação corroborada por Sergio Campinho que classifica a previsão do citado artigo como qualificadora de um direito de retirada amplo e livre para o socio (Direito de Empresa, SP, Saraiva Educação, 2018, pág. 117).
O STJ, em acordão recente (REsp. 1735.360/MG, 3ª. Turma, julgado em 12/3/17), foi mais radical, admitindo de modo expresso a retirada de sócio da limitada, ainda que esta esteja, pelo contrato social, submetida a regência subsidiária da lei das companhias.
Agora, “quid juris” se o contrato social ou mesmo um eventual acordo de cotistas contenha dispositivo vedando a retirada de sócio?
A par da doutrina clássica, compendiada, cuidando desse assunto, alguns dos estudiosos mais jovens tem se manifestado de modo forte pela invalidade dessa limitação convencional ao direito de retirada.
Assim, vemos; “Além disso, o direito de retirada é irrenunciável e indivisível, ou seja, no primeiro caso, qualquer cláusula no contrato social que preveja a renúncia a este direito e considerada nula (Leopoldo da Cunha Nicoli, professor da faculdade de direito Milton Campos.
E também Lara Rodrigues de Oliveira “Direito potestativo irrenunciável, portanto, insuscetível de negociação”.
Jose Waldeci Lucena no seu completo “Das Sociedades Limitadas” (5ª edição, Renovar, RJ, pág. 684) assim esclarece:
“O asserto da irrenunciabilidade do direito de recesso pede um esclarecimento, qual o de que se o estatuto da sociedade por ações e o contrato social da sociedade limitada não podem privar o acionista e o quotista do direito de se retirarem do ete societário de que façam parte...”
Esclarecendo porém no mesmo estudo que:
“Podem eles, no entanto uma vez verificada a causa supedaneadora do direito de recesso, renunciar ao seu exercício, seja expressamente, seja tacitamente, nesta última hipótese simplesmente deixando de exercê-lo no prazo decadencial fixado em lei”
Ainda Priscila M P Correa Fonseca (“Dissolução Parcial Retirada e Exclusão de Sócio no Novo Código Civil’,3ª Edição, SP, ed. ATLAS,2005); afirmando ser o direito de retirada “Irrenunciável. insuscetível de renúncia, de ser abdicado, até mesmo por convenção dos próprios sócios”.
O caráter de direito protestativo do direito de retirada é consagrado na doutrina de modo unânime.
No trato das sociedades anônimas e desse direito de recesso, Luiz Eduardo Bulhões (“Direito das Companhias, vol.1 Forense, 2009 pág.339) ensina:
“a respeito do direito de retirada, cabe dizer que é considerado um direito de natureza formadora e potestativa”
E de modo erudito cita o ensinamento de Pontes de Miranda:
“os direitos formadores são ...espécie de direitos potestativos. Não se trata de direito formado que recai sobre a coisa, mas sim do direito (ou poder) de praticar um ato do qual resultarão direitos sobre a coisa em si”.
No que assente Fabio Comparato (Revista de Direito Mercantil, out/dez 1999, vol. 116, pág.11), cuidando da natureza jurídica desse direito:
“O recesso acionário foi assim criado como um contra direito protestativo do acionista em relação a um poder legal da assembleia”.
Sergio Eskenazy Bernidji no artigo inserido na obra “Temas de direito societário e empresarial contemporâneo (São Paulo, Editora Malheiros, 2011, pág.564) concorre com tal analise e sentencia:
“Sua restrição ou supressão por norma estatutária são vedadas em qualquer hipótese”.
Daí porque o já clássico Nelson Eizirik (A lei das S.A. Comentada, Vol. II, SP, Quartier Latina,2011, pág. 236) assevera:
“Em razão de sua suma importância para os acionistas, o direito de retirada é considerado um direito essencial, ou seja, não pode ser suprimido nem pelo estatuto nem pela assembleia Geral”.
Como se vê, já nas sociedades anônimas tal direito não possibilita sua renúncia ou vedação, assim como nas sociedades limitadas não há de se admitir ou no contrato social, estatuto ou mesmo na convenção de acionistas a sua limitação ou vedação.
O que pode o sócio da limitada é, diante do caso concreto, deixar de usar o direito de retirada.
Ou, no dizer de Waldeci Lucena (Ob e pág. citadas)
“Em compêndio, veda a lei a renúncia a priori e abstrata do direito de recesso, mas não veda a renúncia a posteriori e concreta de seu exercício”.
Enfim, há nessa matéria um conflito de princípios que a ordem jurídica busca proteger. De um lado o direito (um dos fundamentais) inscrito no artigo 5º XX da Constituição Federal, assegurando se a plena liberdade de associação que por óbvio implica na liberdade que tem o sócio de se “dissociar”, saindo da sociedade.
De outra parte existe o princípio da conservação das empresas evitando se sejam apequenadas ou até extintas com tal facilidade de retirada de sócios. Como aliás registra Ana Fazao no artigo “O STJ e a dissolução de sociedades por ações fechadas (no site Migalhas de peso, em 16/9/21).
Talvez em atenção a isto a MP 1040 de 2021, convertida na lei 14.195/21, tinha como um de seus alvos limitar muito a retirada forçada e exclusão de sócios nas limitadas, matéria vetada no procedimento legislativo, o que nos coloca diante do mesmo quadro legal até aqui aplicável.
Talvez uma modulação estatutária ou no contrato social fixando certas travas, não propriamente limitações genéricas, para a retirada imotivada, seja um caminho a seguir.
Algo como, nas saídas imotivadas do sócio prever se um alongamento no prazo de pagamento de seus haveres, reduzindo o efeito de descapitalização da sociedade.