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O Estado sou eu: privilégios da Fazenda frente aos demais credores na recuperação judicial

Recentemente, o STJ ao julgar o Recurso Especial 1.931.633, excluiu multa aplicada pela Anvisa da Recuperação Judicial requerida pela ML Operações Logísticas sob o fundamento de que a LRE não excluiria apenas os créditos tributários da recuperação judicial, mas qualquer crédito cobrável via execução fiscal.

25/10/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O crédito de natureza não tributária detido pela Fazenda se sujeita aos efeitos da Recuperação Judicial? Conforme recente decisão do STJ, a resposta é negativa. A decisão, no entanto, contraria entendimento anterior do Tribunal Superior e traz insegurança jurídica.

Conforme lei 11.101/05 (“lei de Recuperação” ou “LRE”), o deferimento do processamento da recuperação judicial implica “suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor”.

A proteção visa a preservação da atividade produtiva, além da manutenção de empregos e do valor dos ativos de empresas em stress financeiro.

O art. 6º, §7º-B, da LRE estabelece que a execução fiscal não se suspende após o deferimento do processamento da recuperação judicial. O art. 187 do Código Tributário Nacional (“CTN”), modificado pela lei Complementar 118 (“LC 118”) na mesma data em que a LRE entrou em vigência, estabelece que o crédito tributário não se sujeita à recuperação judicial. A interpretação conjunta de ambos os artigos leva à conclusão de que a execução fiscal de crédito tributário não se suspende.

Reconhecida a importância dos créditos tributários para o Estado, a opção legislativa é questionável, por favorecer o recebimento dos créditos tributários, em prejuízo dos demais credores.

Seria o direito à arrecadação pelo Estado hierarquicamente superior: (i) ao direito à preservação da empresa; ou (ii) ao direito ao recebimento do crédito por trabalhadores e instituições financeiras que financiaram a devedora e são titulares de garantias reais (sem os quais a atividade econômica não seria sequer viável)?

Nesse momento, não pretendemos responder à questão, que exige estudos aprofundados e a definição de políticas legislativas. No entanto, é necessário avaliar outro aspecto relevante: o crédito de natureza não tributária detido pela Fazenda também se excetua, ou se sujeita aos efeitos da recuperação judicial?

Caso o Legislador pretendesse excetuar qualquer crédito objeto de execução fiscal, inclusive de natureza não tributária, não teria alterado o CTN por ocasião da aprovação da LRE, ocasião em que reconheceu que o crédito tributário não se sujeita aos efeitos da Recuperação Judicial. Bastaria, na LRE, excetuar as execuções fiscais, independentemente da natureza do crédito.

A interpretação permite concluir, portanto, que apenas o crédito de natureza tributária está excetuado.

Filiando-se ao entendimento supra, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em 2018, reconheceu que a Anatel não poderia executar crédito no valor de R$ 11 bilhões decorrente de multa administrativa contra a Oi, em razão de sua natureza não tributária. O Superior Tribunal de Justiça, em agosto de 2020, confirmou o entendimento do Tribunal Carioca e sujeitou o crédito não tributário de titularidade da Anatel à recuperação judicial.

Os agentes do mercado de crédito consideraram ser essa a opção do Legislador e o posicionamento dos Tribunais Pátrios. Os devedores definiram perfis de endividamento e limites de alavancagem financeira considerando que apenas os créditos tributários não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial. As instituições financeiras fizeram análise de risco de crédito e exigiram as garantias que entenderam necessárias à luz deste entendimento.

Recentemente, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial 1.931.633, excluiu multa aplicada pela Anvisa da Recuperação Judicial requerida pela ML Operações Logísticas, sob o fundamento de que a LRE não excluiria apenas os créditos tributários da recuperação judicial, mas qualquer crédito cobrável via execução fiscal.

A decisão, além de ir de encontro ao precedente recente do STJ no Caso Oi sem justificar a alteração no entendimento, surpreende todos os envolvidos e privilegia a Fazenda em detrimento dos demais credores.

Mais do que isso, a decisão pode alterar as “regras do jogo” em curso, sem o necessário debate e alteração legislativa, trazendo insegurança jurídica e abrindo precedente que tem potencial de trazer consequências negativas para o país, afastando investidores e desestabilizando o mercado de crédito.

Respeitada a decisão do STJ, o jargão “L'État c'est moi" de Luis XIV há muito caiu em desuso. O Judiciário não pode ser ferramenta para conceder privilégios ao Estado. Os agentes de mercado clamam por maior segurança jurídica, especialmente em relação a questões que podem impactar o futuro econômico-financeiro do país.

Luis Fernando Hiar
Advogado associado de Lobo de Rizzo Advogados.

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