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A tese do século e a cobrança do PIS e Cofins não cumulativos

A chamada “Tese do Século” não alterou a sistemática da não Cumulatividade do PIS e Cofins. Nada muda para as empresas que não tenham sentença judicial definitiva, enquanto a Receita Federal não mudar as regras vigentes.

21/10/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

INTRODUÇÃO 

O presente trabalho não visa entrar em detalhes no que diz respeito aos processos judiciais já impetrados, nem mesmo em relação a créditos retroativos que as empresas venham a ter em face da decisão proferida pelo STF, no RE 574.706, também conhecido no meio jurídico e contábil como a “Tese do Século”. 

Tão pouco visa este artigo se posicionar juridicamente ante a decisão do STF, deixamos esta tarefa para os colegas que já muito bem o fizeram antes de mim em diversos artigos esclarecedores sobre este assunto. 

O ponto que aqui abordaremos se destina ao leque de empresas que não questionaram judicialmente o tema, e que estão, a partir da decisão do STF,  querendo entender o que muda ou o que pode ser mudado. 

Havendo mudanças, estas empresas também precisariam se posicionar face a eventual novo dimensionamento dos seus custos, no que diz respeito a cálculo do PIS e COFINS e consequentemente a composição do seu preço de venda, diante da concorrência.

APURAÇÃO DO PIS E COFINS – LEGISLAÇÃO VIGENTE

Vamos começar logo dizendo que, para estas empresas que não questionaram judicialmente a matéria ou se o fizeram não obtiveram decisão definitiva, que até o presente momento, nada muda no cálculo e apuração do PIS e COFINS. 

Isto por quê, a apuração, cobrança, fiscalização, arrecadação e administração da Contribuição para o PIS/Pasep e da COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social, estão previstas atualmente na Instrução Normativa RFB 1.911 de 11 de outubro de 2019. 

Esta Instrução Normativa, também conhecida como Regulamento do PIS e COFINS consolida e contempla toda a legislação sobre a matéria, no âmbito da Receita Federal do Brasil. 

DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 

Como sabemos, o STF decidiu que: “O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS”.  Prevalecendo-se o entendimento de que se trata do ICMS destacado na(s) respectiva(s) nota(s) fiscal i(s).  Esta decisão, proferida no RE 574.706, recebeu no meio jurídico a denominação de “Tese do Século”. 

A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, ao analisar a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, proferiu, entre outros o Parecer SEI 7698.2021. Reafirma o parecer em seu item 16, que o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e COFINS.  (alínea a) também que o ICMS a ser excluído da base de cálculo das contribuições do PIS e da COFINS é o destacado nas notas fiscais. 

Recomenda também, que a Receita Federal se abstenha a constituir créditos tributários em contrariedade à referida determinação do Supremo Tribunal Federal (item 14).

 A “TESE DO SÉCULO” E A SISTEMÁTICA DA NÃO CUMULATIVIDADE 

É preciso salientar que a chamada “Tese do Século” não se reportou, como os pareceres da Procuraria Geral da Fazenda também confirmam, no aspecto específico apuração do PIS e COFINS na Modalidade não Cumulativa.  

Parecer proferido pela Procuradoria da Fazenda Nacional, Parecer SEI 14483/2021/ME nos traz, entre outros aspectos importantes, os seguintes esclarecimentos quanto a decisão proferida no Julgamento do RE 574.706:  

Diz o parecer em seu item 14: 

“14. Não consta do julgado nenhuma alteração ou referência quanto à sistemática da não cumulatividade do PIS e COFINS, que possuem regramento infraconstitucional próprio, não tangenciado nas razões de decidir da Suprema Corte, no julgamento do Tema 69.” 

Prosseguindo no item 16: 

“16. Prosseguindo, sob o aspecto processual, os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal no RE 574.706/PR, voltados à análise da base de cálculo do PIS e da COFINS, não abordaram a sistemática de creditamento do PIS e da COFINS cobrados no regime não cumulativo, e nem poderiam tê-lo feito, uma vez que a matéria não foi discutida no feito de origem (MS 2006.70.00.030559-9/PR, digitalizados nos autos n. 5025144-24.2019.4.04.7000)” 

Reprisando no item 18: 

“18. Reprise-se: a não cumulatividade discutida nos autos disse respeito somente ao ICMS, a qual serviu como pano de fundo para estabelecer o que seria retirado da base de incidência do PIS/COFINS.  O regime não cumulativo do PIS/COFINS não foi debatido, e nem poderia ter sido, por conta da necessária adstrição ao pedido do contribuinte.” 

Arrematando no item 22: 

“22. Em arremate, não se vislumbra, com base apenas no conteúdo do acórdão, a possibilidade de se proceder ao recálculo de créditos de PIS/COFINS, apurados nas operações de entrada, porque a questão foi, nem poderia ter sido discutida no julgamento do Tema 69.”

APURAÇÃO CUMULATIVA 

Como se sabe, basicamente existem duas formas de apuração do PIS e COFINS, a modalidade denominada cumulativa e a modalidade denominada de não cumulativa. 

Na Modalidade de Apuração Cumulativa, a incidência do PIS e COFINS incide sobre o faturamento, ou receita bruta.   

Decidiu o STF que o ICMS não integra o conceito da Receita Bruta. Portanto, para achar a base de cálculo do PIS e COFINS deverá ser excluindo o ICMS destacado nas notas fiscais de venda, quando a Receita Federal normatizar o assunto. 

APURAÇÃO NÃO CUMULATIVA 

Na Modalidade de Apuração Não Cumulativa, há a sistemática de confrontação entre débitos e créditos.   Apuram-se os débitos, apuram-se os créditos, e o valor a pagar será determinado pela diferença de débitos e créditos.  Sendo, neste particular semelhante a apuração do ICMS a pagar. 

Nesta modalidade, os débitos são obtidos através da aplicação da alíquota sobre as receitas, e os créditos por sua vez são obtidos através da aplicação da alíquota sobre os custos, insumos e despesas admitidos pela Receita Federal, constantes na até aqui vigente Instrução Normativa 1911/19.

Apurados os débitos e créditos o valor a pagar será determinado pela diferença entre ambos. Quando os débitos forem maiores que os créditos teremos imposto a pagar, do contrário, teremos saldo credor do imposto. 

A maioria das empresas tem imposto a pagar sempre. Sendo muitas vezes que o eventual saldo credor apurado em um determinado mês, acaba sendo diluído pelo débito gerado nos meses seguintes.    

A DECISÃO DO STF E A CONTABILIDADE DE CUSTOS 

A decisão do STF está alinhada com os princípios contábeis da contabilidade de custos, o ICMS de fato, não compõe o faturamento. 

Na linguagem contábil, o ICMS não compões a Receita Bruta das Vendas. Ao se analisar um demonstrativo de resultados – DRE, normalmente costumamos ver: 

Para as receitas, na contabilidade de custos temos comumente a seguinte estrutura básica de demonstrativo de resultados:  

DEMONSTRATIVO DE RESULTADOS: 

(+) Receita Bruta das Vendas

(-) Impostos sobre Vendas

ICMS s/ Vendas

                               IPI s/ Vendas

                               PIS s/Vendas

                               COFINS s/ Vendas

                               ISSQN s/ Vendas

 (=) Receita Líquida das Vendas 

Assim como o ICMS sobre as vendas, o ICMS sobre as compras também é contabilizado separadamente na contabilidade de custos.  Via de regra o CMV, Custo das Mercadorias Vendidas é calculado pelo Estoque Inicial + Compras – Estoque Final. 

Na linguagem contábil o ICMS de fato também não integra o custo das compras, sendo que o estoque é registrado pelo valor líquido sem o ICMS.  O ICMS neste caso vai também vai para o ativo circulante em Impostos a Recuperar. 

Com o PIS e COFINS, para as empresas optantes da modalidade não cumulativa esta contabilização não é diferente.  Pois se ambos não integram a receita bruta das vendas, também não irão integrar o custo das mercadorias vendidas. 

Sabemos que em contabilidade temos o princípio das partidas dobradas, para todo o débito existe um crédito correspondente, na contabilização do ICMS acima demonstrada não seria diferente. Pois se o ICMS foi retirado das vendas, para aferir a receita líquida, por óbvio que deverá também ser retirado das compras para aferir o custo da mercadoria vendida.  Cabendo ao PIS e COFINS o mesmo raciocínio e aplicabilidade na contabilização. 

O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO CUMULATIVIDADE 

Desde a promulgação da Carta Magna em 1988, O ICMS é o primeiro imposto lá definido como não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação com o montante cobrado nas operações anteriores.  

Com a Emenda Constitucional 42/2003, o PIS e a COFINS também passaram a fazer parte dos impostos não cumulativos em nossa Constituição Federal, atribuindo ao legislador ordinário deliberar sobre a extensão deste caráter não cumulativo. (§ 12 e 13 do Art. 195 da Constituição Federal.) 

APLICABILIDADE DA DECISÃO

O que não se pode fazer é sem embasamento judicial nenhum, ou ato normativo da Receita Federal que autorize, passar a calcular o PIS e COFINS não cumulativo, de forma adversa ao que está previsto no ato normativo da Receita Federal, neste momento representado pela IN RFB 1911/19. 

Algumas consultorias já estão induzindo os incautos a modificar o cálculo do PIS e COFINS na modalidade não cumulativa, excluindo apenas o ICMS da Base de Cálculo das suas Vendas (débitos) e mantendo o ICMS na base de cálculo de suas Compras (créditos). Isto, repita-se, sem nenhuma decisão judicial que acoberte este proceder. 

Ler a decisão judicial com um tapa olho, apenas na parte que lhe é conveniente, pode trazer sérios prejuízos as empresas, pois além de ter que recolher o imposto pago a menor com multa e juros, poderá incorrer em multa punitiva, esta em patamares maiores do que a multa moratória, e não raro, representação criminal por sonegação fiscal. 

Se a sistemática é a da não cumulatividade, a lógica que deverá prevalecer é a da não cumulatividade, nos termos da demonstração contábil acima referida.  Se exclui o imposto das vendas é óbvio que deverá também ser excluído das compras.  Do contrário, será qualquer outra coisa, menos sistemática da não cumulatividade.   E como vimos no parecer da Procuradoria da Fazenda, a decisão do STF não alterou a sistemática da não cumulatividade. 

APURAÇÃO DE SALDO CREDOR DE PIS E COFINS

Na modalidade não cumulativa de apuração do PIS e COFINS, em situações específicas a empresa pode ficar com saldo credor do imposto, o qual poderá ser transportado para ser compensado no mês de apuração subsequente.

O primeiro e principal motivo de saldo credor apurado, que irá ser compensado no cálculo do imposto a pagar nos meses subsequentes é a sazonalidade do estoque. É o caso daquela empresa onde as compras (créditos) foram maiores do que as vendas (débitos) em determinado período.

Este saldo credor apurado irá ser transportado para o mês seguinte, para ser abatido da apuração e assim subsequentemente, sendo que em determinado momento esta empresa irá pagar imposto, pois este estoque será vendido. (debitado.)

Outro motivo que causa saldo credor na apuração de PIS e COFINS para as empresas, é a situação na qual a empresa tem em suas vendas de forma predominante, saídas destinadas a exportação.  

Isto porque a exemplo do ICMS, não é permitido ao Brasil exportar impostos, logo nestas apurações, é facultado a empresa tomar os créditos das compras (mercadorias, insumos ou matérias primas para fabricação de determinado produto).  

Como na exportação casos não há o débito sobre as vendas estas empresas ficam com saldo credor de PIS e COFINS, o que é permitido compensar, mediante procedimentos administrativos próprios com outros impostos federais, como Imposto de Renda e Contribuição Social por Exemplo.

SÍNTESE CONCLUSIVA

A finalidade do PIS e da COFINS é o financiamento da seguridade social, ou seja, os serviços relativos a previdência e assistência social e a saúde da população.

Embora tenham o nome de contribuição, nada mais são do que impostos, cuja base de cálculo no caso da sistemática cumulativa é o faturamento, agora com a exclusão desta base o ICMS das notas fiscais conforme definiu o supremo.

Já no caso da sistemática não cumulativa verificamos, nos termos da manifestação da PGFN que nada mudou.   Continua sendo o resultado da confrontação pela sistemática de débitos e créditos, salvo a empresa tenha ação judicial com sentença definitiva determinando procedimento diferente.

Leitura diferente, fere o princípio da não cumulatividade pois com alíquotas iguais e excluindo-se o ICMS apenas da base dos débitos e não excluindo dos créditos, fará com que apuração, na maioria dos casos resulte em eternos e fictícios saldos credores de PIS e COFINS.

Pois o princípio da não cumulatividade, determina justamente que o imposto pago por um contribuinte em operação de venda, seja compensando por outro contribuinte na operação seguinte. 

Ivo Ricardo Lozekam
Tributarista. Diretor do Grupo Lz Fiscal. Articulista da IOB, Thomson Reuters entre outras. Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários e do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário.

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